O dilema do presidente da República parece ser este: lançar ou não uma crise de instabilidade, com consequências imprevisíveis, através de uma eventual convocação de eleições, como resposta ao que parece considerar como um desafio aos seus poderes. Alguém que deu provas de prezar muito a estabilidade, mas que se sabe pretender estar sempre de bem com o "ar do tempo" que, a cada momento, prevalece na opinião pública, deve estar a hesitar bastante sobre o que fazer. Uma "birra" em torno da manutenção de um simples ministro valerá o risco de lançar uma faúlha na pradaria? Ou o que aconteceu configura, para ele, uma provocação que pode vir a afetar duradouramente o atual equilíbrio de poderes, criando uma "jurisprudência" desfavorável, no futuro, à própria instituição Presidência? Porque Marcelo Rebelo de Sousa é um imenso solitário nas suas decisões, dado que entende que tem um capital acumulado de experiência política superior a quem quer que seja (mesmo a António Costa), a sua decisão será sempre íntima. Seja ela qual for.
4 comentários:
uma provocação que pode vir a afetar duradouramente o atual equilíbrio de poderes, criando uma "jurisprudência" desfavorável, no futuro, à própria instituição Presidência
Que ideia! O Presidente da República nunca, jamais, em tempo algum dispôs do poder de demitir os ministros que lhe apeteça. Esse, pura e simplesmente, não é um poder dele -- nem nunca foi. Logo, não há alteração nenhuma do equilíbrio de poderes, nem há provocação nenhuma. Há, apenas, um Primeiro-Ministro que utiliza o seu legítimo poder de determinar quem são os seus ministros -- poder esse que lhe pertence (e sempre pertenceu) a ele, a não ao Presidente da República.
Permita-me caro Embaixador que, a talhe de foice, transcreva um pequeno excerto do comentário de Vital Moreira (Causa Nossa, 3/Maio/2023), opinião abalizada e muito crítica sobre os excessos dos poderes do PR-Marcelo:
“Até agora nenhum PR entendeu, como MRS, que detém um poder de superintendência e tutela política quotidiana sobre o PM, quer para efeitos de recorrente crítica e de recomendações públicas sobre a atividade governativa, quer para se permitir, como agora, censurar e propor publicamente a demissão de ministros.
Sucede que não existe nenhuma base constitucional para tal poder de tutela presidencial, pois o Governo não deriva a sua legitimidade política das mãos do PR nem é políticamente responsável perante ele, mas somente perante a AR. De igual modo, é domínio reservado do Primeiro-Ministro manter ou não a confiança nos seus ministros e decidir sobre a eventual remodelação governamental.
«Um coro de comentadores, desde o DN ao Correio da Manhã, veio qualificar a decisão de Costa como um "desafio" ao PR. Mas foi o contrário: foi MRS quem, num gesto sem precedente na nossa história constitucional democrática, veio desafiar o exclusivo da autoridade do PM sobre o seu governo, ao defender publicamente a demissão de um ministro em concreto. Neste caso-limite, Costa decidiu rechaçar a descabida ingerência presidencial, a bem da separação de poderes. O seu a seu dono!”
Na mouche!
Luis Lavoura e Carlos Antunes põem o dedo na ferida. A falta de cultura política de grande parte dos comentadores em jornais e televisões em Portugal é lamentável.
Sejamos realistas: o MRS pòs inúmeras vezes a mão por baixo de Costa, evitando que este se estatelasse. Sarou inúmeras feridas provocadas por frequentes tiros de Costa e do Governos nos seus próprios pés. Em contrapartida, Costa anuiu a algumas exigências de Marcelo, relativamente a alguns ministros mais fracos. Humilhado, cansado e acossado ultimamente por um comportamento desastroso do Governo, Costa resolveu fazer um flic flac à rectaguarda e dizer não a Marcelo, para grande alegria dos seus apoiantes, que ali viram um grande acto de dignidade, de orgulho, de consciência e de coragem. Ou seja: cortou as relações afectivas com este PE e comprou uma guerra fria com este PR. Por isso lhe antevejo uma vida ainda difícil com este fraquíssimo governo e com a falta de apoio de Marcelo, que o pode derrubar a qualquer momento. Vai ser um susto permanente para ele. Deus o proteja.
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