segunda-feira, janeiro 21, 2019

Vamos apostar?


Há dias, uma amiga dizia-me que ia acompanhando a atitude dos britânicos face ao Brexit pela consulta, com regularidade, dos “sites” das casas de apostas no Reino Unido. Ao contrário de que acontece por cá, por lá existem apostas a propósito de tudo e de nada, desde estes episódios da vida política às datas dos casamentos dos príncipes. E se pensarmos que cada um arrisca o seu dinheiro naquilo que acha mais plausível, talvez devamos concluir que o modo como os apostadores olham os episódios em que o Brexit se vai sucessivamente declinando não deixa de ser um barómetro interessante sobre o estado daquela opinião pública. 

O caso do divórcio britânico da Europa irá, no futuro, dar origem a muitos livros. E em todos eles, estou certo, se especulará, com alguma razão, sobre como foi possível, a um país com a importância e a experiência histórica do Reino Unido, deixar-se aprisionar num tortuoso processo negocial de saída de uma estrutura institucional a que havia ligado o seu quotidiano por décadas.

É que o Brexit acabou por transformar-se, para o Reino Unido, numa verdadeira ratoeira. O referendo em que a decisão de saída foi tomada, cuja legitimidade democrática é incontestável, resultou de uma campanha muito marcada por temas emocionais, pelo potenciar de alguns medos, que uma análise serena veio a demonstrar serem completamente infundados. A isso se somou a obsessão, que era antiga, de recuperar a “soberania” e de deixar de estar “sob as ordens de Bruxelas” (como se não fossem os ministros britânicos quem também votava a legislação que ali se produz).

Escrevi atrás “ratoeira” com plena intenção. Obrigado a seguir o resultado do referendo, o governo britânico viria a deparar-se com uma missão quase impossível. Quando a poeira assentou, Londres terá percebido a imensa dificuldade daquilo a que não iria poder fugir. Foi assim obrigado a uma complexa negociação, tendo do outro lado da mesa a vontade, institucionalmente federada pela Comissão Europeia, de 27 Estados, surpreendentemente atuando em uníssono e que não lhe facilitaram a vida. Se o Reino Unido queria abandonar a UE, e porque desde logo informou que a alternativa de ficar não existia, então o pacote de condições iria ser severo. E foi.

Qualquer governo britânico, perante um resultado negocial obtido sob uma inescapável pressão, iria ter sempre uma grande dificuldade em garantir o voto maioritário de Westminster. Mas uma primeira-ministra que começara por ser a favor da permanência na UE, para depois fazer uma cambalhota, com uma maioria escassa e politicamente periclitante, era o pior interlocutor para um acordo que implicava grande sentido de compromisso e o “engolir” de alguns sapos.

Na vida profissional, aprendi que nada é pior do que negociar com uma parte marcada pela fraqueza, debilitada na sua capacidade de fazer vingar aquilo a que se comprometeu. Theresa May é isso tudo e, talvez por essa razão, só os videntes nos possam hoje ajudar a pôr o nosso dinheiro nas casas de apostas, acerca do resultado final desta imensa trapalhada em que se transformou o Brexit.

(Artigo publicado no dia 18 de janeiro de 2019)

6 comentários:

Anónimo disse...

Aposta segura é sim, Brexit. O problema é qual Brexit.

A UE em reformulação. Ultrapassada a fase Juncker/Barnier. As forças vivas alemãs já se começam a pronunciar. As negociações prosseguirão pelo menos até aos montes Urales e para lá do oceano Atlantico. Hegemonias em causa

A. Neves disse...

No meu entendimento o RU nunca esteve confortável com a ligação á UE, desde uma entrada complicada, uma vivência carregada de não alinhamentos e exceções e um pré-referendo cheio de animosidades.
Era assim de prever que este permanente azedume face á UE levasse a esta balburdia e neste diálogo de surdos.
Custa-me saber que alguns dos nossos compatriotas que lá trabalham sintam já na pele a pouca vontade dos ter lá e o impacto que isso poderá ter na nossa frágil economia.
Faço votos para que ganhe a aposta do bom senso, se é que há algum naquele parlamento.

Anónimo disse...


"... But he is afraid of the impact of tariffs.

“And, of course, I don’t want the impact of tariffs.

“And we’d have to cope with that.”

But the Tory Lord then made a stunning revelation.He said: “The average tariff is four percent.

“The total cost of all the tariffs we would face if we faced tariffs against the EU would be five billion pounds.

“We currently pay ten billion or more into the EU coffers.

“So we’re paying £10billion to save £5billion.”...

Se não é verdade ... é muito bem bem apanhado

aamgvieira disse...

Somos melhor que o Reino Unido:

Temos um país "fantástico" que não quer poços de petróleo, nem minas de lítio, também não gostamos de fábricas e de quase todos os negócios de outros, mas queremos dinheiro a montes, empregos, subsídios a rodos, de preferência não fazendo nada ou ser afilhado de algum governante !

Luís Lavoura disse...

a vontade, institucionalmente federada pela Comissão Europeia, de 27 Estados, surpreendentemente atuando em uníssono

Exatamente. Havendo um país, a Irlanda, que recusa terminantemente construir uma fronteira física com o Reino Unido, a Comissão Europeia assumiu plenamente a posição desse país, o que quer dizer que a União Europeia assumiu que recusa ter uma fronteira física com o Reino Unido. A partir deste ponto, segue-se que ou bem o Reino Unido é obrigado, per secula seculorum, a ficar numa união comercial com a União Europeia, ou então, é obrigado a quebrar amarras com ela a mal, ou seja, sem acordo.

Temos pois, por extrapolação, que qualquer país da União que tenha fronteiras terrestres com outro país da União pode, potencialmente, ser obrigado ao mesmo destino. Os únicos países da União que são perfeitamente livres de a abandonar são portanto os Estados insulares: Malta e Chipre.

Fernando Frazão disse...

Os promotores do Brexit nunca pensaram que o sim ganhasse a começar por David Cameron.
A prova é que nenhum deles se encontra a liderar o processo e, quem se encontra a liderar é a Mrs May que na altura era contra (!!!).
Com isto abriram a Caixa de Pandora.
E agora? Ninguém sabe, mas uma coisa é certa; O Brexit vai aleijar todos.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...