sábado, dezembro 10, 2022

Marrocos


Era uma mulher muito bonita. Chamava-se Christine Keeler. Morreu há cinco anos.

A história que vou contar - e que dedico à Célia Rocha e ao Frederico Alcantara De Melo, leitores desta página e testemunhas inconscientes do episódio - passou-se nos anos 70 do século passado.

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnico-políticas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”.

Eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, uns bons anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por, em Londres, partilhar uma bela amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que ela se chamava Christine Keeler. Ele ficou satisfeito.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: será um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistia e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta e pouco empenhada missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento entusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha à época instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos e o homem lá se acalmou.

John Profumo morreu já há alguns anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que morreu com 75 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura política de alcova. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...

Hoje é dia para trazer esta memória de Marrocos. 

3 comentários:

A Nossa Travessa disse...

Meu caro Chicaigo
O Frederico é primo direito da Raquel Alcântara de Melo Ferreira (pelo casamento). Quanto à Keeler - passo...
Abração
Henrique

Unknown disse...

Sr. Embaixador, conheci esse tipo de porcinos em algumas profissões, tipos com tendência para o abuso e para a javardice. Agora no governo, no exercício de funções no estrangeiro, é o cúmulo da rasquice (embora os tempos fossem outros).

manuel campos disse...


Não é impossível que ela andasse por Marrocos nos anos 70, tinha acabado de se separar, um filho muito pequeno para criar sózinha e todas as portas fechadas no RU, há ali uma "dificuldade de localização" por essa altura.
Esse filho, que tem fama de ser muito certinho, tem tentado reabilitar a memória dela e, há alguns anos, contou que a mãe tinha sempre recusado um apoio qualquer a que tinha direito e viviam os dois com muitas dificuldades do apoio do estado a que ele tinha direito em criança, não me lembro bem, a história era um bocado confusa (e eu também já tive melhor memória).
Aí pela net encontra-se uma fotografia dela com 71 anos (e graves problemas pulmonares de que morreria 4 anos depois) a puxar um carrinho de compras mas, depois de vermos esta, ficamos com esta.

Agostinho Jardim Gonçalves

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