Nas hostes socialistas, o ambiente era de alguma desilusão. Depois de uma década de "cavaquismo", em que a esquerda penara a bom penar, refugiada em Macau e em algumas autarquias, já a escassa vitória de Guterres, em minoria, em 1995, se bem que muito saborosa, tinha obrigado a recolher as ambições de moldar algumas políticas públicas ao programa do PS. Esse esforço de contenção de despesas, para conseguir atingir as metas para a entrada no euro, tinha desagradado a muita gente do PS. O resultado da eleição de 1999 ameaçava agora prolongar o "aperto do cinto".
Naquela noite de 1999, o João Paulo Bessa, um arquiteto (ele gosta de "arquitecto", com "c") que vive para o rugby e para as coisas desportivas em geral, entrou, façanhudo, no "Procópio".
Na "mesa dois", o Nuno Brederode dos Santos filosofava cenários, em frente ao whisky. Recém-reconduzido como secretário de Estado, eu ia alimentando, em voz alta, a narrativa oficial de que, infelizmente, haveria que evitar aumentar o défice, controlando, por essa via, a forte dívida pública. Havia, por isso, a necessidade de continuar a limitar despesas, em algumas áreas, mesmo que incumprindo, aqui ou ali, com algumas promessas eleitorais.
Foi então que a voz do João Paulo, sentado num daqueles bancos aveludados a vermelho, recostado no varandim de madeira, de costas para o bar, explodiu, julgo que desta forma: "Porra, pá! Estivémos dez anos a sofrer as políticas 'dos gajos', sem nada poder fazer. Em 95, lá saiu o Cavaco mas vocês disseram logo: 'Ah! Pois é! Mas não se pode fazer nem isto nem aquilo'. E nós, durante estes quatro anos, a ver o tempo a passar e as coisas a não se fazerem. Agora, o PS continua a governar, mas volta a não ter maioria e, mais uma vez, o teu governo vem dizer que continua a não se poder fazer o que foi prometido. Eh, pá! Explica lá quando é se pode fazer alguma coisa! Primeiro era o Cavaco com as políticas do "Pê-pê-dê", agora é o Guterres com os cuidados para o euro. Porra, pá! Mas, afinal, quando é que se cumpre o programa do PS?"
Não sei o que respondi ao João Paulo Bessa, comigo feito "situacionista", eu que até nem era do partido, nessa noite de 1999. A minha memória não cobre as conclusões desse debate, tido num lugar onde, como alguns diziam, alguns aculturavam "a via alcoólica para o socialismo". Só sei que, na noite de ontem, na mesma "mesa dois", já com o Nuno ali só em saudade, recordei ao João Paulo aquele episódio. E rimos todos um pouco, embora, para os ocupantes da "dois", o tempo esteja, por estes dias e noites, mais para sorrisos amarelos.
4 comentários:
“…a esquerda…refugiada em Macau…” curioso eufemismo!
Havia a necessidade de limitar as despesas em algumas áreas do governo, mesmo que incumprindo, aqui ou ali, com algumas promessas eleitorais.
Essa necessidade volta a existir agora. Oxalá Luís Montenegro a tenha em conta.
Ao invés de “refugiados” não estariam antes a tratar da vidinha?
11:17 em tempo: conheço bem o bessa (o meu filho + velho jogou em agronomia). pergunto: porque raio o pns se armou, e arma, em esquerdista radical? óbviamente não seguiu, nem segue, o meu conselho de promover o jlc com camisas de colarinho italiano e gravatas hèrmes "à la arnaud". o resultado está à vista. shame on you pns!
Enviar um comentário