segunda-feira, dezembro 26, 2022

António Mega Ferreira


Há semanas, acabei de ler um largo calhamaço, escrito por alguém que, num “name dropping” obsessivo, parece ter o mundo cultural português como o seu alvo crítico de estimação. A principal “bête noire” do prolífico escriba é António Mega Ferreira. Dei comigo a pensar que só o facto de alguém conseguir convocar tanta acrimónia acaba por revelar a sua real relevância e a enorme dor-de-cotovelo que a sua figura suscita. Mega Ferreira morreu hoje.

António Mega Ferreira foi uma das nossas figuras intelectuais mais brilhantes, nas últimas décadas. Com uma escrita magnífica e uma capacidade de ação notável, fez incursões por diversas áreas da cultura, sempre com extremo mérito, às vezes roçando mesmo a genialidade. As próximas horas trarão obituários e testemunhos completos sobre ele, que se esperam justos. 

Um dia, Paula Moura Pinheiro juntou-nos a ambos num programa televisivo, para falar de alguns prazeres sensuais. Foi uma hora divertidíssima, que anda pela RTP Play, em que falámos da mesa e de outras coisas, do mundo do gosto que ela nos proporciona.

Uns bons anos antes, em casa do meu amigo Fernando Neves, eu tinha revelado que acabara de ler um livro de um autor menor português, uma figura justamente depreciada pela sua mediocridade, cujo nome nem interessa lembrar. Já nem sei a razão, ou a curiosidade, pela qual eu tinha decidido essa inusitada incursão de leitura. O António Mega Ferreira, escandalizado, mostrou a sua incredulidade: “Ó Francisco! Só o simples esforço de estender o braço para a estante, para pegar num qualquer livro dessa figura, já de si é um excesso. Que diabo de autores com que você ainda perde tempo, quando há tão bela escrita que nem toda uma longa vida nos permitirá ler!”.

O António Mega Ferreira tinha toda a razão. Como homenagem, na tarde deste “boxing day”, vou reler o seu magnífico “O Heliventilador de Resende”, que acabo de descortinar numa estante aqui ao lado.

9 comentários:

Flor disse...

Descanse em Paz!
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/antonio-mega-ferreira-e-francisco-seixas-santos/

Luís Lavoura disse...

António Mega Ferreira, se bem me lembro, foi "comissário" da Expo98, ou da sua sucessora Parque Expo. Fez um papel de comissário político.

manuel campos disse...


Foi António Mega Ferreira, colega "desde sempre" de Marcelo Rebelo de Sousa, que escreveu sobre ele no livro de curso do 7º ano do Liceus o seguinte verso:

"E eis-nos enfim chegados
a esta promessa eminente,
faz gaffes, faz disparates,
anda sempre contente."

Unknown disse...

Via nele uma certa frustração por não ser reconhecido como escritor. Ficou mais conhecido como excelente jornalista e como gestor (não sei se bom se mau) de determinados projectos culturais. E por ser um homem de esquerda culto o que é uma tautologia, mas desencantado e algo ressabiado. Uma figura de valor, em todo o caso.

José disse...

"(...) ser um homem de esquerda culto o que é uma tautologia (...)"

Um verdadeiro tratado em poucas palavras.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Um grande viva ao homem e à obra!

Anónimo disse...

Nunca conheci pessoalmente Mega Ferreira mas, sempre admirei o seu lado analítico e cultural! Paz à sua Alma.

JML disse...

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/antonio-mega-ferreira-e-francisco-seixas-santos/

Anónimo disse...

Tenho imensos livros dele, sobretudo os que se referem a Roma e à Itália que tanto admirava; conheci-o em Estocolmo quando ele, vindo da Finlândia andava a fazer o périplo das capitais europeias com vista à EXPO 98; nos últimos anos, já muito debilitado (andava de bengala) assisti a algumas palestras que proferiu na Casa Fernando Pessoa e no Âmbito Cultural do El Corte Inglês, sobre Dante e a Divina Comédia! Deixou-nos a sua obra literária e a Expo 98 e tudo o que seguiu após o desmantelamento da exposição; não foi coisa pouca!
Albertino Ferreira

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...