Há uns anos, em Brasíla, em casa de um político local (pessoa cujo futuro institucional, curiosamente, se decidirá nas próximas horas), veio à conversa um episódio marcante no nosso anedotário político nacional: o “queijo limiano”.
Para benefício dos mais jovens, vou relembrá-lo: um governo dos anos 90 (que eu integrava, diga-se) teria, segundo as “más línguas”, negociado com um deputado de um partido da oposição o seu voto a favor do orçamento de Estado desse ano. Tendo o governo 115 deputados e a oposição, na sua totalidade, outros 115, um voto bastava para desequilibrar o parlamento (no jargão político britânico, a uma assembleia assim ‘empatada” é dado o nome de “hung parliament”). De acordo com esses maldosos boatos (aliás, nunca verdadeiramente confirmados...), à época postos a correr, ao deputado (e ex-autarca) teriam sido feitas sólidas e quantificadas promessas de investimento público na sua localidade, que envolveriam novas acessibilidades e, em especial, que favoreceriam a então ameaçada permanência de uma fábrica de queijo, tipo “limiano”, muito importante para a economia e emprego da região. Bastava para tal que ele viesse a favorecer o governo com o seu (essencial) voto (ou abstenção, já não recordo bem). E isso terá acontecido. Por um mero acaso, estou certo...
Contei esta história e, em lugar de obter uma qualquer reação das pessoas que estavam à volta da mesa, deparei com um muro de desinteressado silêncio. Ninguém percebia a razão do “escândalo” que eu referira ter-se gerado na sociedade portuguesa, na altura da ocorrência desse episódio. De facto, num país e num sistema político como o do Brasil, é quase uma banal obrigação que um deputado oriente o seu sentido de voto de acordo com os interesses locais que lhe compete defender. Por ali, a lógica do voto por disciplina partidária é uma exceção, não a regra. A minha historieta sobre o “queijo limiano” não fez, assim, o menor sucesso naquela conversa.
Por que trago isto aqui, hoje? Porque acabo de ler na imprensa britânica que alguns deputados, que reiteradamente têm votado contra o acordo negociado entre a primeira-ministra Theresa May e os “27”, estarão, nas últimas horas, a ser “pescados à linha” por Downing Street, que procura obter o seu voto a troco de financiamentos para projetos de desenvolvimento nas suas respetivas regiões. Como se chamará por lá este mecanismo, no futuro: “Limian cheese”?
8 comentários:
Agora, por cá, voltam a tentar fazer pegar o "Coal Cheddar", ou a ideia de que deve haver deputados dedicados à cor do queijo...
"obter o seu voto a troco de financiamentos para projetos de desenvolvimento nas suas respetivas regiões".
Importante dilema ou, quiçá, trilema.
Regiões, Partidos ou ambos ?.
Qual será o melhor sistema político?.
Um que defende os interesses das regiões (via representantes regionais devidamente eleitos pelas suas regiões) como no RU, ou um que defende -em exclusividade- os interesses dos partidos (via candidatos num pacote de dependentes do seu respetivo partido) como em Portugal ?.
Ou (ainda) um sistema misto como o Alemão, tal como há pouco tempo foi publicamente defendido?. E olimpicamente ignorado.
Boa Noite
3 sugestoes
Blue Faced Leicester
Red Leicester
Stinking Bishop
Neva nesta ilha
Saudades
F. Crabtree
Não será necessário talvez pescar à linha.
O problema do RU é estar dividido entre três tendências: sair da UE a qualquer custo (sem acordo), sair da UE com um acordo que o mantem indefinidamente na união aduaneira, e não sair da UE.
Perante estas três opções, em que duas delas são mais extremas e a outra é mais moderada, é evidente que alguns adeptos das opções extremas deverão fazer as contas e concluir que é melhor votarem a favor da opção moderada, como forma de conter os danos e de adiar uma resolução final do problema.
Por cá funciona a mascambilha do género Baron Noir que tanto agrada aos francófilos !
"Por cá funciona a mascambilha do género Baron Noir que tanto agrada aos francófilos !"
Existem barons noirs em todo o lado, incluindo (ó céus, a sério?!) na Inglaterra. Aquilo que os ingleses fizeram, a brincar, com o yes minister, poderiam também fazer com uma série género baron noir. Mas, lá está, andamos desde sempre a levar com o excepcionalismo ingês. Numa coisa os ingleses são óptimos: no marketing cultural. Na verdade, os deputados ingleses não estão no parlamento para defender os interesses do seu circulo. Não é assim que isso funciona na prática. Os deputados estão bem orquestrados pelos chefes do seu partido no parlamento. O Whip (o deputado do “chicote”, digamos assim) é aquele que se encarrega de disciplinar os outros seus colegas de partido. Para além de que uma parte considerável dos deputados são pagos diretamente pelo governo. Na prática, existe ainda lá menor independência dos deputados em relação ao governo do que cá.
Como se refere no post o assinalado, insólito, caso dito limiano é o espelho da dependência partidária dos deputados, por cá.
Na semana passada o chicote no RU avariou várias vezes só numa jornada parlamentar. O consulado Madame Tachter mais uma vítima de avaria no chicote.
Caro comentador das 11:31, jogos de poder, lá, como em todo o lado.
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