Cada país com um pavilhão na Expo 98 tinha direito ao seu “dia”. Em geral, enviava um governante para chefiar a sua delegação nacional. Havia lugar à cena do hasteamento de bandeira, passava-se ao interior do Pavilhão de Portugal, Simonetta da Luz Afonso introduzia o filme que revelava a exposição e, subindo ao andar superior, avançava-se para o almoço.
Por mais de uma dúzia de vezes, representei o governo português nestas cerimónias. Acompanhava os dignitários estrangeiros e dizia umas banalidades de circunstância, com alguns apontamentos sobre as relações bilaterais. Alguém da organização da Expo dizia também alguma coisa, breve, antes do convidado encerrar e passarmos às vitualhas, porque, em geral, já se fazia tarde para todos.
Num desses dias, era a vez do Chile. Do lado chileno, estava José Manuel Insulza, ministro dos Negócios Estrangeiros. Pela parte da organização da Expo, surgiu escalado António Mega Ferreira. Quando foi a sua vez de falar, os circunstantes terão pensado que, num instante, ele iria despachar o assunto, com algumas amabilidades da praxe, em nome dos anfitriões.
Era não conhecer António Mega Ferreira! Durante vários minutos, num magnífico improviso, saudou o Chile. Com uma notável erudição, falou da História e da cultura chilena, de Gabriela Mistral e de Pablo Neruda, do Canto Nuevo, de Violeta Parra e de Victor Jara, da beleza de Atacama e do deslumbre de Valparaíso. Não foi um discurso político, minimamente militante. O nome Pinochet, então ainda vivo, não emergiu, nem sequer o de Allende, que, contudo, estava na cabeça de todos os presentes, por detrás das palavras, elegantes e certeiras, de Mega Ferreira. Ali ficou um imenso elogio à vontade democrática do povo chileno, com toda a admiração que este lhe merecia. José Manuel Insulza estava comovido, talvez por não estar à espera de ouvir, naquele contexto, uma intervenção daquela natureza. E disse-o.
Um ano mais tarde, visitei Santiago, onde fui recebido por Insulza. Ao lembrarmos a sua visita à Expo, ele próprio tomou a iniciativa de recordar o “extraordinário discurso de um grande intelectual português” que tinha estado presente no nosso almoço.
2 comentários:
Apetecia-me fazer uma piadola do tipo "uma receção tão calorosa para nos mostrarem um pedaço de gelo" mas a verdade é que estou na dúvida:
- Onde é que o Chile mostrou um grande bloco de gelo vindo de um glaciar? Foi na Expo 98 ou na Expo 92 ?
Basta ter lido Pablo Neruda para se ficar com grande estima e admiração pelo Chile. Não é precisa a erudição de Mega Ferreira, basta um pouco de Neruda.
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