domingo, maio 14, 2023

Turquia


A sede do partido dominante da vida política turca, o AKP, é o imenso edifício que a imagem mostra. Há precisamente uma década, entrei ali, acompanhado pelo nosso embaixador em Ancara, para ser recebido pelo vice-presidente do partido. Eu já estava reformado, dirigia o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa e tinha ido à Turquia, a convite do nosso MNE, então dirigido por Rui Machete, para representar Portugal numa conferência e, de caminho, efetuar uma determinada diligência.

Habituado à modéstia das instalações das sedes dos partidos, na generalidade dos países europeus, fiquei impressionado pelo fausto daquele edifício, pelos seus mármores e generosos espaços, desde logo o imenso gabinete do vice-presidente do AKP, que me recebeu. O AKP era, sabia-se, um Estado dentro do Estado turco e não escondia esse seu papel. De certa forma, aquilo parecia-me bem mais próximo de algumas autocracias da Ásia Central e dos Cáucasos do que de um regime democrático ocidental.

Por todo o lado onde passei naquele prédio, os retratos de Erdogan rivalizavam com os de Kemal Atatürk, o indisputado deus oficioso do país. O culto da personalidade fazia claramente parte da maneira de ser daquele país, então em acelerada transição. Ali estava um Estado, que se reivindicava de uma forte matriz laica, com uma democracia por décadas tutelada pelas forças armadas, verdadeiro "backseat driver" da condução das coisas, que a liderança de Erdogan lograra transformar, passando de um regime parlamentar para um presidencialismo autoritário, nacionalista e arrogante, à imagem do líder, tudo associado a uma crescente deriva islâmica. 

À noite, para a sua residência, o nosso embaixador tinha convidado para jantar, entre outras pessoas, um casal turco, professores universitários que eu conhecera na Grécia, nos idos de 90, e que sempre reencontrara em anteriores visitas a Ancara. Eram da oposição, do centro-esquerda. Ao referir-lhe as minhas impressões da visita à sede do AKP, a reação de um deles foi esta: "Ainda bem que viste com os teus próprios olhos! Aquilo é, muito simplesmente, a cara do regime que por cá temos".

Daqui a horas saberemos mais sobre o futuro da Turquia.

3 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente parece que o Erdogan vai á frente na contagem dos votos!

carlos cardoso disse...

Também infelizmente Ataturk já não é tão indisputado como isso.

Nuno Figueiredo disse...

helàs...tudo como dantes Quartel-General em Abrantes...

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