quinta-feira, maio 19, 2022

Blake e Mortimer


Faço parte de uma geração que, no século passado, lia, no “Cavaleiro Andante”, em banda desenhada, as aventuras de “Blake e Mortimer”. Na versão portuguesa, Mortimer mantinha este nome, mas Blake era o “Capitão Edgar”, recordo.

O autor destas histórias, que, de início, eu achava que deveria ser inglês, porque todas as aventuras nasciam e acabavam em Londres, chamava-se Edgar P. Jacobs. Era de nacionalidade belga e, por sinal, ligado à extraordinária escola de banda desenhada ali criada, de que Hergé foi a figura maior.

Nos álbuns de Jacobs, tudo roda em torno de aventuras protagonizadas pelo militar Blake, ligado aos serviços secretos, e do seu amigo e cientista, Mortimer. Contra ambos, conspira um terceiro personagem, mas eterno sobrevivente de todas as histórias, o sinistro coronel Olrik, sempre a soldo forças do mal e que, em regra, surge sob variados disfarces.

Jacobs morreu em 1987, com 83 anos. Em vida, compôs 10 albuns, de que os dois de “O Mistério da Grande Pirâmide” são, a meu ver, do melhor que se criou no género. Após o desaparecimento de Jacobs, foi ainda editada uma sua obra póstuma, em dois albuns. 

Tentando copiar a obra de Jacobs, sob diversas penas e com diferente qualidade e êxito, surgiram depois mais 18 albuns! Tenho-os todos claro! 

Nas histórias originais de Jacobs, raramente apareciam mulheres. Os seus seguidores romperam com essa espécie de tabu. 

Blake e Mortimer eram aquilo que antigamente se chamava “solteirões”. Mas nunca houve nenhum indício que levasse a fazer suspeitar de alguma relação carnal entre ambos. 

Por isso, achei graça ao facto de, no último álbum publicado, “Le Dernier Espadon”, a certo passo, num momento em que Blake conta um segredo a Mortimer, para evitar os ouvidos indiscretos dos frequentadores do Centaur Club (um clube londrino que, claro, não existe!), os ousados autores desta história se tenham permitido inserir um comentário de dois cavalheiros, sentados em outra mesa, muito contra o “politicamente correto” de hoje - mas aceitável no tempo da história, o final dos anos 40.

Na última página do álbum, a ousadia repete-se e ainda é maior, mas agora num registo abertamente racista. Tendo Blake e Mortimer levado a almoçar o fiel Nasir, com o seu turbante, surge, da parte dos mesmos comentadores, uma graçola bem pesada. Ambas aqui ficam registadas, apenas por curiosidade.



8 comentários:

Nuno Figueiredo disse...

A Marca Amarela.

Luís Lavoura disse...

Porque é que o indiano de turbante está a comer com garfo? Os indianos comem com as mãos...

carlos cardoso disse...

Senhor Embaixador, partilho o seu gosto e os seus comentários sobre a obra de Edgar Pierre Jacobs e dos seus continuadores. Mas 18 álbuns? Acho que ainda são só 17 (e claro que também os tenho todos). Quanto às histórias começarem e acabarem em Londres, só no caso da marca amarela! As outras começam no Tibete, no Cairo, nos Açores, em Paris (3) e no Japão.

Lúcio Ferro disse...

Confesso que não nutro particular interesse pelos álbuns que vieram depois de Jacobs. Mesmo as 3 Fórmulas do Professor Sato me pareceu uma obra menos bem conseguida e não estou a criticar o trabalho de Bob de Moor. Este o Último Espadão parece interessante, bem como o Último Faraó, mais porque esse rompe com a tradição do traço limpo. Tenho que arranjar tempo para os ler e sobretudo dinheiro para os comprar, a quase 20 euros cada, é complexo. Da obra original, de facto A Marca Amarela e sobretudo a Armadilha Diabólica são fabulosos. Mas são todos muito bons, obrigado pela partilha.

Jaime Santos disse...

Se bem me recordo, a presença de personagens femininas estava proibida (exceto enquanto meras figurantes) na banda desenhada destinada à população masculina em idade escolar na época em que os álbuns originais de Blake e Mortimer foram desenhados (não é o caso do Raio U, trabalho anterior de Jacobs).

Por isso, a sugestão é bem maldosa, tal como a da existência de algo mais do que amizade entre Holmes e Watson :) ...

A ausência do elemento feminino tem só mesmo que ver com o puritanismo e a misoginia que caracterizavam a era vitoriana (e que se estendeu até aos anos 60).

Bem entendido, o revisionismo recente sobre a sexualidade destas personagens tem o seu quê de irónico à luz desses mesmos valores, que pretenderiam promover justamente o contrário, mas que, separando rapazes e raparigas, às tantas não eram assim tão bem-sucedidos quanto isso :) ...

Já quanto ao racismo, basta ver o tratamento deferente que Nasir deve a Mortimer (trata-o por Sahib) nos ditos álbuns originais para se perceber que era mesmo moeda corrente na época.

Mas sendo Mortimer Físico, faria sentido, nos anos 40-50, que tivesse uma relação muito mais igualitária com Nasir, tendo em conta o número de cientistas e intelectuais de alto gabarito provenientes do subcontinente indiano com quem as elites britânicas conviviam e que sabiam integrar.

Suspeito que aqui o racismo em tons orientalistas fora de tempo era mesmo só preconceito de Jacobs...

Francisco Seixas da Costa disse...

O Luís Lavoura situa-se sempre à altura das nossas expetativas. Honra lhe seja!

Luís Lavoura disse...

Francisco, eu até há poucas semanas almoçava diariamente num pequeno snack-bar nepalês aos Anjos. As pessoas lá (excetuando eu) comiam todas com as mãos, tal como toda a gente, que eu saiba, faz no subcontinente indiano. Uma banda desenhada que se pretenda realista e conhecedora dos costumes (como as de Hergé eram) não deveria pôr um indiano a comer com garfo. Penso eu de que.

Jaime Santos disse...

Luís Lavoura, os indianos comem com as mãos num contexto tradicional. Porventura, verá indianos a fazê-lo em restaurantes indianos (ou num restaurante nepalês, no seu caso).

Garanto-lhe que todos os indianos que conheci, em restaurantes europeus, comiam de garfo e faca... Em Roma, são naturalmente Romanos, como pessoas extremamente educadas que normalmente são...

A banda desenhada em questão é pois bastante mais realista do que os seus preconceitos orientalistas...

"Quem quer regueifas?"

Sou de um tempo em que, à beira da estrada antiga entre o Porto e Vila Real, havia umas senhoras a vender regueifas. Aquele pão também era p...