“Você viu quem era, Francisco?”, perguntou-me Toninho Drummond, sentado ao meu lado, no carro em que fui levá-lo a casa, na chamada Península dos Ministros, depois de um almoço no Piantella. Eu não tinha prestado atenção às três pessoas que iam em sentido contrário no passeio e de quem o carro já se afastava, mas ele esclareceu-me: “Era o Stroessner!”.
Como dizem os brasileiros, “caiu a ficha”! O Stroessner, o mais sinistro ditador da América Latina, que implantou um regime de terror no Paraguai, ia ali! Sabia que ele se tinha refugiado no Brasil, mas estava longe de pensar que ainda fosse vivo e, mais ainda, que fosse quase meu vizinho, em Brasília.
Sou muito dado, confesso, a estas curiosidades históricas e, deixado que foi o eterno (e já desaparecido amigo) diretor brasiliense da Globo na sua residência, disse ao Daniel, o meu motorista, para se apressar, porque queria ainda ver o Stroessner. Não tive sorte. Nem sombra já desse homem, então com 92 anos, no nosso caminho de volta, naquela rua que é o eixo da “quadra” habitacional mais prestigiada da capital federal.
Perdi assim, nessa tarde, o ensejo de ver o “velho fascista” paraguaio. Foi o (também já ido) António Dias quem um dia me disse, quando imprudentemente me interroguei sobre a necessidade de ainda andar a prender guardas dos campos de concentração nazis, quase centenários, que “um fascista velho não deixa de ser um fascista, só que velho...”
Se há uma escala entre os ditadores, e acho que essa escala deve existir (embora nem por isso deixem de ser todos ditadores), Stroessner ocupa, nesse sinistro “ranking”, um lugar cimeiro. Foi, sem a menor das dúvidas, um dos maiores bandidos da história política da América Latina, responsável por muitas mortes, prisões e torturas. Se a justiça existisse, devia ter ficado na prisão a expiar esses crimes. Não será por acaso que acabo de ler que o Paraguai está agora a festejar o golpe militar que, há precisamente trinta anos, colocou um ponto final à sua ditadura.
Alfredo Stroessner viria a morrer em Brasília, onde vivia desde 1989, no ano seguinte, em 2006. O governo de Lula não teve, e bem, o menor gesto oficial, na altura da sua desaparição. Como reagiria hoje Bolsonaro? Só podemos especular.