Finlândia e Suécia estão prestes a apresentar o seu pedido formal de adesão à NATO. Foi a Finlândia que primeiro anunciou essa predisposição. O governo sueco necessitava do argumento de um possível isolamento, caso não seguisse o seu vizinho a Leste, para dar mais força à sua vontade de adesão. Mas foi óbvio que o “tandem” foi estudado.
Os dois países têm, como se sabe, uma história muito diferente no que respeita ao seu não alinhamento.
A Finlândia viveu o pós-Segunda Guerra sob uma neutralidade forçada pela URSS, assumindo, como consequência, uma atitude internacional a que o mundo exterior chamava, de forma injustamente depreciativa, a “finlandização”.
Já a Suécia tinha a neutralidade nos seus genes estratégicos, há dois séculos, usando-a para criar uma imagem de “potência moral”, singularidade que, sem dúvida, lhe rendeu alguns ganhos de prestígio.
Com o fim da Guerra Fria e a implosão da União Soviética, e de certo modo sob impacto da discussão que então teve lugar, em torno da eventual mudança de qualidade do projeto da NATO, nas opiniões públicas de ambos os Estados ter-se-á firmado a ideia de que, reduzidos que pareciam estar os riscos de segurança, em especial pelo enfraquecimento e aparente nova natureza do poder em Moscovo, a adesão ao projeto de defesa transatlântico não se justificava. Pelo contrário: aderir à NATO era chamar os fantasmas. Contudo, esse tempo idílico do “fim da História” não ia durar muito.
Com a entrada da Suécia e Finlândia, em conjunto com a Áustria, na União Europeia, ficou notório, desde o primeiro momento, que a mensagem que, de Helsínquia, chegava a Bruxelas, em matéria de segurança e defesa, era muito mais acomodatícia de um cenário de aproximação à cultura NATO do que aquilo que soava de Estocolmo. Mas sempre pareceu óbvio que, a acontecer um dia tal adesão, ela seria feita em conjunto.
Da Áustria, o terceiro parceiro desse grupo de países neutrais, numa União onde, à época, só a Irlanda se mantinha com esse estatuto, sendo membros da NATO todos os restantes “onze”, chegava um sinal flagrantemente contrário: a sua Constituição, feita sob os equilíbrios do pós-Segunda Guerra, impedia formalmente o seu alinhamento pela aliança ocidental.
O caso irlandês é um pouco diferente. Dublin foi sempre, muito claramente, um parceiro “do lado de cá”, com forte cumplicidade com os EUA, que não escondeu nunca as suas preferências na trincheira da Guerra Fria. A Irlanda, que tem forças militares incipientes, parece deliberadamente querer fugir ao debate, assente na blindagem legal que, nos tratados europeus, garantiu para essa sua excecionalização.
Há que notar que a NATO teve, entretanto, uma evolução, em termos securitários, que se tem mostrado bastante abrangente. A organização fez parcerias, assente num conjunto de valores altamente consensual, com as democracias do espaço ocidental. A luta contra o terrorismo, depois do 11 de setembro, veio a densificar ainda mais essa filosofia comum em matéria de segurança, que passou a ser crescentemente consagrada e desenvolvida no seio da União Europeia. As Forças Armadas de muitos desses países, da NATO e fora dela, têm vindo a ser envolvidas em exercícios militares conjuntos, para além do usufruto de uma crescente (embora raramente assumida) cumplicidade em termos de “intelligence”, que hoje aproxima, da cultura NATO, todos os membros da União.
Entretanto, é uma evidência que a deriva autocrática ocorrida dentro da Rússia, particularmente sentida pelos países bálticos (os únicos novos aderentes que tinham feito parte da União Soviética), com os quais os Estados nórdicos que são membros da União Europeia têm grande afinidade, ajudou a Suécia e a Finlândia a encurtar o seu caminho face à Aliança Atlântica. Caminho que agora fica percorrido, sob o trauma ucraniano.
Restará apenas saber se a Suécia irá apresentar algumas condicionantes à sua entrada na NATO, nomeadamente sobre a proibição da presença regular de forças militares estrangeiras e a colocação de armas nucleares no seu território. A futura contribuição da marinha de guerra sueca, que tem tido uma expressão de grande eficácia no Báltico, bem como os seus aviões de combate, são ativos tidos por relevantes nesta adesão, aos olhos de Bruxelas.
A Finlândia, que traz à NATO uma nova fronteira de 1300 km com a Rússia, dispõe, ao que se sabe, de uma equipadíssima guarda de fronteira e de modelos sofisticados de “intelligence”. Não tendo umas Forças Armadas muito fortes, é, porém, um dos países europeus que alimenta uma cultura nacional de segurança mais aprofundada, com importantes números em matéria de reservistas.
É inegável que a presença conjunta da Suécia e da Finlândia, a somar-se a um país fundador da NATO, a Noruega, vai permitir dar maior coerência ao espaço nórdico da organização, geografia onde hoje reside um dos desafios de segurança do futuro, o espaço do Ártico.
Nos anos 50, dizia-se, a brincar, por essa Europa, face ao receio que a URSS tinha criado do lado ocidental da “cortina de ferro”, que era justo que Stalin, juntamente com Schumann e Monnet, fosse também reconhecido como um dos “pais” da unidade europeia, mais tarde plasmada do Tratado de Roma. Hoje, ao observar-se o “boost” que acabou por imprimir à NATO, com o terramoto estratégico que produziu com a invasão da Ucrânia, Putin surge como mais um “construtor”, involuntário e irónico, da unidade ocidental.
E agora? Onde ficam a Áustria e a Irlanda? E Chipre? E Malta? Ficam a ser, na União Europeia, os únicos Estados ausentes da NATO. E agora? Colocar-se-á, no seu seio, a discussão sobre as vantagens e inconvenientes de virem a aderir à Aliança Atlântica, num tempo em que, cada vez mais, a União Europeia dá passos para o reforço intenso de uma dimensão de segurança, com consequências óbvias na sua defesa? Atenta a imprevisibilidade do “amigo americano” - Trump foi um interlúdio ou Biden é que o será? -, que, no entender de muitos, parece justificar que a Europa tente saber tratar de si própria, vai ser interessante perceber se o debate da “desneutralização” europeia continuará.