Com quase cem anos, morreu ontem Luís Saias. É provável que o seu nome diga pouco a muita gente. Saias era um estimável democrata algarvio, deputado do PS, amigo de Mário Soares, que, para surpresa de muita gente, foi chamado para ministro da Agricultura e Pescas, no governo PS/CDS, em 1978.
Luís Saias esteve apenas sete meses no governo e, ao que consta, teria sido a sua política no setor o pretexto - há quem diga não ter sido essa a real razão - que o CDS encontrou para se dissociar daquele bizarro "acordo parlamentar de incidência governativa", como genialmente Jaime Gama então o qualificou à inédita aliança entre os socialistas e os democrata-cristãos.
No seu curto mandato, Luís Saias foi a Israel, com o objetivo de estabelecer programas de cooperação no setor agrícola. Vivia-se um tempo de aproximação entre Portugal e aquele país, então sob governo trabalhista. A visita de Saias era, creio, a segunda que um governante português fazia a Israel, depois de Salgado Zenha. À época, as relações entre os dois países eram ínfimas e não havia embaixadores mutuamente acreditados, embora Israel tivesse uma estrutura consular em Lisboa. Como responsável pelo "desk" do Médio Oriente e Magrebe, no setor económico do MNE, fui encarregado de integrar a comitiva do ministro.
Antes da partida da nossa delegação, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Victor Sá Machado, figura grada do CDS, chamou-me ao seu gabinete e transmitiu-me instruções bem precisas - e extremamente assisadas - sobre aquilo que, durante a visita, deveria ser dito, em nome de Portugal, sobre a questão israelo-árabe. Lembro que, de forma delicada, sugeri que talvez fosse melhor o colega de governo de Sá Machado ser o destinatário direto dessas instruções diplomáticas. Sá Machado sorriu: "Espero que você faça o seu melhor". E lá segui para Israel, com instruções políticas muito precisas, que um governante do CDS queria que um ministro do PS seguisse, comigo a servir de intermediário.
A visita correu de forma simpática. Na conferência de imprensa final, ao ser inquirido pelos jornalistas sobre algumas questões mais sensíveis, o nosso ministro respondeu em português. Eu ia traduzindo as perguntas e as respostas, ou melhor, interpretando criativamente estas últimas para inglês. No final, quando nos levantámos da mesa, Saias disse-me, um tanto desagradado: "Percebi que você não traduziu exatamente aquilo que eu disse". Tive uma imensa tentação de lhe responder: "Eu apenas disse em inglês aquilo que o senhor ministro deveria ter dito em português". Mas contive-me, por óbvias razões, e devo ter dado uma resposta elíptica. Julgo que Luís Saias, que era um homem prudente e sensato, terá percebido a dificuldade do meu papel naquela que terá sido a sua única viagem diplomática.