segunda-feira, fevereiro 04, 2019

Stroessner


“Você viu quem era, Francisco?”, perguntou-me Toninho Drummond, sentado ao meu lado, no carro em que fui levá-lo a casa, na chamada Península dos Ministros, depois de um almoço no Piantella. Eu não tinha prestado atenção às três pessoas que iam em sentido contrário no passeio e de quem o carro já se afastava, mas ele esclareceu-me: “Era o Stroessner!”.

Como dizem os brasileiros, “caiu a ficha”! O Stroessner, o mais sinistro ditador da América Latina, que implantou um regime de terror no Paraguai, ia ali! Sabia que ele se tinha refugiado no Brasil, mas estava longe de pensar que ainda fosse vivo e, mais ainda, que fosse quase meu vizinho, em Brasília.

Sou muito dado, confesso, a estas curiosidades históricas e, deixado que foi o eterno (e já desaparecido amigo) diretor brasiliense da Globo na sua residência, disse ao Daniel, o meu motorista, para se apressar, porque queria ainda ver o Stroessner. Não tive sorte. Nem sombra já desse homem, então com 92 anos, no nosso caminho de volta, naquela rua que é o eixo da “quadra” habitacional mais prestigiada da capital federal.

Perdi assim, nessa tarde, o ensejo de ver o “velho fascista” paraguaio. Foi o (também já ido) António Dias quem um dia me disse, quando imprudentemente me interroguei sobre a necessidade de ainda  andar a prender guardas dos campos de concentração nazis, quase centenários, que “um fascista velho não deixa de ser um fascista, só que velho...”

Se há uma escala entre os ditadores, e acho que essa escala deve existir (embora nem por isso deixem de ser todos ditadores), Stroessner ocupa, nesse sinistro “ranking”, um lugar cimeiro. Foi, sem a menor das dúvidas, um dos maiores bandidos da história política da América Latina, responsável por muitas mortes, prisões e torturas. Se a justiça existisse, devia ter ficado na prisão a expiar esses crimes. Não será por acaso que acabo de ler que o Paraguai está agora a festejar o golpe militar que, há precisamente trinta anos, colocou um ponto final à sua ditadura.

Alfredo Stroessner viria a morrer em Brasília, onde vivia desde 1989, no ano seguinte, em 2006. O governo de Lula não teve, e bem, o menor gesto oficial, na altura da sua desaparição. Como reagiria hoje Bolsonaro? Só podemos especular.

8 comentários:

Anónimo disse...

Lido.

Despacho:

Ao longo da vida pode-se trilhar caminhos bons e maus. Todo o ser humano tem direito a recuperar-se dos caminhos menos bons que um dia trilhou.
Alguns, hoje, poderiam dizer:
Aquele foi um ditador comunista. Devia pagar pelos seus crimes políticos......

Não deferido.

vitor disse...

Infelizmente, como também deve saber, as similaridades entre o Brasil e o Paraguai continuam.

"Em 2001, também sob a batuta da embaixadora norte-americana, logo no Parlamento houve quem encontrasse maneira de transformar maiorias em minorias, legitimidade em impeachment presidencial; o ex-bispo retirou-se, substituído pelo seu vice-presidente, e o fascismo banqueiro e latifundiário reinstalou-se, um pouco mais benévolo que o do carniceiro Stroessner, mas fascismo social, militar, sob capa política «democrática». Nada que ofenda as sensibilidades do nosso homem actual das Necessidades e dos seus parceiros de Lisboa a Budapeste, de Bruxelas a Varsóvia."

E assim continua a América Latina no SEC XXI.

Carlos Fonseca disse...

Tem razão: um fascista nunca deixará de o ser: faz parte da sua natureza. Admitindo, por absurdo, claro, que possa um dia vir a ocupar o lugar cimeiro de um país onde vigore a democracia, continuará, embora disfarçando, a ser um fascista.

Anónimo disse...

Um fascista muito estimado por Washington, que sempre o apoiou, mesmo fingindo alguma descrição. Como aliás é apanágio dos EUA: não têm qualquer preocupação com os Direitos Humanos (caso contrário tinham tido outra actuação contra os facínoras de Riad, ou Pequim, ou outros tais). Só quanso os seus interesses, políticos e económocos lhes respeita. Veja-se a ausência de preocupações com o que se passa no Yemem - muito pior do que o que actualmente sucede na Venezuela.
Washington apoiou as Ditaduras de Pinochet, da Argentina dos Generais, dos Generais do Brasil (que o reaccionário do Bolsonaro diz ser simpatizante e admirador) e promoveu inúmeros golpes de estado na América Latina, de que resultarm outras tantas Ditaduras.
J.A

Anónimo disse...

O que é curioso é constatar a nossa irrelevância internacional no que respeita à Venezuela. Ainda agora estava a ler um comentário na BBC on-line e não há qualquer referência a Portugal como um dos países que apoiam esse tal Guaidó, como Presidente interino. Portugal simplemente não existe no plano internacional - com a excepção dos circuitos turísticos -, embora o nosso MNE pense o contrário, com aquele sorriso com que recebeu a imprensa caseira para lhes anunciar a grande decisão do reconhecimento do Guaidó.
Um país à medida da nossa importância!

Anónimo disse...

@ Carlos Fonseca.

Então o que temos de ser todos é uns comunistas empedernidos, recomhecidos notarialmente, porque ao não o sermos somos logo, "avant la lettre", uns fascinoras sem remissa, necessitados de morte súbita.

Boa malha caro senhor.

vitor disse...

Eu por acaso já tive oportunidade de ver e ouvir o fantoche do Gaidó agradecer pessoalmente a ingerência externa de Portugal. Infelizmente. E digo infelizmente não porque não pense que é preciso fazer realmente algo pela Venezuela. Acontece que já tive a felicidade de crescer no pós-guerra, no quadro da ONU. Criada para promover a cooperação internacional, manter a segurança e a paz mundial, promover os direitos humanos, auxiliar no desenvolvimento económico e no progresso social, proteger o meio ambiente e prover ajuda humanitária em casos de fome, desastres naturais e conflitos armados. Segundo os tratados também subscritos por Portugal.

Carlos Fonseca disse...


O Anónimo (5 de fevereiro de 2019 às oo:22) está enganado.

O que todos temos de ser é capazes de perceber a diferença que há entre a "obra prima do Mestre" e "a prima do mestre de obras".

Não é difícil e estou convicto de que com um pouco de esforço acabará por lá chegar.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...