Uma coisa devo começar por creditar, com toda a justiça, a Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo destes mais de sete anos: um responsável apego à estabilidade e a uma certa conceção do interesse do Estado. Foi isso que, aquando da sua reeleição, me levou a votar nele.
Uma coisa de há muito coloco a seu débito: uma exagerada propensão para, em cada momento, pretender representar, a partir de Belém, o que julga ler como o sentimento, médio ou maioritário, dos portugueses, atitude que configura uma espécie de "populismo do bem".
O presidente da República não é um barómetro ecoador da "vox populi". É alguém que, tendo de ter isso sempre em devida conta, tem a obrigação política de ajudar a orientar os portugueses a entenderem que a política é a arte do possível, através da intermediação que o lugar que ocupa lhe permite fazer, junto do governo e das forças políticas. A sua autoridade vem daí, não do facto de ser um mero refletor das sondagens. Como alguém dizia, as sondagens não vêm na Constituição e não têm uma dignidade formal na vida da República.
Pode entender-se o sentimento de desagrado do presidente perante o facto do primeiro-ministro não ter acolhido a sua sugestão sobre o futuro de um ministro. Até se pode perceber-se que, dessa forma, tivesse a intenção de proteger historicamente a instituição Presidência, na balança institucional de poderes. Mas parece algo inconforme com o sentido de Estado a que nos tinha habituado ter-se "vingado", da forma que o fez, tentando arrasar a credibilidade pública do governante, que vai ser o executante de políticas que ele sabe serem essenciais no quadro da ação imediata do Estado, adubando deliberadamente o ambiente negativo da comissão parlamentar de inquérito.
9 comentários:
O Outro fez o que lhe ditou a consciência - "entre a minha responsabilidade e a minha consciência, escolho a minha consciência".
Este tornou público um estado de alma....
A mim assusta-me a falta de responsabilidade e a incompetência.
Aliás, creio que o que se terá passado como SIS é perigosíssimo : desde os Ministros, aos adjuntos, aos assessores e aos próprios órgãos do SIS e operacionais deste, á absolutamente confrangedor um tão elevado nível de incompetência e falta de idoneidade funcional...
«...um responsável apego à estabilidade e a uma certa conceção do interesse do Estado.»
Não compreendo como é que compagina esta afirmação com a prática de quem, pelo menos desde Pedrogão, nunca fez outra coisa que não fosse imiscuir-se na ação governativa, algo que de todo não está previsto nas funções que desempenha, segundo julgo saber.
Quanto ao discurso de hoje, o respeito pela função obriga-me a conter-me nos adjetivos. Não fosse isso e o mínimo que me ocorreria seria qualificá-la de cobarde.
MRocha
MRocha, exatamente, por isso não votei nele, já previa um segundo mandato muito mais numa linha de "líder da oposição", como se tem visto, não obstante em algumas questões o Governo se ter ajeitado para tal.
Do humilde servo que com 12 anos recebia livros do "avôzinho" Salazar, com um pai colonialista e ministro estado-novista e afilhado de Marcelo Caetano esperavam o quê!? Revanchismo e cobardia! Ainda bem que encontrou quem lhe fizesse frente! A "lata" de pedir a demissão de ministros na praça pública! A partir de agora está numa teia que não domina completamente e sai fragilizado, apesar da retórica presidencial.
O problema é que o PR Marcelo, com o beneplácito de António Costa, se ingeria amiudamente no domínio reservado do PM, de manter ou não a confiança nos ministros e decidir sobre qualquer remodelação governamental (por ex. a demissão de Constança Urbano de Sousa pedida por Marcelo na sequência dos incêndios de Pedrogão e prontamente aceite por AC).
Agora, no caso Galamba, pelos vistos, AC fartou-se destas ingerências, e resolveu lembrar ao PR que o Governo é da sua inteira responsabilidade.
Marcelo, o constitucionalista, à revelia do disposto na CRP sobre os poderes do presidente (vd. Vital Moreira https://causa-nossa.blogspot.com/2023/05/o-que-o-presidente-nao-deve-fazer-35.html) pelos vistos, azedou perante a posição assumida por AC e sem coragem para exercer o poder de dissolução da AR tantas vezes enunciado na sua tagarelice permanente, veio alertar o País numa patética declaração – para gáudio da imbecilidade latente da maioria dos comentadores e jornalistas – que, a partir de agora, o PM será o responsável único por tudo o que acontecer no Governo, como se em algum momento, AC tivesse deixado de ter essa responsabilidade.
Ao Anónimo das 19.47
Se recebia livros daquele "avôzinho" não sei e não ponho em causa.
Se o pai dele era colonialista e ministro estado-novista, a 2ª parte sem dúvida e a 1ª com as nuances próprias da época também não ponho em causa.
Agora afilhado de Marcelo Caeatano não era.
Esteve para ser (daí o nome) mas o padrinho dele foi Camilo de Mendonça, engenheiro agrónomo e que foi o primeiro presidente da RTP.
Portanto aqui fica a emenda.
Quando nos pomos a falar sobre os outros de modo mais entusiasmado é sempre bonito sermos assertivos nos factos, já que as opiniões são a de cada um.
Manuel Campos
Tem inteira razão, Marcello Caetano não foi padrinho de Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas a explicação para o não ter sido, como o pai Baltazar Rebelo de Sousa desejava, foi dada por Feytor Pinto, Director de Informação de Marcello Caetano em entrevista a Isabel Tavares em 29/12/2019:
«Marcelo Nuno jantava todos os fins-de-semana em casa do professor Marcello Caetano, ajudava a escrever as "Conversas em Família". Depois vinha e dizia tudo ao contrário.
E o professor Marcello Caetano gostava tanto dele - porque se sentia responsável por ele. O pai do Marcelo Nuno quis que o professor Marcello Caetano fosse padrinho do filho. Mas Marcello não aceitou porque o padrinho substitui o pai caso este desapareça e ele era muito mais velho. Mas levou a senhora D. Maria das Neves no carro ao casamento de Marcelo Nuno».
Carlos Antunes
Muito obrigado por complementar e aprofundar o que escrevi.
De facto também já tinha lido em tempos (porventura a mesma fonte) que Marcelo Caetano não tinha querido ser padrinho por essa mesma razão, a de ser bastante mais velho que o pai Baltazar.
De facto tinha mais 15 anos o que, dada a esperança de vida à época, era capaz de ter a sua razão de ser (quando ele nasceu o pai tinha 27 anos e Marcelo Caetano 42 anos).
Como dei a entender, custa-me um pouco ver que determinadas ideias se enraízam na sociedade e nunca aparecer ninguém a chamar a atenção do erro.
Os meus cumprimentos
Só um acrescento.
Quando falo em esperança de vida à época não fui ver qual seria (mas ainda vou ver), ainda que isso só nos dê uma ideia de probabilidades como é evidente.
Ora acontece que eu nasci em meados dos anos 40, um pouco antes do nosso PR, no entanto já não conheci nenhuma avó nem nenhum avô e os meus netos conheceram as duas bisavós e um dos bisavôs.
Talvez esta história familiar justifique que eu compreenda melhor que outros, mais esquecidos ou mais sortudos, a opção de Marcelo Caetano à época.
Talvez também por isso foi muito bom ser avô aos cinquena e poucos anos e agora ainda estar em excelentes condições para acompanhar os netos para todo o lado (quando eles deixam...).
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