Leio que o presidente da Ucrânia faz hoje uma visita à Haia, à sede do Tribunal Penal Internacional. E, a propósito, lembrei-me de uma cena passada há quase 20 anos, em Sarajevo, a martirizada capital da Bósnia-Herzegovina, num jantar social a que estava presente, como convidado, um membro do governo daquele país.
O equilíbrio político na Bósnia-Herzegovina, um país resultante da fragmentação da antiga Jugoslávia, é muito difícil, dado que do executivo fazem obrigatoriamente parte representantes de três diferentes etnias, com um complexo historial de conflito entre si: bósnios, croatas e sérvios.
O jantar, num agradável espaço ao ar livre, tinha um caráter relativamente informal. Como não podia deixar de ser, a conversa cedo derivou para a política.
A certa altura, veio-me à memória que numa das minhas visitas a Sarajevo, nos anos 90, tinha conhecido Jadranko Prlic, um membro do governo da Bósnia-Herzegovina, pertencente à minoria croata. Era um homem agradável e cordial, com quem eu havia criado uma relação de simpatia, reforçada por contactos posteriores na Grécia, onde ambos tínhamos estado a convite pessoal de Georgios Papandreou, de quem éramos amigos comuns. Perguntei por esse antigo ministro da Bósnia-Herzegovina.
Notei que o nosso convidado, muçulmano, ficou um pouco embaraçado, mas respondeu:
- Está na Haia.
Uma pessoa presente ao jantar, menos dada a interpretar, com a rapidez da nossa profissão, este tipo de informações, perguntou:
- Como embaixador?
Não sei se fui eu que me adiantei ou se foi o ministro que esclareceu que "estar na Haia" significava estar detido sob ordem do Tribunal Penal Internacional, neste caso para a ex-Jugoslávia, que julga os crimes de guerra e que tem sede na capital dos Países Baixos.
Mudámos logo de conversa...
Vim mais tarde a saber que Jadranko Prlic acabou por ser condenado 25 anos de prisão.
4 comentários:
uma cena passada há precisamente 20 anos
Há aqui uma coisa estranha. Há 20 anos, foi em 2003. Ora, de acordo com a wikipedia, Prlić foi condenado somente em 2013, ou seja, muito depois da cena narrada pelo Francisco. Como é possível que Prlić já estivesse na Haia dez anos antes de ter sido condenado?
Dar-se-á o caso de Prlić somente ter sido condenado dez anos depois de ter sido aprisionado?
Luis Lavoura. Eu NUNCA minto deliberadamente. A cena em Serajevo que relatei, e que tem duas testemunhas portuguesas vivas, ter-se-á passado em setembro de 2004 (e não 2003, como por lapso referi), segundo agora verifiquei. Se tivesse ido um pouco mais longe do que a Wikipedia, poderia ler este documento de 2004: https://www.icty.org/x/cases/prlic/tord/en/040730e-prl.htm onde está escrito isto: "On 5 April 2004, the accused were all transferred to the seat of the Tribunal".
Francisco, mas eu disse que você mentiu, deliberadamente ou não? Eu não disse tal coisa!
Só disse, e repito, que é estranho que Prlić estivesse na Haia em 2003, supostamente como prisioneiro, quando somente foi condenado dez anos mais tarde.
Salvo melhor informação, permito-me concluir, pois, que Prlić esteve dez anos prisioneiro na Haia sem condenação. O que nos diz volumes sobre os métodos e padrões de justiça aplicados nessa cidade por esse trbunal.
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