quinta-feira, maio 04, 2023

O deve e o haver

Uma coisa devo começar por creditar, com toda a justiça, a Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo destes mais de sete anos: um responsável apego à estabilidade e a uma certa conceção do interesse do Estado. Foi isso que, aquando da sua reeleição, me levou a votar nele.

Uma coisa de há muito coloco a seu débito: uma exagerada propensão para, em cada momento, pretender representar, a partir de Belém, o que julga ler como o sentimento, médio ou maioritário, dos portugueses, atitude que configura uma espécie de "populismo do bem".

O presidente da República não é um barómetro ecoador da "vox populi". É alguém que, tendo de ter isso sempre em devida conta, tem a obrigação política de ajudar a orientar os portugueses a entenderem que a política é a arte do possível, através da intermediação que o lugar que ocupa lhe permite fazer, junto do governo e das forças políticas. A sua autoridade vem daí, não do facto de ser um mero refletor das sondagens. Como alguém dizia, as sondagens não vêm na Constituição e não têm uma dignidade formal na vida da República.

Pode entender-se o sentimento de desagrado do presidente perante o facto do primeiro-ministro não ter acolhido a sua sugestão sobre o futuro de um ministro. Até se pode perceber-se que, dessa forma, tivesse a intenção de proteger historicamente a instituição Presidência, na balança institucional de poderes. Mas parece algo inconforme com o sentido de Estado a que nos tinha habituado ter-se "vingado", da forma que o fez, tentando arrasar a credibilidade pública do governante, que vai ser o executante de políticas que ele sabe serem essenciais no quadro da ação imediata do Estado, adubando deliberadamente o ambiente negativo da comissão parlamentar de inquérito.

9 comentários:

afcm disse...

O Outro fez o que lhe ditou a consciência - "entre a minha responsabilidade e a minha consciência, escolho a minha consciência".
Este tornou público um estado de alma....

A mim assusta-me a falta de responsabilidade e a incompetência.
Aliás, creio que o que se terá passado como SIS é perigosíssimo : desde os Ministros, aos adjuntos, aos assessores e aos próprios órgãos do SIS e operacionais deste, á absolutamente confrangedor um tão elevado nível de incompetência e falta de idoneidade funcional...

Anónimo disse...

«...um responsável apego à estabilidade e a uma certa conceção do interesse do Estado.»

Não compreendo como é que compagina esta afirmação com a prática de quem, pelo menos desde Pedrogão, nunca fez outra coisa que não fosse imiscuir-se na ação governativa, algo que de todo não está previsto nas funções que desempenha, segundo julgo saber.

Quanto ao discurso de hoje, o respeito pela função obriga-me a conter-me nos adjetivos. Não fosse isso e o mínimo que me ocorreria seria qualificá-la de cobarde.

MRocha

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

MRocha, exatamente, por isso não votei nele, já previa um segundo mandato muito mais numa linha de "líder da oposição", como se tem visto, não obstante em algumas questões o Governo se ter ajeitado para tal.

Anónimo disse...

Do humilde servo que com 12 anos recebia livros do "avôzinho" Salazar, com um pai colonialista e ministro estado-novista e afilhado de Marcelo Caetano esperavam o quê!? Revanchismo e cobardia! Ainda bem que encontrou quem lhe fizesse frente! A "lata" de pedir a demissão de ministros na praça pública! A partir de agora está numa teia que não domina completamente e sai fragilizado, apesar da retórica presidencial.

Carlos Antunes disse...

O problema é que o PR Marcelo, com o beneplácito de António Costa, se ingeria amiudamente no domínio reservado do PM, de manter ou não a confiança nos ministros e decidir sobre qualquer remodelação governamental (por ex. a demissão de Constança Urbano de Sousa pedida por Marcelo na sequência dos incêndios de Pedrogão e prontamente aceite por AC).
Agora, no caso Galamba, pelos vistos, AC fartou-se destas ingerências, e resolveu lembrar ao PR que o Governo é da sua inteira responsabilidade.
Marcelo, o constitucionalista, à revelia do disposto na CRP sobre os poderes do presidente (vd. Vital Moreira https://causa-nossa.blogspot.com/2023/05/o-que-o-presidente-nao-deve-fazer-35.html) pelos vistos, azedou perante a posição assumida por AC e sem coragem para exercer o poder de dissolução da AR tantas vezes enunciado na sua tagarelice permanente, veio alertar o País numa patética declaração – para gáudio da imbecilidade latente da maioria dos comentadores e jornalistas – que, a partir de agora, o PM será o responsável único por tudo o que acontecer no Governo, como se em algum momento, AC tivesse deixado de ter essa responsabilidade.

manuel campos disse...


Ao Anónimo das 19.47

Se recebia livros daquele "avôzinho" não sei e não ponho em causa.
Se o pai dele era colonialista e ministro estado-novista, a 2ª parte sem dúvida e a 1ª com as nuances próprias da época também não ponho em causa.

Agora afilhado de Marcelo Caeatano não era.
Esteve para ser (daí o nome) mas o padrinho dele foi Camilo de Mendonça, engenheiro agrónomo e que foi o primeiro presidente da RTP.

Portanto aqui fica a emenda.
Quando nos pomos a falar sobre os outros de modo mais entusiasmado é sempre bonito sermos assertivos nos factos, já que as opiniões são a de cada um.

Carlos Antunes disse...

Manuel Campos
Tem inteira razão, Marcello Caetano não foi padrinho de Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas a explicação para o não ter sido, como o pai Baltazar Rebelo de Sousa desejava, foi dada por Feytor Pinto, Director de Informação de Marcello Caetano em entrevista a Isabel Tavares em 29/12/2019:
«Marcelo Nuno jantava todos os fins-de-semana em casa do professor Marcello Caetano, ajudava a escrever as "Conversas em Família". Depois vinha e dizia tudo ao contrário.
E o professor Marcello Caetano gostava tanto dele - porque se sentia responsável por ele. O pai do Marcelo Nuno quis que o professor Marcello Caetano fosse padrinho do filho. Mas Marcello não aceitou porque o padrinho substitui o pai caso este desapareça e ele era muito mais velho. Mas levou a senhora D. Maria das Neves no carro ao casamento de Marcelo Nuno».

manuel campos disse...


Carlos Antunes

Muito obrigado por complementar e aprofundar o que escrevi.

De facto também já tinha lido em tempos (porventura a mesma fonte) que Marcelo Caetano não tinha querido ser padrinho por essa mesma razão, a de ser bastante mais velho que o pai Baltazar.
De facto tinha mais 15 anos o que, dada a esperança de vida à época, era capaz de ter a sua razão de ser (quando ele nasceu o pai tinha 27 anos e Marcelo Caetano 42 anos).

Como dei a entender, custa-me um pouco ver que determinadas ideias se enraízam na sociedade e nunca aparecer ninguém a chamar a atenção do erro.

Os meus cumprimentos

manuel campos disse...


Só um acrescento.

Quando falo em esperança de vida à época não fui ver qual seria (mas ainda vou ver), ainda que isso só nos dê uma ideia de probabilidades como é evidente.
Ora acontece que eu nasci em meados dos anos 40, um pouco antes do nosso PR, no entanto já não conheci nenhuma avó nem nenhum avô e os meus netos conheceram as duas bisavós e um dos bisavôs.

Talvez esta história familiar justifique que eu compreenda melhor que outros, mais esquecidos ou mais sortudos, a opção de Marcelo Caetano à época.
Talvez também por isso foi muito bom ser avô aos cinquena e poucos anos e agora ainda estar em excelentes condições para acompanhar os netos para todo o lado (quando eles deixam...).

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