O sofá é um grande inimigo do futebol. Dei conta disto há uma semana, quando me tirei dos meus cuidados e decidi rumar a Alvalade, para ver, ao vivo, o Sporting-Porto.
Quantas vezes, ao longo dos últimos anos, havia reprimido esse impulso e optei por me instalar no confortável sossego das almofadas caseiras, para assistir (sempre em diferido, na televisão, nunca vejo jogos em direto do Sporting, para não me incomodar) aos jogos do meu clube! Desta vez, empurrado pelo sol de inverno que fazia, lá me decidi a ir para a bancada central, com o bilhete comprado na net duas horas antes do jogo, com uma longa fila de entrada a suportar.
Estar num estádio não tem nada a ver com ver um jogo pela televisão - desde logo, porque as jogadas não são repetidas, o que nos alimenta até à noite a dúvida sobre se “foi mão” ou se o fora-de-jogo foi mal ou bem marcado. Mas o ambiente, a cor, o barulho, é outra coisa! É verdade que, quando olho para as claques do meu clube, para aquelas faixas com símbolos a roçar o sinistro, me pergunto o que é que eu tenho a ver com aquela gente, aliás a mesma que apoiou por anos um demente palavroso. Mas, depois, olho em volta, para homens e mulheres normais que ali vão de modo saudável, e dou conta que sou dessa “tribo”, a qual, vale a pena admitir, é tão má ou tão boa como as dos rivais, só que, por razões que cada um explicará, é a nossa.
O meu cachecol era verde escuro, sem emblema, mas ergui-o, algo relutante, ao lado dos outros, quando o entusiasmado locutor o pediu. Foi um gesto para me forçar a sentir-me ali entre “os meus”, mas o meu à-vontade era igual ao que sinto quando, nos momentos eleitorais decisivos, decido ir assistir a um comício político dos que pensam como eu. Os franceses têm uma bela expressão que qualifica esse meu conjuntural sentimento nesses momentos massificados: “mal à l’aise”. Sou assim, o que é que se há-de fazer?
Não lhes vou contar o jogo, aliás péssimo, de ambos os lados, que acabou num nulo, quando devia ter acabado com um resultado negativo para cada lado, se a justiça existisse.
A minha bancada era, homogeneamente, de sportinguistas. Ou os que o não eram estavam calados como ratos. À minha esquerda calhou um mal-disposto desde o apito inicial, que logo qualificou o árbitro de filho de uma senhora de profissão conhecida, para logo generalizar, sem se rir: “Aliás, são todos!” Depois, foi criticando as escolhas em campo, com sugestões de constituição ótima da equipa, que “só não vê a besta do holandês”. A “besta do holandês”, para minha surpresa, não encontrou apoios em praticamente ninguém à volta, até ao final do jogo.
À minha direita, encontrei uma alma gémea. Era tanto que, a certa altura, passou a incomodar-me. Se eu clamava (mesmo não estando acompanhado, não sei estar num estádio sem comentar alto algumas jogadas, razão por que sempre detesto ser convidado para tribunas) que o corredor direito estava desguarnecido, o tipo reiterava e repetia, berrando alto, duas ou três vezes, o que eu tinha dito em voz normal: “Este senhor tem toda a razão, não está ninguém na direita, ó ceguinho!”, o que levava algumas caras a olhar para mim, esperando encontrar ali um discreto “expert”, quando eu apenas tinha sublinhado uma evidência. A meia hora do fim, caí na asneira de dizer: “Parece que estamos a jogar para o empate!” O que eu fui dizer! Foi um ror de vezes que o tipo repetiu: “Este senhor aqui é que tem razão! Estão a jogar para o empate! Calões!”. E “este senhor” sentia-lhe olhado como um guru. Só não saí um pouco mais cedo, até para evitar a molhada final, porque estava no meio da bancada, confesso.
Saí do estádio com “mixed feelings”. Desde logo, desagradado pelo resultado e, bem mais, pela fragilidade endémica da minha equipa. Mas saí satisfeito comigo mesmo, por ter vencido o comodismo. Voltarei em breve? Dependerá do sol, da paciência, da sedução do sofá, do programa alternativo que tiver. Não prometo nada, nem a mim mesmo, o que é sinal de que confio muito pouco em mim.
Se o Sporting estiver à espera de adeptos desta laia para o levar aos triunfos, está bem arranjado...
9 comentários:
a fragilidade endémica da minha equipa
Eu o que ouvi comentar na rádio (Antena 1) foi que os jogadores do Sporting estão fisicamente rebentados, porque jogam sempre os mesmos e não estão a aguentar o ritmo de jogos de 3 em 3 dias.
Compreendo e partilho esse sentimento de 'mal à l'aise' que por vezes sobrevém quando participamos em exaltações 'tribais', sejam futebolísticas, sejam cívicas. Se fosse aristocrata ainda podia desculpar-me com o 'noblesse oblige', mas plebeu como sou nem isso me consola.
Noblesse oblige é uma frase que pode ser usada por qualquer pessoa , aristocrata ou plebeu ... desde que o utilizador saiba usá-la . E não tem nada de snobeira , quer dizer em português , a boa educação assim o exige . Pode usá-la sempre que quiser , fica bem em qualquer circunstância desde que adequada .
O Francisco diz que comprou o bilhete na internet com duas horas de antecedência.
Pergunto ao Francisco como é que isso se faz. É preciso smartphone ou basta um PC? É preciso cartão de crédito ou basta Multibanco? É preciso uma impressora para imprimir o bilhete ou funciona por código QR? E funciona para jogos de todos os clubes ou somente do Sporting?
Luis Lavoura. Com o meu iPhone (estava a almoçar num restaurante), fui pelo Google ao site do Sporting, clube de que sou sócio (não faço ideia se isto teve alguma importância), foram-me mostrados os lugares ainda vagos, escolhi um, paguei com cartão de crédito e recebi o bilhete no iPhone, que utilizei à entrada do estádio, como na entrada de um aeroporto.
Ao menos nisto o Sporting evoluiu. Há dez anos quis regressar a sócio recuperando o numero inicial não me foi permitido. Hoje sou 70 e tal mil, seria abaixo dos 20 mil.
Ja agora entreguei o cartão quando João Rocha despediu Malcolm Allison. Advinhei a borrasca que ai viria
Mas não deixei de ir a Alvalade.
SL
Francisco, obrigado pela resposta. Concluo portanto que é necessário smartphone para comprar bilhete na internet.
Com o meu iPhone (estava a almoçar num restaurante)
Gente fina é outra coisa. Usa iPhone em vez de um vulgar smartphone que custa metade (ou menos) do preço, e almoça em restaurantes e não em casa.
A Luís Lavoura. Como não vivo do rendimento dos outros, como trabalho muitas horas por dia, gasto o dinheiro que ganho onde me apetece, como me apetece, sem dar satisfações a ninguém.
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