Jorge Sampaio ficou deliciado com a possibilidade de ir ouvir o pianista Maurizio Pollini, ao Carnegie Hall, nesse dia de junho de 2001, hipótese que eu lhe sugerira. O problema é que, para o presidente da República poder chegar a tempo de apanhar o avião de regresso a Lisboa, no aeroporto Kennedy, tinha de sair uns minutos mais cedo do que o final do concerto. "Não conseguimos mesmo ficar até ao fim?". Não, assegurou-lhe o embaixador junto da ONU, que na circunstância era eu, que fora o seu anfitrião em três intensos dias na "capital do mundo". E assim foi. Ainda estou a ver Sampaio, de pé, prestes a sair, encostado à parede lateral da sala, a esgotar toda a música que o horário apertado lhe permitiu.
Quatro meses depois, com a cidade na ressaca dos atentados do 11 de setembro, Maurizio Pollini regressou a Nova Iorque. Algo frustrado por não ter terminado o concerto anterior, decidi ir ouvi-lo de novo, nesses tempos convulsos pelos quais a cidade e a América passava. Nesse mesmo dia ou na véspera, os EUA tinham feito o primeiro ataque ao Al-Qaeda, no Afeganistão. O espetáculo, por um qualquer alarme de segurança, começou com meia hora de atraso. Tenho a recordação de que saí desse segundo concerto de Pollini com um bem-estar e serenidade que há muito não sentia.
Maurizio Pollini morreu ontem.
3 comentários:
Meu caro Francisco,
Ontem á noite adormeci a contar as vezes em que ouvi Pollini ao vivo. Cheguei ás 32 mas foram mais. Em Lisboa e em Paris, jantei algumas vezes com ele. Sempre interessado nos outros e sempre a fazer perguntas. Vi-o entre o público em Dezembro passado, numa récita no Scala de Milão. Um músico excepcional. Um grande Senhor.
Um abraço
JPGarcia
Maurizio Pollini, um grande Senhor com um “S” bem grande.
Um “intérprete exclusivo” (valha o lado popular da expressão) da editora “Deutsche Grammophon” (*), de quem tenho quase todos - e são mesmo muitos - os discos a solo dedicados a Chopin (de quem era o intérprete de referência para mim), bastantes dos dedicados a Beethoven (já noutro nível do meu ponto de vista, ainda que num alto nível) e as obras para piano e orquestra gravadas com o seu grande amigo de sempre, o maestro Claudio Abbado (que incluem concertos para piano de Beethoven, Brahms, Schumann, Schoenberg e Bartók), que aprecio menos que os seus trabalhos a solo.
Tenho boas condições em Lisboa para ouvir a música de piano, mais que a música orquestral, mas mesmo assim acabo por levar alguns discos e ouvi-los em casa de um filho meu que tem uma Bang & Olufsen (daquelas onde se põe o CD ao alto depois de abrir a janela de acesso passando uma mão em frente do vidro, o que eu classificava de “mariquices” antes de ter sido apanhado em grave infracção pelo politicamente correcto).
(*) No princípio da carreira gravou dois discos para a EMI com o maestro Paul Kletzki e a Philharmonia Orchestra, que lamentávelmente não tenho, são raros.
Dirigiu ainda The Chamber Orchestra Of Europe (às vezes dá-lhe para isso, aos pianistas e aos cantores de ópera) numa raríssima interpretação da ópera de Rossini “La donna del lago” com Katia Ricciarelli, editada pela Fonit Cetra e pela CBS Masterworks em 1984 (esta não lamento não ter, não adianta, porque só se lamenta não ter o que na altura esteve ao nosso alcance ter).
Senhor Embaixador,
A propósito de música, um destes dias explique, por favor, a esses comentadores e políticos que falam nas televisões, que o nome da Presidente da Comissão Europeia é “von” der Leyen e não “van” der Leyen. Os meus tímpanos ficar-lhe-iam muito gratos!
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