segunda-feira, dezembro 12, 2022

12.12.12


Faz hoje 10 anos, dia por dia. Eu era embaixador em Paris e preparava-me para "fechar" a minha carreira diplomática, no final do mês de janeiro de 2013, chegado à idade limite para prestar serviço no estrangeiro. 

Tinham decorrido quase 38 anos, desde que entrara para as Necessidades. Como antes já tinha sido funcionário público por quatro anos, decidi pedir a aposentação, a ter efeitos imediatamente após o meu regresso a Lisboa. Não recorri ao estatuto da "jubilação", que me faria andar pelos corredores do MNE até à idade em que seria obrigado a ir compulsivamente para casa, embora isso fosse financeiramente um pouco mais vantajoso. Queria ficar completamente livre, para poder fazer o que me apetecesse.

A minha reforma ia ser bastante baixa (embora muitos teimem em não acreditar, um diplomata tem sempre uma reforma baixa, porque não lhe é permitido descontar sobre o que ganha quando está colocado no estrangeiro). Tinha, contudo, assegurado já a possibilidade de dar aulas numa universidade privada (não podia lecionar nas universidades públicas, porque isso é incompatível com ser-se pensionista do Estado). Ia ser um apenas um modesto “part-time” que me ajudaria a arredondar os meses.

Porém, nesse dia 12 de dezembro de 2012, todos os meus planos de vida se alteraram.

Com intervalo de algumas horas, recebi três telefonemas de Lisboa. Vinham de três pessoas de áreas muito diferentes, que apenas tinham em comum a circunstância de todos terem lido na imprensa que eu me ia aposentar. Uma não me conhecia pessoalmente, com outra tinha tido apenas um breve contacto, da terceira era amigo. Cada um à sua maneira, os três disseram-me que gostavam de poder vir a contar com a minha colaboração, para aconselhamento estratégico, no âmbito das entidades que dirigiam - duas empresas e uma fundação. Todas essas entidades tinham uma ação internacional relevante. Em nenhuma delas iria ser um trabalho "from nine to five", mas sim reuniões e tarefas pontuais: análises de conjuntura, avaliação de riscos políticos em mercados, estudos prospetivos, com algumas viagens internacionais pelo meio. Eram propostas muito sedutoras, em todos os sentidos.

Apreciei muito os convites, o terem-se lembrado de mim. E aceitei-os. Sentia-me particularmente à vontade para o fazer, porquanto essas entidades estavam a convidar alguém que, no plano político, era público e notório nada ter a ver, em termos de proximidade, com o governo que, no nosso país, chegara ao poder, pouco mais de um ano antes. Aliás, muito pouco, no trabalho que eu iria fazer, tinha a ver com as atividades dessas mesmas entidades em Portugal.

Tinha conhecido muitos colegas diplomatas - noruegueses, britânicos, espanhóis, franceses, brasileiros, etc. - que, após se terem terminado o seu serviço público, tinham ingressado, com naturalidade, no setor privado, para iniciarem uma nova carreira, que pudesse aproveitar a sua experiência de décadas. Em Portugal, contudo, salvo uma meia dúzia (se tanto!) de casos, de que tenho o privilégio de fazer parte, não havia nem há essa prática de reaproveitamento profissional dos diplomatas. É pena. Acho que o setor empresarial português perde bastante com isso, embora eu seja suspeito ao dizê-lo. Por essa ausência de oportunidades, brilhantes colegas meus, acabados de sair de postos e de experiências valiosíssimas, passaram, de um dia para o outro, de uma atividade intensa para o passeio quotidiano do seu cão. No meu caso, eu nem sequer tinha cão.

Nos dias de hoje, continuo ligado, em pleno, a duas das entidades que me contactaram, faz hoje uma década. Com a terceira, concluí, há meses, nove anos consecutivos de agradável colaboração. Quem me está a ler compreenderá agora melhor a razão pela qual a data de 12.12.12 me diz bastante.

4 comentários:

Sérgio Nunes disse...

Obrigado
Seu contributo é importante, pelo menos para alguns de nós, ajuda a "pensar" o mundo.
Faz mais de 15 anos que comecei a "segui-Lo" após Lhe ter roubado/adaptado um escrito/resposta a um jornalista de um Pasquim brasileiro, num outro blog meu.
Que as Suas análises das realidades nos continuem a fornecer luz (grátis) ficamos (grátos).

C.Falcão disse...

Admirável !
A aposentadoria não é o fim da vida ativa, pode se tornar o fim de um determinado tempo.
What's next ?

manuel campos disse...


Aconteceu-me um pouco o mesmo, ainda que a outra escala mais modesta, claro.
Ainda andei por aí uns tempitos que acabaram por ser "pro bono" a meu pedido, pois nem as deslocações em viatura própria, alojamentos e refeições aceitei que me fossem pagas, ficaram pela velha amizade com um bom amigo.
A "consultoria" parecia assim uma ideia prometedora para ocupação dos tempos livres pois, além dos "hobbies" musicais (audição, estudo e escrita), tenho netos que quis acompanhar o que não tinha acompanhado antes e sabia que não iria acompanhar por muito tempo, já estão todos "noutra" e no "até logo, avô".
Acabou por se revelar pouco entusiasmante por razões várias, mais com que me ocupar entretanto foi surgindo e agravando.
A consultoria a que me dediquei por uns tempos, acompanhando a reestruturação de empresas industriais, revelou-se uma aposta errada de quem me convidou (e minha).
Não sei como funciona hoje em dia noutros campos, mas no mundo da "engenharia e gestão de empresas" é complicado acompanhar as novas tendências numa equipa de recém licenciados ou pouco mais do que isso, gente das universidades.
O sujeito que andou 40 anos no "barulho" dá o nome e o CV para "enriquecer" a equipa, é tratado com todo o respeito, esperam o aceno de aprovação dele no fim de cada intervenção mas pouco mais, observações sobre aspectos práticos do que está em estudo são inúteis, só eu as tinha vivido na prática e eram situações estranhas que não acontecem nas folhas de Excel.
Os estudos, que aceitei sempre rever, continuam a ser muito bem aceites pelos clientes, mas há coisas que nunca fizeram o meu estilo.
Como não preciso (felizmente e graças a mim) de juntar mais uns euros ao fim do mês, acabei por deixar-me disso, o que coincidiu com o início de outras preocupações na minha vida que não permitem voltar atrás nisso.

Estendi-me na conversa, como sempre, porque tenho estado à espera de ser atendido por um hospital, onde ía hoje fazer um exame simplicíssimo e vagamente pouco útil mas que não se perdia, para o desmarcar e marcar outro para dia mais ameno.
O diálogo começou de forma curiosa pois foi-me dito que "o hospital está a funcionar normalmente, os acessos é que estão cortados".
Mas ressalvo o cuidado em deixarem bem claro o "nós estamos cá, vocês é que não podem cá chegar" e acho isso correcto do ponto de vista da imagem do hospital.
Ficou para 5º feira p.f.

João Cabral disse...

«um diplomata tem sempre uma reforma baixa, porque não lhe é permitido descontar sobre o que ganha quando está colocado no estrangeiro»

No poupar é que está o ganho, como se costuma dizer. E quando se recebe bem, mais se aplica.

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