terça-feira, junho 06, 2023

O porto que Lisboa é

Os traços eram estranhos, algo asiáticos, mas não muito pronunciados. O português, abrasileirado, era razoável na pronúncia, embora com ligeiros erros nas concordâncias. Fizemos apostas sobre a origem da empregada que nos servia, no jantar de ontem. Na altura de pedir as sobremesas, perguntei-lhe. "Usebequistão", foi a resposta, com um sorriso. "É muito longe...", esclareceu. Para ver a reação dela, disse-lhe: "Já estive alguns dias no seu país". Abriu os olhos bem oblíquos, entre o espantada e o descrente. "É verdade! Dormi em Fergana, em Tashkent, em Samarcanda e em Bukara". Parecia não querer acreditar. "O seu país é muito bonito". Era pura verdade. O sorriso ia aumentando. A música ambiente, caribenha, aos berros, naquele restaurante novo e incaraterístico, desenhado para turistas, no local onde a Braamcamp cruza com a Alexandre Herculano, onde o fantástico fim de tarde e o acaso nos tinham feito desaguar, não dava para mais conversa. À saída, a rua estava assim, a cheirar a tílias, a lembrar o Jardim da Carreira, em Vila Real. O edifício da sinagoga tem, ao lado, uma loja com nome árabe. Lisboa é um porto, pelos vistos seguro, para gente muito diversa. A mim, é uma coisa que muito me agrada. Só espero que a eles também.

7 comentários:

Luís Lavoura disse...

O edifício da sinagoga tem, ao lado, uma loja com nome árabe.

Há muitos portugueses, de origem, com nomes árabes. São geralmente pessoas provindas de famílias muçulmanas que vieram de Moçambique. A loja com nome árabe pode pertencer a um português, filho e neto de portugueses.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

A mim também! Se há coisa que me dá "orgulho patriótico" é o facto de quem escolhe Portugal para viver se sinta bem e por cá fique.
E essa Lisboa dos fins de tarde Primavera-Verão é uma das maravilhas do mundo.

Luís Lavoura disse...

O edifício da sinagoga tem, ao lado, uma loja com nome árabe. Lisboa é um porto, pelos vistos seguro, para gente muito diversa.

O edifício da sinagoga está rodeado por um muro com 5 metros de altura, com um portão de alta segurança. Aos sãbados de manhã, quando os judeus lá vão rezar, tem polícia em grande número à porta. E em Lisboa, quem quiser uma refeição cacher precisa de pedir, por vias oblíquas, o contacto de uma senhora que as fornece pessoalmente - não há um restaurante aberto com entrada livre (embora no Porto a situação seja diferente, parece que até já lá há um hotel cacher). Pelos vistos, há quem não se sinta seguro em Lisboa...

Portugalredecouvertes disse...

bonita crónica Sr. Embaixador

manuel campos disse...


Francisco de Sousa Rodrigues

"E essa Lisboa dos fins de tarde Primavera-Verão" é sem qualquer dúvida "uma das maravilhas do mundo", como muito bem diz.

Já aqui contei a sorte que tenho há 40 anos, a de ver o sol descer até desaparecer, todas as tardes, sobre o casario da cidade, beneficiado pelo facto de ser um andar alto de um local que não é baixo.

Em muitos momentos de dificuldade que passei, como quase todos acabamos por passar, de sofrimento e de dor psicológica, foi também essa visão a partir das minha janelas que me ajudou a continuar.

A luz de Lisboa é única.
O céu de Lisboa é único.
E como o pôr-do-sol de Lisboa não há outro.
Palavra de "alfacinha" há 4 gerações, o que na minha idade não é vulgar.

Anónimo disse...

No início é sempre assim. Espero é que não descambe. Como em Paris...

Mal por Mal disse...

Ir à capital e não ver alfacinhas é muito triste.

Mesmo que fizessem piadas dos que iam da província, mas a gente não se importava que aqueles "peneirentos", se achassem os senhores da capital.

Dê-lhe o arroz!

"O Arroz Português - um Mundo Gastronómico" é o mais recente livro de Fortunato da Câmara, estudioso da gastronomia e magnífico cr...