terça-feira, agosto 14, 2018

“Restaurante do Rio”


Em Cuba, desde há bastantes anos, a rigidez do regime havia-se flexibilizado ao ponto de permitir que certas casas particulares fossem transformadas em restaurantes privados. Têm o nome comum de “paladares”. A sua qualidade varia muito e não deixa de ser curioso, embora um pouco chocante, ver surgir, num andar de Havana “vieja” ou numa moradia de um bairro residencial da “nomenklatura”, locais onde, a preços elevados, se proporciona uma oferta gastronómica de muito razoável qualidade, perante a penúria proletária da vizinhança.

Ver aparecer uma iniciativa idêntica na península de Tróia foi, para mim, uma agradável surpresa. Há meses, uns amigos comuns, em tom de grande secretismo, vieram falar-me de um tal “Restaurante do Rio”, em Soltróia. Nunca tinha ouvido referências a essa casa, nessa zona estival que é um quase deserto em matéria de restauração, o que, pelo menos no meu caso, me obriga regularmente a deslocar-me a Setúbal, pela Ponte Bocage, que une a cidade do Sado a Tróia, e que agora foi finalmente inaugurada, o que permitiu ontem a muita gente vir para a praia Atlântica ver a “chuva de estrelas”.

Arlinda Reigoso, uma senhora que em Darque, nos arredores de Viana do Castelo, é proprietária da já afamada “Tasquinha da Arlinda”, decidiu, desde há uns tempos, reproduzir a sua interessante experiência minhota, criando em Tróia um espaço, dotado de uma requintada mesa comum, onde, sob a mão criativa da Vivianne, a cozinheira oriunda das Maurícias e que vive com um sargaceiro da Amorosa, nos é proporcionada uma gastronomia de fusão, onde os travos minhotos se aliam a sabores do Índico. 

O “estufado de dodó salpicado a sal marinho, que acompanha com línguas de bacalhau do sul da Islândia” ou “arroz de sarrabulho com caril e coentros, à moda do Barco do Porto” ou, nas sobremesas, o disputado “pudim abade de Darque, com molho de bebinca e redução de ameijoas”, são três “must” que, só por si, justificam a notoriedade da casa. 

A Arlinda já se tornara famosa pela circunstância de, em alguns momentos excecionais, conseguir levitar (embora apenas uns escassos centímetros e em condições especiais de pressão e temperatura), técnica aprendida com um budista de Serreleis, com quem teve um caso sério em tempos.

Imagino que alguns leitores possam, contudo, não apreciar duas limitações que marcam este novo espaço singular de restauração da Arlinda. 

A primeira é que ali só se bebe branco, o que alguns, talvez maldosos, levam à conta do facto do Arnaldo, o atual companheiro da Arlinda, ter vivido, por algum tempo, num bantustão sul-africano, no tempo do “apartheid”. Há semanas, um casal de Armamar pediu um tinto e ouviu-se o berro do Arnaldo: “Aqui só entra branco!” Depois, ainda mais esquisito, acrescentou: “E nada de verde, só maduro! Nem essa mariquice dos rosés!”

A segunda é, com toda a certeza, um forte “senão” para quem vive convencido por essas coisas modernaças do ambiente: é que, à roda da mesa, fumando o seu cachimbo como uma chaminé, passeia-se incessantemente o Arnaldo, impante na sua barriga e com uma alvura de pele que o mostra um eterno refratário à praia logo ali ao lado. Embora o Arnaldo cantarole por ali o “Cara al sol!”

Ah! E o Arnaldo é do Futebol Clube do Porto, provocando com dichotes ácidos os clientes de outras estimáveis agremiações. Ele diz que vermelhos nem passam da soleira da porta! Diz-se que gente do Leixões e do Salgueiros, nem vê-los! 

É, de facto, um ambiente pouco comum, o do “Restaurante do Rio”. Mas interessante. Mais estranha talvez é a fórmula encontrada pelo casal para aceitar reservas. Trata-se de um “site”, assente num “call center” situado no Cais Novo, lá por Darque, onde vive um primo do Arnaldo, o Lalau, que faz uma “perninha” a ajudar no 112, quando tem horas vagas, através do qual se fazem as inscrições. Eu, que já marquei em julho, só consegui vaga para o jantar de hoje. 

No fim das férias, prometo que lhes vou deixar aqui uma dica que vai facilitar muito as oportunidades para lá poderem ir, embora só na “saison” de 2019. Sobre o preço da refeição não me pronuncio, porque sempre aprendi que não é de boa educação, em sociedade, falar-se de dinheiro, de saúde, de religião, de política e de quem não está presente na conversa.

segunda-feira, agosto 13, 2018

Elogio da vilegiatura

Estou prestes a encerrar o capítulo arenoso, aquático e fotovoltaico das minhas férias. Correu tal e qual o tinha pensado, tirando o inferno do calor da semana passada, que não estava no programa. Há quem goste de ter férias excitantes. Que lhes faça bom proveito! Eu excito-me imenso com uma bem gerida rotina de descanso absoluto, tentando não ser confrontado com a menor surpresa (embora ninguém esteja livre de um telefonema no-la poder trazer, e bem desagradável), com a jubilosa antecipação de não ter horas para cumprir quaisquer outras agendas que não sejam as da (minha própria e bem estudada) desorganização, vivendo com serenidade (e sem dramas) a frustração de não ter conseguido ler sequer um terço do que trouxe comigo, acarretando os quilos a mais que já sabia que iria ganhar (medidos "a olho", porque felizmente não tenho balança). O meu "mês Timberland" segue assim, com precisão, o "template" que lhe imprimi nos últimos anos. Prometo (mas só a mim próprio, para poder incumprir sem ter de me desculpar, se tal me der na real gana) que vou pensar se, para o ano, continuarei a (não) fazer o mesmo, isto é, tendencialmente e com o comprovado êxito, a conseguir levar a cabo, de forma esforçada, o desiderato de não mexer uma palha. Fala-vos um "expert": é que requer imenso trabalho, e diuturnidades de aturada prática de sofá, conseguir gerir, de forma sustentada, a preguiça a que conquistámos um inalienável direito, com o suor da completa ausência do menor exercício físico.

Madonna

A presença de Madonna em Portugal é uma benção mediática para o país. Por isso, faço votos que estacione onde quiser e apoio a facilidades municipais para tal. Ela é bem vinda como o são todas as figuras internacionais que aqui queiram viver e com isso ajudem a mostrar, lá fora, a excelência desta terra. Mas posso confessar um segredo? Nunca achei a menor graça à senhora. (Mas não lhe digam, porque eu gosto de ter as melhores relações com os vizinhos).

Elogio da humildade

Cada vez mais gosto de gente que assume os seus erros, que confessa que se enganou, que o que previu não se realizou, que fez o seu melhor mas que esse melhor acabou por não ser o ótimo. Mas não me sinto muito acompanhado neste sentimento.

Elogio da diferença

Às vezes, sinto vontade de ver dirigentes políticos de acordo entre si, subordinados a uma espécie de lógica de racionalidade e bom senso. Mas logo me dou conta que isso não tem o menor sentido, porque é o dissenso, desde que não artificial, que gera as alternativas democráticas

domingo, agosto 12, 2018

Nine


É este verão que vou a Nine! 

A estação ferroviária de Nine faz parte do meu imaginário de infância, quando, em férias “grandes” ou do Natal, ia com a família de comboio, de Vila Real a Viana do Castelo. Passadas as várias horas necessárias nas linhas do Corgo e do Douro, a última etapa da viagem fazia-se entre o Porto e Viana do Castelo. E por lá, a certo ponto, estava Nine!

Nine é um entroncamento. Dali parte um ramal para Braga. Se bem me lembro, na estação, as carruagens do comboio que ia por essa rota, para mim sempre misteriosa, faziam uma ligeira inclinação, ainda na estação. Creio ter usado esse ramal uma única vez, numa ida de Viana a Braga.

Era eu então muito miúdo e o meu pai ensinou-me que “nine” era “nove” em inglês (deve ter sido a primeira palavra inglesa que aprendi). Anos mais tarde, revelou-me que havia o mito (ele sabia que era um mito!) de que a localidade se chamava assim porque os ingleses, responsáveis pela construção da via férrea, haviam designado dessa forma aquela que era então a nona estação a contar do Porto. Ainda outro mito, a que o meu pai nunca aludiu e que só vim a conhecer mais tarde, dava como certo de que esse “nine” era o número de mihas que dali distava Braga...

Afinal eram tudo “escovas”, como na minha família lá por Viana ainda hoje se designam as mentiras populares (não é assim, Filomena e Carlos?) É que documentos antigos, as “inquirições”, datadas de 1220, já falam de “Santa Maria de Nini”, nesse local, o que desmonta todas essas teorias de conveniência.

Por estas e por outras, daqui a dias, vou passar por Nine!

(E lá fui, como se pode ver pela imagem junta! Como se nota, sobrevive, face à imagem anterior, o edifício ao fundo, com três arcos)

sábado, agosto 11, 2018

Chegou o circo!



Já chegou! Mais um ano de irracionalidade, de insultos, de conflitualidade artificial, de “A Bola”, de “foi-não-foi-penalti”, do “Record”, de “estava-não-estava-fora-de-jogo”, de “O Jogo”, de árbitros insultados, de mentiras, de subornos, de advogados comentadores, de luvas e comissões, de claques ajavardadas, de “misters” reverenciados, de “cultura de balneário”, de televisões incendiárias, de conferências de “imprensa”, de dirigentes sempre com ar grave e linguagem primária, de “jornalistas” a fingirem de jornalistas, propalando a sua “verdade” colorida pelo viés clubista. Já aí está montado o grande circo do ano, onde os pais ensinam aos filhos que uma falta de um jogador da sua equipa ”não é bem” uma falta, que o adversário é o inimigo a odiar e combater. Aí está ele, o país sectário que finge que gosta de um desporto chamado futebol quando, no fundo, apenas pretende alimentar o culto acéfalo de uma religião criada em torno de um emblema qualquer, tal como pode ter uma obsessão em favor de um partido ou de uma igreja. E há muito quem leve isso a sério, como se essa adesão a uma cor fosse a coisa mais importante do mundo! E da vida! (E, coitados!, para eles, se calhar, é.) Eu, cá por mim, tendo também afetividade por um clube, gostando de o ver ter sucesso, mas estando muito longe de cultivar essa estima de forma doentia, gosto é de ver futebol. E muito!

Elogio do silêncio?

O descendente da família que ocupou hereditariamente a chefia do Estado português até 1910, personalidade estimável a quem o regime republicano até se dá ao luxo de conceder a amabilidade de um destaque honorífico na coreografia do seu protocolo, habituou-nos a vir a público, episodicamente mas sem regularidade, dizer de sua justiça sobre alguns temas da atualidade. Esse é um direito que democraticamente lhe assiste e que nos cumpre defender e respeitar - tal como a qualquer outro cidadão desta República democrática.

Como não faço parte de quantos - entre os quais conto alguns bons amigos - aguardam um ensejo, numa nova curva da História, para promover a restauração do regime derrubado vai para 108 anos, apenas alguma curiosidade faz com que, desde sempre, esteja razoavelmente atento ao conteúdo desses afloramentos discursivos. Dentre eles recordo coisas sensatas que lhe podem ser creditadas ao tempo da luta pela autodeterminação dos timorenses e, num polo algo contrastante, a sua criativa proposta para que se desistisse da realização da Expo98, a semanas da respetiva abertura. 

No cômputo global, o saldo desses pronunciamentos não parece, até ao momento, ter impressionado excessivamente o país - e daí a estranha ausência, quiçá injusta, de uma recolha escrita das suas ideias e propostas. Diria mesma, na minha perspetiva de republicano, que o que o herdeiro em causa tem vindo a dizer quase sempre me conforta, por não ter condições para ferir, nem ao de leve, a estabilidade do ”statu quo” que favoreço.

Uma coisa é clara: sinto os seguidores da crença monárquica quase sempre bem mais inquietos com o efeito público daquilo que surge dito pelo herdeiro da família Bragança do que ansiosos por acolherem o favor da sua palavra orientadora, como guia e estímulo para servir de alimento doutrinário à sua causa. Deixo o mistério da explicação deste facto para quem faz parte desse ramo de fé institucional a que o destino me poupou.

sexta-feira, agosto 10, 2018

Desprezo

Sinto um imenso desprezo - é essa a palavra - pela alarvidade de alguma comunicação social que contesta o uso da força democrática para salvar algumas pessoas das consequências potencialmente trágicas da sua teimosia e do seu desespero no quadro dos incêndios.

Loureiro dos Santos


Um dia, nos tempos em coincidimos numa aventura de aconselhamento universitário, em conversa com o meu saudoso chefe da “tropa”, o general Gabriel do Espírito Santo, vieram à baila nomes dos tempos do “verão quente” de 1975. Embora tivessem decorrido algumas décadas, o impacto desses dias comuns mantinha em nós fortes impressões sobre algumas figuras, embora nem sempre coincidentes. Ele conhecia-as mais de perto, eu tinha criado uma visão mais ligeira, feita nos corredores e nos episódios vividos no seio do MFA, por onde tinha “passarinhado” como civil fardado. 

Recordo-me de lhe ter então dito que tinha pena de não ter conhecido bem o general Loureiro dos Santos, de quem tinha uma excelente opinião, em especial depois de ter lido algumas reflexões teóricas que ele vinha a fazer sobre estratégia e política de defesa. Os olhos do “meu general” arregalaram-se: “O Loureiro dos Santos?! Ó homem! Esse é o melhor de todos nós!”

Luisa Meireles, uma jornalista cujo rigor, infelizmente, começa a ser muito raro na nossa imprensa, acaba de publicar uma excelente biografia de Loureiro dos Santos. Li-a de um trago. E através dela pude “recortar”(utilizando uma expressão do léxico das “informações”, que aprendi com Espírito Santo) a figura de Loureiro dos Santos, percebendo assim, não apenas as razões de algum do seu comportamento naqueles tempos revolucionários mas, principalmente, esclarecendo as motivações do seu posterior envolvimento governativo e em funções de chefia militar.

Loureiro dos Santos nunca foi verdadeiramente um político, mesmo quando exerceu funções dessa natureza. Percebe-se bem por este livro que foi sempre um militar, fiel às determinantes de uma condição que, para ele, foi muito menos uma profissão e muito mais uma vocação, um empenho quase obsessivo numa certa forma de ser servidor público. Pelo que a biografia de Luisa Meireles agora nos traz, confirmando o que dele já se conhecia, pode mesmo imaginar-se alguma angústia que o terá atravessado, nesses dias de abril, obrigado ao dever cívico da revolta contra o respeito hierárquico em que fora educado. Este livro ajuda-nos a entender bem que o 25 de abril não foi apenas, contrariamente à perceção comum, uma Revolução “de esquerda”. Foi também, para gente conservadora e patriótica como Loureiro dos Santos, uma revolta essencialmente ética e democrática. Sem gente como ele e como Ramalho Eanes, no seio do MFA, pergunto-me hoje se poderíamos ter escapado então a uma guerra civil.

quinta-feira, agosto 09, 2018

Boa cama? Boa mesa?

Olha-se para as duas “news magazines” que saem à quinta-feira e nota-se claramente que se “policiam” uma à outra, em matéria de temas. Como ambas já perceberam quem as compra, a sociologia empírica de quem as organiza segue uma lógica compatível com os potenciais interesses de consumo desses extratos sócio-económicos. 

Tudo normal e, sejamos justos, o resultado é jornalisticamente bastante apreciável, se comparado com produtos similares estrangeiros - embora apenas se dermos por adquirido que a deriva para temáticas mais “light” é uma coisa inevitável nos tempos que correm.

Com Sócrates fora da prisão a ficar fora de moda (e que belo filão que ele foi, por alguns anos!), deu imenso jeito que o processo tivesse derivado para os Espírito Santo - porque isso misturava, no imaginário do leitor, negociatas, crimes, inveja, glamour social e, claro, Comporta. E quem diz Comporta diz Alentejo, diz praias, restaurantes e “dicas” para “escapadinhas” (termo que ganhou dignidade familiar, depois de décadas em que significou apenas infidelidade hábil ao serralho), agora que o Algarve já está um tanto “démodé” e as coisas com um toque de rústico têm outro charme (o tal “brincar aos pobrezinhos”, frase de uma senhora que, sem o saber, passou a clássico).

Esta semana, imagino o que deva ter sido o sufoco pelas redações da “Sábado” e da “Visão” - e não só devido ao calor. Os tremendistas devem ter puxado por lá pelo destaque de capa ao fogo em Monchique, mas nota-se, claramente, que, em ambas as revistas, ele perderam a luta interna em favor da agenda da rapaziada do “bem-estar”. No fundo, foi a vitória do “mon chic” sobre Monchique! É que o “numerozinho” de Verão alentejano que estava há muito preparado para sair, nesta semana sempre gloriosa de agosto, ou “entrava” agora ou já não ia a tempo. E lá se ia a enxurrada de casas de dormidas e de restaurantes que agora fazem parte obrigatória destes “Time Out” rural, em que os semanários se converteram.

Mas é ou não verdade que essa informação “dá jeito” para quem viaja ou anda de férias? Claro que sim, e eu próprio não a dispenso, embora reconheça que, neste domínio, são-nos dados mais endereços do que verdadeira informação. É que as casas divulgadas são sempre “confortáveis”, ”serenas”, com uma piscina “para refrescar o fim das tardes” e os imensos restaurantes aparecem regularmente edulcorados pela positiva - nos pratos, na variedade ou no serviço. 

Ora o que eu, como regular leitor (e sou dos que compram ambas as revistas, sem falhas, desde os seus “número um”), gostaria de poder obter era uma apreciação relativa, notas sobre não só sobre o que se destaca, mas também sobre as deficiências e limitações de cada local, de dormida ou comida, enfim, algo que me ajude a escolher. Mas como, afinal, ali “tudo é bom”, quase sem falhas, estas revistas acabam por se parecer como o volume que o “Expresso” edita todos os anos, o “Boa Cama, Boa Mesa”, onde se misturam alhos com bugalhos, coisas excelente com locais sofríveis, num reino de adjetivação gongórica que não serve minimamente o utente, exceto para obter o número de telefone e para lembrar um nome qualquer num lugarejo.

Mesmo assim, boas férias! Ah! E querem saber?, comi ontem muito bem no “Museu do Arroz”, na Comporta! Descansem que, um destes dias, digo por onde, nesta geografia, se come menos bem, onde o serviço é medíocre, o ambiente menos agradável.

quarta-feira, agosto 08, 2018

Palermas

Já alguém pensou em lançar uma campanha de civilidade explicando que quem fala ao telemóvel em público, obrigando os outros a ouvirem as suas desinteressantes conversas - para a família, os colegas ou para o diabo que os carregue -, são apenas uns saloios mal-educados, uns energúmenos deslumbrados por um aparelho que acham que lhes dá estatuto, e que, no fundo e apenas, não passam de uns palermas? 

Quem por aqui me lê e se acaso assim procede quando está nos cafés e restaurantes, em salas de espera, nas praias, nos comboios e autocarros e em outros locais públicos deve “enfiar a carapuça”, porque isto também é eles, desculpem lá!

terça-feira, agosto 07, 2018

Especialistas e “especialistas”

De há uns tempos para cá, surgiu um número inusitado de escândalos com currículos, em especial pela invocação abusiva de títulos académicos e outros. Na verdade, todos sabemos que o mundo dos currículos é um palco para exageros, falsidades, alguns passíveis de fácil desmontagem, outros um pouco mais difíceis de destrinçar, tal o arrevezado de certas designações. As pessoas ficaram um pouco mais alerta, mas os riscos neste domínio continuam.

Mas há outra realidade que por aí anda e face à qual não tenho visto uma suficiente reação: é o surgimento de “especialistas em ...”, quer em jornais, quer principalmente nas televisões. Um título desta natureza confere àquilo que a pessoa diz uma autoridade automática, uma reverência intelectual. Ora o que se passa é que muitas dessas figuras apenas têm (quando têm) um curso ou uma qualificação académica num determinado domínio - o que é muito diferente de serem “especialistas”, que é uma designação que se pressupõe poder ser atribuída apenas a quem tem uma grande (e reconhecida pelos seus pares) experiência de investigação ou em atividade em áreas práticas do setor. 

Assim, convém estar muito atento: há especialistas e “especialistas”.

segunda-feira, agosto 06, 2018

Um fresquinho que corre


Imagino que a idade - e, neste caso, a minha - possa contribuir bastante para o modo como cada um “sofreu” a recente onda de calor. Devo dizer, com a maior sinceridade, que, a certo passo, comecei a preocupar-me sobre se aquilo por que estávamos a passar era compatível com a vida corrente de um país como o nosso, com a nossa situação geográfica, com a nossa pobreza relativa. Um país onde, por exemplo, o ar condicionado não é ainda, infelizmente, um bem comum muito difundido, em que os hospitais e centros de atendimento em matéria de saúde são o que são, em que de há muito se instalou uma visível “orfandade”, em que o cidadão olha para o Estado, e para a palavra deste, com alguma falta de confiança. Parece que isso agora se atenuou ou passou, que o clima “apanhou juízo”, pelo menos até ao dia em que algo de similar volte a passar-se de novo. E é isso que temo: que situações como a que vivemos nestes últimos três dias possam voltar a ocorrer no futuro e que não tenhamos aprendido a lição de que, como diria Dilan, os tempos estão a mudar. É que isso implica planos ativos de prevenção em caso de futuras ondas de calor, medidas de adaptação habitacional para contrariar os efeitos dessa inevitável deriva, educação maciça sobre os modelos de comportamento pessoal a adotar em casos futuros, etc. Um bom instrumento para nos “ajudar” a preocuparmo-nos seria a rápida divulgação de estatísticas fiáveis sobre as mortes “em excesso”, para os valores normais, que possam ter sido derivadas desta conjuntura. A boa notícia é que corre lá fora um simpático “fresquinho”. E, como dizia há pouco um amigo com gosto para o exagero, com ele até já parece setembro...

domingo, agosto 05, 2018

Miguel Chalbert


O Luis Gomes de Abreu, que o tempo já levou, falou-nos um dia de um colega e amigo, como ele também arquiteto, que estava a trabalhar em Angola. O nome dele era Miguel Chalbert.

Eu estava então colocado na embaixada em Luanda, mas nunca me tinha cruzado com ele por lá. Numa vinda a Lisboa, a mulher do tal Miguel, a Filomena, foi-nos apresentada e pediu-nos se podíamos levar ao marido já não sei bem o quê. Da conversa, recolhi a impressão de que ele estava desencantado e infeliz no seu “exílio” angolano. E fiz um retrato mental da personagem: um lingrinhas enfezado, deprimido e macambúzio, um imenso chato, perfil comum de alguns expatriados lusos que paravam por Luanda, à cata dos Kwanzas convertíveis nos então Escudos, que faziam o seu possível contentamento. Por isso, apiedámo-nos do amigo do amigo e levámos a encomenda, seguramente umas vitualhas para acalentar a boca, porque Luanda era então um imenso supermercado “do nada”.

Pouco depois, mandámos recado ao tal “solitário” Miguel Chalbert, convidando-o para jantar. Quando abrimos a porta, chegou-nos um gorducho bem disposto, ótima onda, humor de primeira, com uma gargalhada magnífica, grandes histórias, um companheirão, que passou a ser “peça” indispensável nos fins de semana no Mussulo e em Cabo Ledo, e nos jantares “soltos“ do pessoal da embaixada - pdo António Pinto da França ao Fernando Andresen Guimarães e ao Zé Stichini Vilela, com a Élia Rodrigues à inevitável mistura. E que foi também “adotado” pelo Vasco Correia Mendes, para as noitadas incontáveis da casa dos “Guedais”. 

Ouvir da boca do Miguel os episódios da guerra da Guiné - onde tinha tido um colega que, num grupo que fora a Alemanha e onde ele era “o único que falava alemão”, berrava aos colegas, na travessia das passadeiras “Atchung!”, versão lusa do “Achtung!” - era garantia de excelente companhia, de horas bem passadas, bem comidas e bem bebidas. A estucha que Luanda podia ter sido, nesses anos de recolher obrigatório e prateleiras vazias, acabou por se transformar, também muito graças ao Miguel, num tempo divertido, rico, de muito boa memória.

Falo agora do Miguel, porquê? Ora bem, porque a Filomena, a Mena, que também ficou muito nossa aniga, anunciou hoje no Facebook que o Miguel faz 75 anos. De lá roubei esta fotografia dos dois. 

A vida, nos últimos anos, tem pregado ao Miguel algumas partidas chatotas, mas tenho a certeza de que a sua inseparável gargalhada vai hoje ajudar a compor o dia festivo. Um imenso abraço para ti, “Miguelaço”, como cá na família, como sabes, és também conhecido.

José David



Acabo de saber, pelo facebook do Daniel Ribeiro, que morreu em Lisboa o José David. Conhecia o seu nome mas menos bem a sua obra como pintor quando, em 2009, fui para Paris. 

Pouco depois da minha chegada, o jornalista Daniel Ribeiro transmitiu-me um convite do José David para “uma bacalhauzada” na pequena casa que, com a sua mulher Françoise, ocupava ao fundo de uma artéria sem saída, creio que perto do boulevard Montparnasse. Recordo umas horas de conversa bem divertida, nesse ano de 2009

Falámos então das suas décadas de Paris e da sua obra, que estava ali por toda a parte, e fiz-lhe um desafio: expor na embaixada de Portugal, na rue de Noisiel. O José David ficou entusiasmado e, com a ajuda da Fátima Ramos, então conselheira cultural, montámos a “operação”, uns tempos depois. E foi uma bela exposição. Recordo-me que ele não quis que fosse uma retrospectiva do seu trabalho, como nós tínhamos sugerido, mas sim sobre o seu tempo artístico de então. No final, achei que era ele quem tinha tido razão.

Depois, ainda nos meus anos em França, fomo-nos vendo a espaços, algumas vezes na embaixada, ele com uma eterna bonomia e aquele seu bigode inconfundível, a Françoise com o eterno e terno sorriso que a idade ia tornando ainda mais bonito. Cruzámo-nos, há uns tempos, na Versailles. Abraços e promessas de um almoço que nunca se realizou. Agora já não vai ser possível. “Je vous embrasse, Françoise”.

sábado, agosto 04, 2018

Notícias da estação (3)

A Lena e o Chico têm sempre uns amigos curiosos lá por casa. Ontem, para jantar, numa noite de calor digna de “A noite de Iguana”, embora sem a Sue Lyon, estava lá a Arlinda.

A Arlinda nasceu na estrada da Papanata, mas há muito que vive em Darque, onde tem uma casa de petiscos. Para quem não saiba, Darque está para Viana do Castelo como Gaia para o Porto: fica depois da ponte Eiffel, logo a seguir ao Cais Novo.

Nestes dias em que o lugar onde a Arlinda vive está a “Darque falar” - como se diz em Viana - constou-me que se fala por lá bastante desta mulher, embora por uma razão estranha mas notável: a Arlinda levita.

Isso mesmo, levita! Em determinados momentos de concentração e com ambiente adequado, diz-se que a Arlinda, estando sentada, subitamente se eleva, ainda que apenas ligeiramente, acima do solo, mantém essa posição por uns segundos e depois desce, voltando à postura do comum dos mortais.

Sempre fui um cético quanto à teoria da levitação. Diz-se que alguns monges budistas são capazes desta habilidade, mas eu, cá para mim, sigo sempre a máxima de “ver para crer”. Ainda admiti que a Arlinda pudesse ter apanhado o jeito numa viagem ao Tibete ou ao Butão, mas parece que não! Terá sido mesmo lá em Darque, aprendendo com um convertido budista de Serreleis.

Quando ontem, depois do jantar, alguém me sussurrou que “parece que a Arlinda, daqui a pouco, é capaz de levitar”, fiquei de pé atrás mas de olho curioso na Arlinda, que, sendo uma rapariga bem pesadota de carnes, tornaria o propalado desafio da lei de Newton num caso muito sério.

O jantar já ia lá para a meia-noite quando, finalmente, ouvi uma voz informativa, em tom respeitoso, baixo: “A Arlinda está a levitar”. Olhei então para o sofá onde a Arlinda estava sentada e, de facto, pareceu-me vê-la pouco esticada para cima. Estaria mesmo a levitar? O balandrau que vestia, daquelas coisas largueironas com desenhos de cretones das cortinas, muito vulgar em algumas “velhoquistas” (expressão deselegante de um amigo meu para designar os adeptos do Bloco já entradotes na idade), não dava segurança absoluta de que se tratasse de uma levitação, pelo menos tal como vem nos livros.

A sala, contudo, parecia conquistada, num silêncio respeitoso, à volta da Arlinda, todos deliciados com o fenómeno. Ainda por cima, ocorrido dias depois da noite da lua rosada. Está a ser um Verão mesmo em cheio!

Só o Chico, junto de quem tentei desfazer as minhas dúvidas, é que acabaria por ser mais prosaico: “Levitou o tanas! Aquilo devem ter sido gases!”

Pronto! Com este balde de água fria no encantamento, acabei por ter de prolongar o meu ceticismo. Mas já decidi: daqui a dias, depois das festas da Senhora da Agonia, vou a Darque. É que se diz que lá é que a Arlinda levita mesmo a sério, na casa de petiscos dela, “A Tasquinha da Arlinda”, cujo nome diz-se, está a provocar uma irritação, sei lá bem porquê, na Ribeira de Viana.

Há bocado, falei disto a alguém que também esteve no jantar. Não se lembrava de nenhuma Arlinda por lá. Agora, fico na dúvida. Teria sido do calor? Ou do Muralhas?

sexta-feira, agosto 03, 2018

Que Brasil vem aí?

O Brasil de hoje vive marcado pelo fantasma de Lula. Só um milagre poderá possibilitar a sua candidatura. Se acaso viesse a ocorrer, as suas hipóteses de regressar ao Planalto não seriam poucas. Não sendo assim, há dúvidas de que o velho lema de que “Lula elege um poste” ainda seja válido (foi-o com Dilma Rousseff), que, da cadeia, consiga transferir os seus votos, mesmo para Fernando Haddad, antigo ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Resta assim saber se o PT apoiará a candidata do seu eterno “compagnon de route”, o PC do B, que apresenta Manuela d’Ávila.

O PT deverá concentrar a sua luta nos Estados, num jogo de alianças para o futuro, com os territórios do Nordeste como espaço central de influência. Não vai querer perder o controlo da esquerda brasileira, pelo que tudo fará para anular candidaturas fortes que possam vir a crescer próximo dessa área, como seria o caso de Ciro Gomes. Trata-se de uma figura intelectualmente bem preparada, com experiência governativa, mas com uma incontinência verbal e uma arrogância intelectual que sempre o prejudicaram. 

Dizer que Marina Silva, recandidata e antiga ministra do Ambiente de Lula, é hoje uma personalidade de esquerda seria uma afirmação arriscada. Opera num registo charneira, com temas ambientais e um discurso social, que seduz pela genuinidade mas afasta pela relativa vacuidade. 

Marina Silva e Ciro Gomes estão condenados a ser candidatos “solitários” nesta campanha, em termos de apoios partidários – o que, desde logo, os prejudica nos tempos de antena, cuja dimensão temporal, no Brasil, depende do peso dos partidos que lhes formalizam apoio oficial.

No centro do espetro político – mas, ideologicamente, em termos europeus, claramente à direita - surgem as duas candidaturas mais “tradicionais” desta eleição: Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles.

Alckmin é o político com mais experiência. Governador e prefeito de São Paulo, foi derrotado por Lula em 2008 e preterido partidariamente em favor de Aécio Neves, nas últimas eleições, ganhas por Dilma Rousseff. Apoiado pelo PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso, conseguiu garantir o importante apoio do DEM, uma força mais conservadora (que já se chamou PFL e que teve origem na Arena, o partido apoiante da ditadura militar), bem como de um conjunto de outros pequenos partidos do chamado Centrão. Tem assim garantido o maior tempo de antena, o que não é despiciendo. Será isto suficiente para ganhar? Diria que as suas hipóteses são fortes, mas que fraco é o seu carisma, com uma imagem “usada” e sem o fator “novidade” de que Aécio Neves dispunha. 

Henrique Meirelles é um candidato que procura explorar a credibilidade criada junto dos meios empresariais, pelo tempo excelente que teve como governador do Banco Central ... escolhido e apoiado por Lula! Designado pelo MDB (antigo PMDB, que nasceu do MDB, a oposição permitida no tempo da ditadura), do desacreditado presidente Temer, não deve ter um caminho fácil, porque a força política em que se apoia é um partido estranho, que não oferece disciplina política e funciona numa pura lógica de ocupação do poder, sendo talvez esta a sua verdadeira “ideologia”. 

Resta falar do fenómeno Jair Bolsonaro. Dizer que é uma espécie de Trump é talvez demasiado simples. Tem em comum um certo primarismo no eixo do discurso, uma linguagem desbragada e politicamente incorreta, dirigida a um eleitorado simples, eticamente desblindado. O seu “fond de commerce” é o crescente sentimento de insegurança que atravessa toda a sociedade brasileira e a sua reiterada referência é a memória, que afirma como positiva, da ditadura militar que, em 1985, deu lugar à democracia que muitos brasileiros acham hoje que não funciona convenientemente. É talvez o único candidato da rutura, e isso beneficia-o, mas o real apoio às suas teses é uma imensa (mas preocupante) incógnita.

Há agora muitos meses pela frente, cenário de factos futuros que tudo podem condicionar. Mas há uma evidência: é um Brasil visivelmente desencantado, com escassa esperança, que agora parte para esta corrida presidencial. 

Notícias da estação (2)

Acho-o remoçado, o Sebastião Falcato, desde que é secretário de Estado dos Assuntos Sociais. Quem o viu e quem o vê! Conheci-o ao tempo em que era da JS de Sabugueiro, quando me convidou para lá ir falar sobre o “O queijo da serra na construção europeia”. Correu lindamente. Fiquei amigo dos cinco assistentes à palestra, que acabou com uma prova de aguardente de zimbro que o meu fígado ainda às vezes recorda. Cruzei-o ontem, aqui na praia. Disse-me estar a preparar-se para ir a S. Tomé, onde está em construção um centro de formação do CLCC. Eu não sabia o que era. Ele esclareceu: Clube Lusófono dos Crentes na CPLP. “Vou lá para a semana, antes que o Marcelo se adiante”. É prudente. Tem futuro, o Sebastião, podem tomar nota.

Modo e tempo


A ocasião era triste, há uma semana. As palavras do sacerdote, ditas na circunstância, não tinham gongorismos. Encerravam a simplicidade das coisas bem ditas, porque bem pensadas, sem a menor teatralidade. 

Como vivo essas cerimónias “de fora”, sem a menor sensibilidade à dimensão religiosa do ato, procuro isolar a parte da mensagem que resulta universal, isto é, aquilo que pode servir a crentes e não crentes. Aprendi que, das reflexões sobre a vida, quase sempre se pode extrair lições úteis, se o que é dito não estiver encriptado por um irredutível sectarismo filosófico. Sou frequentador apenas episódico dos momentos religiosos, a que sempre e só vou por deveres de respeito social, em ocasiões alegres ou tristes, nunca de obediência ritual. Às vezes, confesso, passo por imensas “estopadas”, que aturo com paciência protocolar. Porém, em outras circunstâncias, dou o tempo por bem empregue.

Foi o que agora aconteceu. O sacerdote falava do caráter “democrático” da vida, do facto de a todos nós serem proporcionadas, por igual, 24 horas em cada dia, competindo-nos, de certo modo, escolher como as usar. Esse foi o mote: o modo de empregar o nosso tempo. O discurso era feito de expressões comuns, não trazia preso a ele nenhum determinismo, eram palavras abertas, para pessoas livres, a quem apenas – o que não é pouco – se pedia sentido de responsabilidade na relação com os outros.

Por um acaso, eu havia cruzado aquele sacerdote há já alguns anos, em tempos seus bastante difíceis, porque as maleitas tocam a todos, ele não escapara a elas e eu fora ocasional testemunha desses seus dias complexos. Guardei, de então, a sua serenidade magnífica perante o que a vida podia trazer-lhe ao virar da esquina, desde logo, a hipótese da morte. Impressionou-me a calma com que, em contexto de total incerteza, olhava as coisas e as pessoas. Admirei-lhe a cultura sem alardes, o humor e o espírito fino de ironia consigo mesmo, a postura de quem se olhava sem magnificar o seu papel – e tenho visto como a sua figura é, afinal, tão importante para muitos. Percebemo-nos desde o primeiro instante, desenhando com facilidade o terreno que nos era comum, que afinal era imenso. Criámos amizade, visito-o, desde então, sempre que posso, leio muito do que publica.

Nesse dia, ouvi-o, pela primeira vez, numa homilia, porque coincidiu ser ele a celebrar a cerimónia a que eu devia estar presente. Foi na igreja do Cristo Rei, no Porto. Gostei muito das palavras do meu amigo frei Bernardo Domingues.

quinta-feira, agosto 02, 2018

Notícias da estação (1)


Ficou bem bonita, e dá imenso jeito, a nova ligação de Tróia a Setúbal, a recém-inaugurada ponte Bocage. Daqui a umas horas, irei por ela comer uns salmonetes de truz ao Poço das Fontaínhas (não vale a pena tentarem, já não há mesas para o jantar de hoje). Pena é que, àquela hora, não se consigam ver os golfinhos no Sado. Mas há, com certeza, gambuzinos pelo ar. Com este calor e em noite de lua cheia, os seus bandos veem-se mais do que bem.

quarta-feira, agosto 01, 2018

Ai não?!

- Olha lá! Não eras tu que te gabavas de ter um post por dia, no teu blogue, sem falhas, desde há cerca de 10 anos? Está a acabar quarta-feira e nada!

- Ai não?!

terça-feira, julho 31, 2018

O prurido dos Espírito Santo

Na zona da Comporta, há quem tenha saudades dos Espírito Santo. 

Não sei se se trata apenas de um mito rural, mas diz-se que, nesse tempo, havia desinfestações anuais dos mosquitos que nascem nos arrozais. E, com razão ou sem ela, credita-se essa ação aos Espírito Santo.

Hoje, quando, por ali, somos mordidos por um mosquito (e eles já chegam a Tróia). num restaurante ou numa esplanada, lembramo-nos logo do falecido grupo financeiro. É o prurido dos Espírito Santo.

segunda-feira, julho 30, 2018

24 horas na vida de uma mulher

Em casa do meu avô materno, no topo de um estante, havia um livro cujo título sempre me intrigou, mas que essa curiosidade, ainda de infância, nunca me levou a ler. Era o "Vinte e quatro horas na vida de uma mulher", de Stefan Zweig.

Há pouco, ao ver anunciada a demissão de Ricardo Robles, o vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, lembrei-me de Catarina Martins, líder do partido. E das suas últimas 24 horas. E pensei em como apenas um dia e um imenso erro podem ter consequências devastadoras. 

Não vou aqui repetir, sobre o episódio imobiliário de Robles, o básico: o cidadão Ricardo Robles tinha todo o direito de fazer o que fez, o militante do BE Ricardo Robles estava moralmente impedido de tentar o negócio, depois do que tem dito sobre a especulação imobiliária em Lisboa. Por isso agora se demitiu.

Mas estas 24 horas, na vida de uma mulher chamada Catarina Martins, acabam por ser um tempo imenso. Ela devia ter cortado cerce o problema, mal se conheceram os factos, retirando de imediato a confiança ao vereador. Ora, ao vir a terreiro apoiar Robles, com os argumentos algo arrogantes que utilizou, a poucas horas dele próprio perceber que tinha de se demitir, acabou por piorar tudo, agravando, por falta de sentido e de "timing" políticos, uma das maiores crises que o BE atravessou desde a sua criação. O partido vai ter agora de lamber as feridas, esperando que o dia de amanhã obscureça a memória dos seus potenciais votantes, que, por estas horas, exibem um penoso embaraço. Uma coisa é certa: o Bloco vai pagar um preço, à esquerda.

É que Catarina Martins deve preocupar-se, e só, com os impactos à esquerda daquilo que se passou. Mas, se quer um conselho, deve "estar-se borrifando" para a turba da direita que lhe caiu em cima, para a "autoridade" moral de quem acha que tem, por herança genético-social, aquilo que poderíamos designar como o "monopólio do usufruto do bago" e há muito se arroga o direito de ser uma espécie de juíz de coerência do outro lado da barricada. 

Vemos agora a direita aproveitar o balanço e contestar uma alegada "superioridade moral" da esquerda. De facto, concordo que invocar isso não passa de uma palermice sem sentido, sendo que é, no entanto, um tema muito antigo, que surge à baila de quando em vez. Mas talvez valesse a pena interrogarmo-nos: por que será que nunca se ouviu, por uma vez que fosse, alguém ousar defender a existência de uma "superioridade moral" da direita? Talvez não seja por acaso...

FHC

Há uns anos, numa livraria de Boston, vi à venda um livro de memórias, em inglês, do antigo presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso. Como já então vivia no Brasil, optei por não comprar o livro, tanto mais que me parecia ser uma espécie de síntese biográfica, “para americano ler”. 

Nunca mais pensei na obra, até que há semanas, numa excelente livraria de Brasília, na qual passeava com um amigo, ao falarmos de FHC (como no Brasil é conhecido), ele me perguntou: “Leste “O improvável presidente do Brasil?” “. Perante a minha negativa, ofereceu-me o livro - que é a tradução do volume que eu vira nos EUA. E as férias servem para isto: comecei a lê-lo ontem, acabei há pouco as suas quase 400 páginas. E fico muito grato ao Manuel Lousada por me ter proporcionado esta leitura.

Tenho forte admiração por Fernando Henrique Cardoso. Acho que a sua presidência, que antecedeu a de Lula, fez muito bem ao Brasil e à sua imagem no mundo. Tive o gosto de o conhecer relativamente bem quando lá fui embaixador, e ele já não era presidente, e, desde então, com alguma frequência, tenho-o encontrado por Lisboa, cidade de que muito gosta. Ainda há pouco tempo nos cruzámos num restaurante.

O livro é uma obra equilibrada e serena, com o natural auto-elogio de quem vive contente consigo próprio e com aquilo que acha, e bem, que fez pelo seu país. Não encerra grandes novidades (embora a mim me trouxesse algumas), mas o relato ajuda a melhor entender o seu percurso intelectual, académico e político - desde um período mais radical à sua conversão à social-democracia. E apoia-nos bastante, e de forma equilibrada, na leitura da história contemporânea do seu país.

FHC foi amigo de Mário Soares, é-o de António Guterres e de Jorge Sampaio. Porém - e isto representa muito do que é o Brasil, sem quaisquer juízos de valor negativos associados, mas apenas como mera constatação - no glossário do livro, entre os muitos países citados, Portugal não surge mencionado uma única vez (Soares aparece uma vez). São estes pormenores que nos ajudam a educar a nossa perspetiva sobre o que, na realidade, valemos para os outros, Brasil incluído.

domingo, julho 29, 2018

Com reserva de mesa


Com a morte de Jonathan Gold, ouviu-se, um pouco por todo o mundo, um coro de elogios a um dos críticos gastronómicos que terá marcado uma geração do setor. Escrevi “terá” porque, embora, durante alguns anos, eu tivesse metido uma colherada no tema, o meu conhecimento da figura era bastante escasso: havia lido alguns (poucos) belos textos dele, sabia alguma coisa sobre o seu percurso, em particular que era muito bom naquilo que fazia, mas era tudo.

Embora, até um passado recente, eu próprio tivesse escrito, por alguns períodos, sobre restaurantes, em três revistas distintas, nunca tive a menor veleidade de assumir-me como “crítico gastronómico”. Sei as minhas limitações e gabo-me de conhecer o meu “princípio de Peter” (e isto, para quem não saiba, nada tem a ver com o bar de gin da Horta), Quando muito, chamei a mim próprio “gastrófilo”, isto é, alguém que gosta de comer e não se importa de ter a ousadia de partilhar com outros as experiências que vai tendo na restauração profissional. O que agora continuarei a fazer, “pro bono” e do meu bolso, no blogue “Ponto Come”.

Ao ler algumas coisas que, a propósito da morte de Gold, apareceram na imprensa sobre as pessoas que escrevem artigos sobre restaurantes, dei comigo a pensar que fui sempre muito feliz, nos anos em que operei (e fui pago para isso) naquele domínio. É que em nenhuma, repito, nenhuma ocasião fui pressionado para escrever sobre um determinado restaurante (nem sequer a título de sugestão), tive plena liberdade para escolher aqueles que me apetecia visitar e jamais me foi feita a mais leve observação sobre o teor das minhas críticas. 

Vou deixar aqui, com o meu reconhecimento, os nomes das três pessoas que, nos diversos momentos, me “contrataram” para essa gostosa tarefa: Edgardo Pacheco (Sábado), Catarina Carvalho (Evasões) e Pedro Luís de Castro (Epicur). De todos fiquei amigo, o que acho mais importante do que tudo..

sábado, julho 28, 2018

A minha ida à lua


Não sou muito de luas, mas ontem, ao ouvir que a próxima “boa lua” só seria daqui a 105 anos, tive um sobressalto: esta lua, com eclipse e tudo, não me ia escapar! É que, daqui a 105 anos, o céu pode estar nublado e nunca se sabe. 

Porém, o evento lunar coincidia com um jantar em casa de amigos, cujo menu evito detalhar, porque o país, em matéria de inveja, já teve a sua dose de fim-de-semana com “a minha casinha” do Robles. Fui assim para o repasto, mas sempre com a cabeça na lua. Pelo caminho, fui olhando à volta, mas nada de lua! Do lado, no carro, ouvi, a ironizarem: “Não é um eclipse? Então não se vê a lua!”.

Chegámos. O jantar lá avançou, o champanhe que antecedeu um belo alvarinho estava no ponto de fresco. A conversa e as vitualhas (não insistam, não digo o menu!) foram marchando, até que, sobremesa passada (grande ameixas do quintal da casa e umas cerejas de truz, queijos e gelado à parte!), o apelo da lua foi maior do que eu. 

Fui ao jardim e o céu dali nada tinha de excitante. Voltei para dentro, pedi desculpa e saí para a rua. Lua, nada! Meti-me no carro, abri o tejadilho (às vezes, as coisas caem do céu) e fui andando até uma daquelas rotundas sem saída, aí a trezentos metros. Olhei para cima e lá estava ela, ao fundo, rosada como uma moçoila corada perante um piropo (é proibido, eu sei!). Gandalua! Como não sou egoísta, voltei logo à casa, ao pessoal do jantar, e convidei todos a virem comigo (de carro, claro!), ver a lua, cujas maravilhas de aspeto fui descrevendo. Todos se acomodaram, cintos postos e lá fomos, para uma viagem para ver a lua.

Arranquei e, 20 metros depois, não mais!, um dos viajantes do passeio à lua exclamou: “Lá está ela!”.  E estava! A “olhar para nós”! Estaquei o carro. Saíram todos. A gozarem-me. Afinal, a lua via-se dali, quase da saída da porta, e eu, antes, tinha andado 300 metros até levantar a cabeça e olhá-la. A missão lua acabou um minuto depois. Aviada assim aquela bem sucedida expedição astronómica, perguntei se alguém queria “regressar” casa, de carro! E não é que duas senhoras se instalaram no banco de trás, só para terem o gosto de andarem os vinte de metros, conduzidas por um embaixador humilhado?! Saiu-me cara, em dignidade, esta minha ida à lua!

Robles SARL



O excelente negócio feito pelo deputado municipal do BE, Ricardo Robles - se, como parece plausível, tiver cumprido todas as determinações legais - é de uma legitimidade cristalina. Numa economia de mercado, as coisas funcionam assim e as mais-valias obtêm-se dessa forma. Nada, mesmo nada, a objetar. 

(Digo-o com a “autoridade” de quem, há pouco tempo, fez um ”negócio” precisamente ao contrário, isto é, em que fiz menos-valias, em que perdi dinheiro. Mas isso sou eu, que nessas coisas, sou um completo “nabo”...)

Há, porém, um ligeiro pormenor que introduz uma nota de diferença, quiçá de imensa incoerência, a este episódio. É que o BE, e o próprio vereador, na sua (também legítima) contestação radical ao mundo capitalista em que vivemos, que já percebemos que abominam e não aceitam (mas de que, pelos vistos, alguns deles se sabem aproveitar, e bem), têm estado na primeira linha da denúncia do surto de “especulação imobiliária” que hoje se vive na capital.

Ora isto tem um nome, feio. Mas entrei num “zen” de férias, mesmo para a indignação. Deve ser da lua em eclipse que está aí a chegar...

sexta-feira, julho 27, 2018

Vamos a contas


Este não foi um ano fácil para o governo, em especial para António Costa, sendo que o primeiro mostra, a cada dia, ser um quase heterónimo do segundo. A tragédia dos incêndios, e bastante menos a comédia de Tancos, acabou com o estado de graça mas ficou longe de desgraçar o executivo. O otimismo abrandou, mas não afetou a economia, soprada pelas exportações, pelo turismo nas ruas, com ambiente externo e BCE a ajudarem, pelo menos até ver. Centeno, com visível gosto, atou as mãos a si mesmo no Eurogrupo em matéria de défice, embora isso não deixasse de ter consequências nervosas no equilíbrio interno da Geringonça. Empochadas as recuperações salariais, PCP e Bloco, percebendo que algumas margens orçamentais afinal existem e só não são usadas porque é preciso edulcorar a imagem do novo bom aluno europeu (que agora até já tem um sorridente retrato), fazem a coreografia vocal da pré-rotura, mas não passam a soleira de uma crise, cujo efeito de “boomerang” temem. O Bloco é entretido com notas emblemáticas e alguns fogachos legislativos fraturantes, que, aliás, ajudam o PS a sustentar ideologicamente a sua própria ala que dele está mais próxima. No seio dos comunistas, António Costa bem pode acender uma vela a S. Jerónimo, porque o que depois dele virá saudoso aliado dele fará. No meio, o presidente preside, numa filosofia de ação que fica cada dia mais clara e que, no essencial, se pode resumir assim: estar ao lado do que estiver a correr bem, nada fazendo para que algo corra mal e depois logo se verá. E não é que me ia esquecendo da oposição? No CDS, a novidade passou, o discurso é errático, umas vezes mais liberal, outras ultramontano, já a roçar terrenos estranhos. No PSD vive-se um ambiente shakespeareano revisitado por Gervásio Lobato, com boa vontade, por Feydeau. Há por ali dois partidos. A abada eleitoral autárquica afastou Passos Coelho, a província ajudou a eleger Rio mas este não pacificou as hostes, onde a aldeia de Asterix (que tem um incendiário Obelix e tudo!) acantonada no grupo parlamentar vive num sebastianismo que, cada vez mais me convenço, acabará por fazer voltar o governante preferido da “troika”. Vão tentar apear Rio até ao final do ano, temendo a “limpeza de balneário” que este fará em S. Bento. Não sei o que o PS deva temer mais: Rio pode não ter muito jeito, mas exala genuinidade e sentido de Estado, enquanto Passos é um agregador automático da Geringonça. Por mim, não tenho dúvidas: António Costa é um excelente primeiro-ministro. Ponto.

quinta-feira, julho 26, 2018

As férias e eu

Há qualquer coisa de muito íntimo entre as férias e eu. E como já percebi. em definitivo, que não são elas que necessitam de mim, só posso concluir que sou eu quem delas precisa. E muito!

Sá Carneiro


Mário de Sá Carneiro foi uma das mais originais figuras da nossa literatura poética, na primeira metade do século XX. Da geração da revista Orpheu, viria a morrer em Paris.

Quando fui embaixador em França, procurei fazer-lhe uma homenagem, com a colocação de uma placa na casa que sucedeu àquela onde viveu, perto do Jardin du Luxembourg, mas, por razões práticas que não vêm ao caso, isso acabou por não ser possível.

Vejo agora surgir entre nós uma polémica sobre se os seus restos mortais devem integrar o Panteão nacional, a par dos de Mário Soares. Esta ideia, nascida no seio do PSD de Lisboa, parece-me ter pouco sentido, embora seja de louvar este inusitado empenhamento literário da força política que carrega a social-democracia no seu nome. Sá Carneiro tem obra, reconheço que meritória, mas muito inferior à de outros cuja colocação naquele lugar nobre bem mais se justificaria.

Aliás, no caso de Mário de Sá Carneiro, o assunto está, à partida, de certo modo resolvido. O seu corpo desapareceu do cemitério de Pantin, onde fora depositado por ocasião da sua morte, em 1949.

Nestas questões, algum juízo de justiça relativa deve sempre prevalecer. Por essa razão, e com o devido respeito, permito-me estranhar que o senhor presidente da República tenha vindo a terreiro equiparar a figura de Mário de Sá Carneiro à do indiscutível fundador da nossa Democracia. E, talvez ainda mais, que o seu assessor cultural, Pedro Mexia, o não tenha aconselhado melhor, neste “faux pas” (obviamente) literário. Não se compara o incomparável!

quarta-feira, julho 25, 2018

Teorizar os copos


O Bloco de Esquerda, na sua “universidade” de Verão, defende o “direito à boémia: necessidade de vida noturna para produção e radicalização cultural”. Belo programa! Vamos ser claros sobre aquilo de que se está a falar: copos, música, noitadas, “piquenas” & “piquenos”, talvez com uns charros à mistura. É isso, não é? 

Não tenho a menor objeção! Cada um diverte-se como quer, desde que não atazane a vida aos outros, e só lamento que a minha geração, com a louvável exceção dos Situacionistas, nunca tenha levado a teorização das suas noites muito a sério. Agora, ponho-me a imaginar o que seria uma discussão sobre isto no “Bolero” ...

Ontem, comentava o tema, em tom (confesso!) jocoso, com uns amigos e alguém lembrou: “Boémia? Também o Hitler gostava dela”. Fiquei banzado! Para além da Eva Braun, a vida sexual e lúdica do Führer nunca pareceu ser muito animada. E perguntei: “Mas o Hitler gostava da boémia? Não sabia”. A resposta foi: “Essa agora! Então ele não achava que tinha o direito à Boémia e até à Morávia?”

Portugal de pequenotes


Anda por aí um Portugal de pequenotes, de espíritos mesquinhos, enfim, um certo país de imbecis - para usar uma palavra redonda e de sentido unívoco.

Ver figuras públicas jogarem à política mais rasteira com a tragédia dos fogos na Grécia, com algumas outras a inquirirem de cátedra sobre o custo e a oportunidade da nossa ajuda de emergência ao governo de Atenas, causa-me uma imensa tristeza, como cidadão. 

Um sentimento que é do exato tamanho da deceção, por não ver os líderes políticos que lhes estão próximos, bem como os responsáveis pelos órgãos de comunicação social onde essas palermices foram ditas, pedir, muito simplesmente, desculpa.

terça-feira, julho 24, 2018

“Cinco carates e meio depois...”


Há cerca de um ano, numa noite que recordo menos magnífica do que a de hoje, em temperatura e serenidade, neste país do nordeste da Europa, eu e alguns amigos demo-nos conta de que um dos nossos colegas, um conceituado gestor estrangeiro, parecia ter necessidade de desabafar qualquer coisa. O jantar tinha sido muito simpático mas, quando já grande parte do grupo regressava aos quartos, esse amigo fez questão de anunciar que ia fumar um charuto e beber “qualquer coisa”, convidando quem quisesse a acompanhá-lo. Estou certo que os leitores deste espaço não se admirarão se lhes disser que fui um dos “voluntários” para um “último copo” - eufemismo que, em regra, significa o primeiro de vários copos, os quais, aliás, só não são mais porque, nestas viagens, o dia seguinte é sempre de trabalho intenso e a meia-noite é a “Cinderella time” respeitada.

Esse colega, mais prolixo na conversa pelo fim da noite do que era habitual, explicou-nos então a sua “agitação”: acabara de regular, pelo telefone, os detalhes práticos da sua separação ou divórcio. Teria sido uma coisa complicada mas que, afinal, já não era a primeira, nem sequer a segunda! Assim, dizer que o “consolámos” funciona como um exagero. Mas lá estivemos à conversa com ele, acompanhados de várias cervejas, durante uma boa hora, ouvindo-o mais do que falando. E o assunto morreu, depois desses bons copos. Quase dele nos tínhamos esquecido.

Passou mais de um ano. Há minutos, depois de um dia de trabalho, seguido de um jantar da mesma natureza, regressámos ao hotel. “Would you care for a drink?”, lançou ele a três de nós, travando-nos no caminho para o elevador. E lá fomos para a esplanada do hotel, aproveitando a amenidade conjuntural do clima. Ele fumava outro charuto. Não era preciso ser vidente para presumir uma nova história no ar. E ela, claro, emergiu: o nosso amigo havia-se casado de novo! E a história, contada por ele, foi deliciosa, deixando-nos notas pitorescas do momento em que pediu em casamento a sua nova mulher (“casar várias vezes é magnífico, mas sai muito caro, acreditem!”), numa localização belíssima do Magrebe. Com muita graça, com detalhes de bom contador de histórias, descreveu-nos as cenas do ambiente das “mil-e-uma-noites” da proposta de matrimónio. E terminou com esta pérola: “E foi assim: cinco carates e meio depois, ficou convidada para minha mulher. E aceitou!”

Eu já tinha acabado as minha duas doses de “Belvedere”, um magífico vodka que por aqui se serve. Mas ainda deu para as juntar aos “Justierini & Brooks” (nome por extenso do JB, para quem não saiba) com que os meus amigos brindaram esta nova etapa do nosso parceiro desta noite e dos restantes dias empresariais. No final, cada um de nós regressou ao seu quarto, “dormindo sobre o assunto”, que é uma fórmula que os nossos diplomatas usam quando decidem atrasar o envio de qualquer coisa “a Lisboa”, para pensarem melhor no modo como vão reportar o que julgam saber. No meu caso, que já não tenho esses deveres nem cuidados, escrevinhei o que estão a ler, para agora ir dormir um sono dos justos que não aceito que não acreditem que sempre tenho.

segunda-feira, julho 23, 2018

... in corpore sano!


Via-os passar sob a minha janela, a quase obscenas horas matinais, em passo de corrida, através dos trilhos pedestres, entre arvoredos, de calções ou fatos de treino. Ou então de bicicleta, nas manhãs do sol que ia havendo ou sob nuvens cinzentas, com o frio a cortar a cara. 

Eram os meus primeiros tempos de vida na Noruega e, a espaços, ia sentindo alguma pena (embora nunca inveja) de não ser como eles, de não ter esse espírito desportivo, ativo, de sair correndo pelos campos, lutando para perder peso e ganhar o cansaço saudável que a atividade implica. Depois, com os dias também a correr, essa fugaz tentação passou-me e, refastelado num sofá, fui-me acomodando a ser como sempre fui.

Há minutos, aqui, também numa capital do norte da Europa, ao abrir as cortinas da janela do quarto do meu hotel, lá estava o parque, com elas e eles, saudáveis e vigorosos, sob este estranho calor que nos falta aí em baixo, correndo, correndo, correndo. 

Olhei-os com idêntica admiração, mas já sem qualquer pena (ou será resignação?). E fui à porta do quarto, receber o pequeno almoço, com o New York Times ao lado. O comodismo militante, aprendi, é uma das mais belas doutrinas de vida, deixemo-nos de histórias.

E agora, desculpem lá!, vou trabalhar, porque todos os vícios têm um preço.

domingo, julho 22, 2018

Ártico & outras conversas

Quando vivi, por uns anos, num país nórdico, havia por lá uma graça tradicional entre os estrangeiros: “Passaste cá o Verão?” Resposta: “Não, nesse fim de semana estive fora”. Agora, com temperaturas acima dos 30°, por bastante tempo, em zonas próximas do Círculo Polar Ártico, essa piada já perdeu piada.

Qualquer dia, ainda vamos ver excursões turísticas a avançar para a Sibéria, dando razão para alguma rapaziada nostálgica do PCP desculpar o Stalin e o clima no Goulag. 

Será assim uma coisa parecida ao comentário que, um dia, ouvi a um “facho”, que acumulava com o facto de ser parvo, sobre o Tarrafal: “Diziam que aquilo era mau mas, afinal, agora fizeram lá um empreendimento turístico, o que prova que o clima era saudável e que não havia fundamento nas queixas de quem era mandado para o Tarrafal”.

Três Dois



Há para aí um movimento de “recuperação” afetiva da Estrada Nacional número Dois, de Chaves a Faro, passando por Vila Real, fator ímpar de dignificação dessa rodovia que, infelizmente, tenho visto pouco destacado. Acho justíssimo! É uma estrada com troços belíssimos, que a mim me traz memórias de imensas viagens - e de grandes comezainas associadas, nesse mapa de Portugal de restaurantes que foi muito afetado pelas autoestradas.

Mas há mais Dois para além da estrada. Falar de Dois, lembremo-nos, é também falar da RTP Dois, esse excelente canal dirigido pela Teresa Paixão, onde passa grande parte do melhor que se exibe nas televisões portuguesas. Os portugueses muito ganhariam em estar mais atentos à magnífica programação da RTP2, onde, a cada dia, aprendo o mundo e sempre ganho as horas que por lá perco.

Mas só há estas Dois? A Dois, caros amigos, é também a mesa mais prestigiada, mais histórica (e só não digo mais “icónica” porque esta palavra, com “viral” e “alavancar”, faz parte da lista dos meus vocábulos de desestimação) do celebrado Bar Procópio, perto do jardim das Amoreiras. Pela Dois, reino do inolvidável Nuno Brederode, por bem mais de quatro décadas, passou todo o mundo, a vida política, o humor, as milhentas histórias, algumas “piquenas” de revirar olhos e atiçar memórias e, claro, muitos copos e algumas (escassas) vitualhas, tudo chegado àquela imensa e pequena mesa pelas mãos do grande Juvenal e, agora, desde há muito, do magnífico Luís, sempre sob a tutela da “sedona” Alice Pinto Coelho, que, por estes tempos, me chega que me acusa de falta de assiduidade. E tem toda a razão! 

É isto: há, pelo menos, três Dois, o que, soando a resultado de futebol, é muito mais do que isso.

Espanha - a direita vira à direita


O PP espanhol deu uma forte guinada à direita com a escolha de Pablo Casado como sucessor de Mariano Rajoy. Os “populares” foram sempre um partido bastante conservador, onde alguma herança de raiz franquista se sentiu frequentemente confortável. Aznar cultivou bastante esse discurso, mas Rajoy, não obstante ter feito uma gestão que soou a dura na questão catalã, ter-se-á assustado com a subida do Cuidadanos e descuidou a questão da identidade ideológica do PP. Em especial, alienou-se dos setores mais católicos, ao que se diz. O modo como foi afastado de Moncloa acabou por ser quase humilhante e isso foi mortal para as ambições da sua putativa sucessora. Os votantes populares não quiseram mais do mesmo e, com o recuo do galego Feijóo, deram espaço a Casado, como representante de uma nova geração e titular de um discurso diferente e motivador. Vale a pena, aliás, notar a renovação etária profunda que está a varrer as lideranças partidárias espanholas, ao contrário deste lado da península.

Com a escolha de Casado para titular a direita, numa nova linha influenciada por algum extremismo liberal e pelo grupo hiper-conservador Hazte oír, este focado na temática da família e da vida, o PP pode vir a procurar voltar a cavalgar, para além de um discurso ideológico muito mais conservador, o sentimento nacionalista, de raiz centralista e muito castelhana, que esteve muito presente na forte reação ao desafio catalão. As dúbias atitudes de Pedro Sánchez face a algum separatismo (que, lembremos, o terão ajudado a chegar a Moncloa) vão, com toda a certeza, estar na primeira linha da contestação de Casado ao governo socialista. E a Catalunha pode regressar rapidamente à boca da cena do debate político em Madrid. Interessante também vai ser observar se o radicalismo conservador deste novo PP se vai ou não alargar a um discurso populista, anti-imigrantes e refugiados, a que Espanha tem escapado nos últimos anos. (Pir cá, também, embora, no CDS, pela voz de Nuno Melo, tenha agora emergido essa perigosa deriva, na tentação de explorar um nicho de medos).

Resta saber se Albert Rivera, lider do Ciudadanos, cujo prazo de “novidade” política se está visivelmente a esgotar, a exemplo de Arrimadas em Barcelona, mas a quem as sondagens continuam a confortar, conseguirá vir a aproveitar esta radicalização do PP. É que se a isso somarmos a aparente evolução do PSOE que, no governo, surge com uma agenda vista por muitos como visivelmente colada à esquerda, aparentemente para tentar travar um Podemos que atravessou uma debilitante crise interna recente, Rivera pode ter agora melhores condições para “federar” a direita mais moderada (historicamente, em Espanha, o eleitorado que vota PP esteve sempre menos à direita que o próprio partido) e um centro que pode estar a ficar chocado com o que vê ocorrer à sua esquerda, isto é, no governo.

A vida política espanhola promete...

sábado, julho 21, 2018

Figo


Se se vier a confirmar que Luis Figo está disponível para ser presidente do (meu) Sporting, consideraria isso uma magnífica notícia.

Figo tem um reconhecimento e um prestígio internacional só superado pelo de Ronaldo, pelo que daria ao clube uma extraordinária projeção e acabaria por ser um formidável engulho para todos os adversários do clube. 

(A prova disso, como irão ver nas próximas horas, serão as acusações soezes e os insultos raivosos de que Figo será, com toda a certeza, objeto, e que, afinal, mais não serão do que “medalhas” qualificadoras do seu estatuto de candidato quase ímpar).

Os candidatos já anunciados que viessem a desistir em favor da candidatura de Figo dariam uma extraordinária mostra do seu sportinguismo.

Novo Banco, velhos vícios


Anuncia-se que o Novo Banco vai utilizar para nova sede o antigo espaço militar existente junto da rua da Artilharia 1, em Lisboa, talvez o mais cobiçado lugar imobiliário da capital.

Não conheço os contornos do negócio. Mas, até que alguém me explique isto tim-tim-por-tim-tim, eu, como contribuinte, sinto-me mais do que escandalizado pelo facto de uma instituição que, depois de todas as moscambilhas do BES (em que ninguém foi preso!), foi financiada com dinheiros públicos (alguns dirão, do Fundo de Resolução, e a esses eu respondo: está bem, abelha!), e onde parece que ainda vai ser preciso meter mais dinheiro, estar a mostrar esta largueza de meios.

E gostava muito de ouvir o que o governo tem a dizer sobre isto, até porque já não vivemos no tempo do Dr. Passos Coelho, a quem, num Verão que nunca mais esquecerei, ouvi afirmar friamente que o BES era uma coisa “privada”, em que o Estado se não metia. Era privada, era! Por isso é que lá meteu o Banco de Portugal, que é de todos nós, com uma administração de amigos nomeada e apoiada por ele, que gizou esta “bela” solução, que se tornou num sorvedouro constante e, pelos vistos, ilimitado dos nossos impostos. Situação que o atual governo apenas herdou, sublinhe-se.

Sou dos que percebem, sem a menor dificuldade, que há que ter um sistema bancário sólido e que a vida do país disso depende, pelo que o Estado tem de intervir. Mas não percebo por que não há-de haver uma visível contenção de gastos e uma clara parcimónia no comportamento da banca na sua atuação no mercado. Principalmente no mercado imobiliário...

É que se a venda da sede na avenida da Liberdade é um bom negócio, então igualmente o seria a alienação do espaço na Artilharia 1. Como quem não tem dinheiro não tem vícios, o NB poderia alienar esses ativos ir calmamente para uma periferia lisboeta, bem mais barata, e começar a pagar o que deve aos contribuintes, que não é pouco.

Mas pode ser que apareça alguém a explicar-nos tudo isto...

(TEXTO REFORMULADO)

Vergonha


Sobre o facto de, passado que já foi um ano, não ter sido esclarecido o caso de Tancos, com os respetivos responsáveis (os incompetentes guardas do material e os ousados gatunos) devidamente punidos, confesso, com toda a sinceridade, que não tenho a menor opinião sobre se a culpa é da tropa, da PJM, da PJ, do governo ou do Ministério Público.

Uma coisa tenho por certa: trata-se de um escândalo, de uma vergonha nacional que nos transforma numa “república de bananas”. Digo-o medindo bem todas as palavras, razão pela qual percebo muito bem a reação do presidente da República

À atenção de S. Pedro


Dizem-me que está a criar-se por aí um movimento de opinião e de massas no sentido de exigir a demissão de S. Pedro, atenta a sua reconhecida medíocre prestação, em matéria climática, em todo este ano.

Não sou tão radical, mas apenas por ora. Deixo assim um aviso: se, no dia 27, data em que inaugurarei a minha época de praia, tudo continuar na mesma, contem comigo para me juntar aos protestos. Quem não tem competência dá lugar a outro e não devem faltar por lá santos sem ocupação.

Há limites para a nossa paciência!

sexta-feira, julho 20, 2018

O Zé Bouza




Há dias, três embaixadores conversavam. Era uma cerimónia de entrega de uma condecoração. Comentei, a propósito, que, na minha vida diplomática, tive recorrentes dúvidas sobre as regras a seguir no tocante ao “lugar” e à ordem de colocação no peito dessas insígnias, quando as regras protocolares me obrigavam a usá-las. 

Sei que esta liturgia pode parecer ridícula para quem não é do “métier”, mas a verdade é que, se se vissem forçados profissionalmente a usar smoking, fraque ou casaca, logo perceberiam o embaraço. Qual a “hierarquia” das “placas” (aqueles chapões metálicos que cosemos à casaca)? As fitas das grã-cruzes ficam por fora ou por dentro, quando estão presentes chefes de Estado? E coisas assim...

Revelei então que, em algumas dessas ocasiões, já enfarpelado para as cerimónias, em lugar de recorrer “ao Helder” ou “ao Calvet” (autores de dois manuais diplomáticos que consagram esse bom-senso educado e consuetudinário que são as regras do protocolo), eu sempre telefonava ao Zé Bouza. Houve logo um coro: os dois outros colegas faziam exatamente o mesmo que eu!

Para quem não sabe, o Zé Bouza é o embaixador Jose Bouza Serrano, um colega diplomata que “sabe tudo” sobre protocolo. Além de ter chefiado o Serviço do Protocolo do Estado, o Zé escreveu uma “bíblia” sobre o assunto, num estilo pessoal que retirou muito do caráter académico da matéria, recheando o texto de pormenores da sua própria vida.

O José Bouza Serrano é um monárquico que serviu, com lealdade, competência e pundonor, esta República que lhe saiu em rifa histórica, desde um dia de outubro de 1910. Não sei se ele ainda acredita na “restauração” da coroa, mas tem um prazer imenso, nomeadamente nas redes sociais, em destacar as figuras que o Almanaque de Gotha, esse guia Michelin da aristocracia, regularmente recolhe, para memória dos fiéis, as “linhagens”, os nascimentos e os matrimónios, quiçá as separações e outros movimentos de sobressalto familiar, tal como as saídas eternas da cena da vida. Eu, republicano empedernido, jacobino e (para ele) cúmplice objetivo dos “mata-frades”, brinco sempre muito com estas coreografias do jet-set principesco e ofícios correlativos. Mas ele nunca leva a mal.

Esse meu colega deu-me, um dia, uma prova definitiva de grande caráter. Ele estava, na altura, colocado num determinado posto. Sabia-se, mas não pela sua boca, que a relação que tinha com o respetivo embaixador não era das melhores - e, conhecendo o bom feitio do Zé, a razão dos dissídios devia ser seguramente posta a débito do seu ocasional chefe. Em Lisboa, por alturas do Natal e Ano Novo, os colegas costumam reunir-se, mas o Zé, nesse ano, fez-se discreto. Nenhum jantar contou com ele, fez gazeta aos copos do fim de tarde. Tempos depois, perguntei-lhe porquê. A resposta foi um exemplo conjugado de profissionalismo e de educação, em suma, da gentileza de um grande senhor: “Não apareci porque tinha a certeza de que me iam fazer perguntas sobre o ambiente no posto. E como não queria dizer mal do meu embaixador, mas também não tinha vontade de mentir, achei que era melhor abster-me de ter essas conversas”.

Nas Necessidades, nos dias de hoje, o Zé continua a trabalhar para uma carreira a que sempre deu muito de si, às vezes com momentos em que, literalmente, “fez das tripas coração”, em tempos complexos que já lá vão. Mas onde, com todo o merecimento, também se soube divertir bastante, como é da lógica dos que sabem viver bem a vida. É uma jóia de pessoa, com um sorriso permanente, uma gargalhada fácil e sã, em especial quando ambos partilhamos alguns episódios caricatos de que fomos testemunhas bem humoradas.

Por que é que falo dele aqui hoje? Ora essa! Porque é o dia do seu aniversário. Um forte a muito amigo abraço de parabéns, querido Zé!

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...