domingo, fevereiro 16, 2020

Da Opinião à Cotovia


A Cotovia é uma editora ousada. Há meses, com a Imprensa Nacional, meteu-se na esplêndida aventura de editar as crónicas de Nuno Brederode Santos, uma iniciativa que, nada garantindo à partida vir a ser um êxito editorial, antes pelo contrário, mostra uma saudável responsabilidade cultural. Se já tinha uma simpatia pelo seu catálogo, ganhei, nesse momento, um maior respeito pela linha orientadora da ação da Cotovia.

Leio agora que a editora vai sair do espaço que ocupava, num edifício de montras largas, entre a rua Nova da Trindade e as Escadinhas do Duque. Passa a vender on-line e, claro, abandona o centro de Lisboa, uma zona da cidade que está cada vez menos amiga dos livros. (Há dias, andei pela rua da Misericórdia, ali perto, e constatei que, através das portas dos antigos alfarrabistas que conheci, se acede hoje a um mundo de comes-e-bebes quase só dedicado a turistas. Cada tempo tem os seus usos e a nostalgia não é para aqui chamada.)

A Cotovia sai de um lugar que, noutros tempos, conheci muito bem. Entre 1971 e 1980, aí funcionou a Opinião, uma aventura livreira e não só - era uma galeria de arte, vendia discos e havia um simpático bar no último dos quatro pisos.

Foi em finais de 1971 que comecei a trabalhar, não muito longe, no Calhariz, e a Opinião, criada logo em dezembro desse ano, era para mim e alguns amigos um lugar regular de pouso, ao final da tarde.

No bar, onde tenho na memória o vício de tomar Cuba Libre (bem à moda, por essa época), cruzei então várias figuras de uma certa intelectualidade lisboeta, alguma que tinha estado ligada à criação da Opinião e que, politicamente, andava dentro ou nas franjas do clandestino PCP.

Algum pessoal dos jornais vespertinos do Bairro Alto andava bastante por ali, com o “República” como vizinho. Foi na Opinião que o jornalista Carlos Albino adquiriu o disco que iria servir de senha do 25 de abril. Ali conheci Batista-Bastos, que trabalhava no “Diário Popular“, uma das figuras mais marcantes dessas tertúlias improvisadas, em fins de tarde agradáveis, que me atenuavam as horas de contabilidade que passava na minha atividade bancária.

A atividade da casa testava então as margens, cada vez mais estreitas, da “abertura” marcelista. Recordo bem uma conversa tida na Opinião com o historiador A.H. de Oliveira Marques o qual, a propósito da edição da sua História de Portugal, no dia em que foi ali lançada, me referiu uma conversa que havia tido com o próprio Marcelo Caetano, que o estimulara pessoalmente no empreendimento.

Às vezes, saíamos da Opinião em grupo, para espetáculos teatrais, sob a mão orientadora de Carlos Porto, o crítico de teatro do Diário de Lisboa, cuja mulher, Teresa, trabalhava na livraria, lado a lado com um amigo cujo nome agora me escapa, que antecedeu a chegada do Hipólito Clemente, que se tornaria na “cara” da Opinião até ao seu encerramento. Essas noites acabavam, em conversas e jantaradas, na Ribadoura, na Portugália e até no restaurante das bombas de gasolina da Rotunda da Encarnação. Não havia por li nenhuma particular boémia ou aventura, apenas um espírito de convívio e partilha cultural que, para o miúdo recém-entrado na casa do 20 que eu então era, constituia uma “porta” interessante para uma cidade que por essa via se lhe abria.

Depois, a tropa e a vida diplomática foram-me distanciando desse convívio, mas voltei sempre, regularmente, à Opinião, para saber de “novidades” livrescas, contando com a cumplicidade do Hipólito Clemente, que ali oficiou na segunda metade dos anos 70, para conseguir obter alguns livros menos “fáceis”.

Quando, em 1979, fui viver para a Noruega, combinei com ele as minhas regulares encomendas de “coisas” que fossem saindo e que a flexibilidade da utilização da mala diplomática me fazia chegar a Oslo, juntamente com os jornais. O acordo não durou muito tempo. A Opinião fechou no ano seguinte, sem hipótese de empréstimos bancários, porque, como dizia o Hipólito (e a Isabel dos Santos seguramente confirma), “a banca só empresta a quem o tem”.

Agora, nem Opinião nem Cotovia. Resta a curiosidade de saber que ramo de negócio irá ocupar o edifício. Há uns anos, recordo-me daquele espaço ter sido ocupado por uma atividade ligada a produtos eróticos. A cultura tem muitas formas...

sábado, fevereiro 15, 2020

Os americanos

Verdade seja que Trump na Casa Branca ajuda bastante, mas é patético ver algumas pessoas colocarem-se, “porque sim!”, contra os EUA, praticamente a propósito de qualquer assunto. 

Devemos ser contra os EUA quando tivermos razões para o ser, e há boas e frequentes ocasiões para tal, mas é ridículo fazê-lo por sistema.

Os ministros de Salazar


Há dias, estava a almoçar com um amigo num certo local de Lisboa e fiz-lhe notar que, ao nosso lado, estava um antigo ministro dos governos de Salazar. Era Pedro Soares Martinez, ministro da Saúde em 1962/63, hoje com 94 anos. 

Interrogámo-nos então sobre quantos mais colaboradores políticos do ditador de Santa Comba ainda existiriam. E concluimos que seriam apenas Adriano Moreira, ministro do Ultramar (1961/63), com 97 anos, e Mário Júlio de Almeida Costa, ministro da Justiça (1967/73), com 92 anos.

Ontem, outro amigo lembrou-se de João Dias Rosas, ministro das Finanças (1968/72). É tio do historiador Fernando Rosas e, na segunda-feira, faz 99 anos. São assim quatro, esses antigos ministros do Estado Novo.

Para que é que isto interessa? Para nada. Ou melhor, para a curiosidade de pessoas como eu, para os amadores de trívia.

A igreja e o referendo

A igreja tem todo o direito de expressar a sua oposição à eutanásia. Surpresa seria se o não fizesse. O que é estranho é que, depois de ter afirmado no passado que “a vida não se referenda”, surja agora a apelar ao referendo quando percebe que a relação parlamentar de forças lhe é desfavorável.

sexta-feira, fevereiro 14, 2020

Estupidez

A maior estupidez do debate sobre a eutanásia foi ter-se transformado o assunto numa trincheira esquerda-direita.

Trump no dia dos namorados


Não sei se discutir a política de Trump, como vou estar a fazer daqui a minutos num painel num pequeno-almoço de trabalho organizado para os associados da Câmara de Comércio Americana em Portugal é a melhor maneira de comemorar este Valentine’s Day. Ou talvez seja, porque, como ouvi uma vez a alguém, em Londres, “Ballantine’s Day is everyday”...

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Todos os nomes

Ontem, num grupo de amigos, veio à baila o novo líder do CDS. Melhor: o seu nome.

Alguém se perguntava: “Francisco Rodrigues dos Santos não será um nome demasiado longo para um líder partidário ser conhecido?”. De facto, há um costume de designar os políticos por dois nomes, contrariamente àquilo que frequentemente se passava no seculo XIX e mesmo com algumas figuras da Primeira República. Sá Carneiro só passa hoje a Francisco Sá Carneiro em alguns discursos dentro do PSD. Cavaco Silva deixou para trás o Aníbal bem cedo, como aliás perdeu o “e” logo no início do seu percurso: para quem não se lembrar, recordo que começou a ser designado por “Cavaco e Silva” (como, mais tarde, o seria “Marinho e Pinto”).

Se o jovem líder do CDS encurtar o nome para “Rodrigues dos Santos”, também se concluiu, vai ser uma confusão, quando for entrevistado no Jornal da Noite da RTP. Já havia aí boatos que eram familiares. E “Francisco Santos” não parece lá muito apelativo...

“E se continuasse a ser designado por “Chicão”? É um bom nome, forte”, alvitrou alguém. “Mas é mais para capitão de uma equipa de rugby, não é?”, disse outro. O humor não parou: “Sempre é melhor do que se chamasse Chiquinho!”. Mas logo se conclui que, em qualquer caso, é difícil a um jornalista dirigir-se a alguém por um “nickname”.

Uma pessoa que sugeriu que ele tentasse crismar a sigla FRS. Pelo ambiente em que estávamos, coibi-me de dizer que, politicamente, essa sigla não traz grandes memórias à política doméstica: era a Frente Republicana e Socialista, um “abraço” frentista liderado pelo PS, que acabou por não ser, longe disso, a “finest hour” socialista. Mas dadas as atuais ambições políticas do CDS...

Porque tenho estas coisas bem estudadas, expliquei que, em Portugal, as siglas de nomes de pessoas são muito raras. Pode dizer-se que apenas “pegaram” APV (António-Pedro Vasconcelos), BB (Baptista Bastos), PQP (Pedro Queiroz Pereira), EPC (Eduardo Prado Coelho), MEC (Miguel Esteves Cardoso) e, com bem menor popularidade, VPV (Vasco Pulido Valente), VGM (Vasco Graça Moura) e MST (Miguel Sousa Tavares). Alguém lembrou JJ para Jorge Jesus, mas a minha memória futebolística liga a sigla a Jacinto João, um antigo jogador do Vitória de Setúbal.

Portanto, a questão do jovem do CDS não ficou “resolvida”. E ninguém se referiu ao facto de José Manuel Durão Barroso, quando foi liderar a Comissão Europeia, ter artificialmente decidido impor o nome de José Barroso. “Fez bem”, dir-me-ia uns anos mais tarde um amigo meu de Bruxelas, “com a maneira como se deixou ficar nas mãos dos grandes países, manter o Durão seria de facto inadequado...”

Já estou a imaginar o que alguns leitores estarão a pensar: estes tipos não têm mais nada com que se preocupar? Ora essa! Falamos do que nos dá na gana e ninguém tem nada a ver com isso.

Malaca Casteleiro


Malaca Casteleiro foi um distinto linguista e professor universitário, com uma notável carreira académica, reconhecida pelos seus pares. 

Indicado pela Academia das Ciências de Portugal, foi o responsável, a par dos académicos brasileiros Antônio Houaiss e, posteriormente, Evanildo Bechara, pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa atualmente em vigor.

Malaca Casteleiro morreu há dias. Sabemos que o Acordo Ortográfico tem os seus detratores, pelo que se entende que, na hora da morte daquele professor universitário, estes não tenham querido saudar a sua personalidade, muito embora tivessem a obrigação de entender que o trabalho e a obra de uma vida não se resumem à intervenção numa negociação específica. 

Mas foi absolutamente miserável a campanha de ironias e expressões insultuosas que surgiu pelas redes sociais, na sequência do desaparecimento de Malaca Casteleiro, provando, se necessário fosse, que a baixeza reles está no ADN de alguma gentalha que por aí anda pelas caixas de comentários.

A RTP e o serviço público


A RTP 2 transmitiu, na noite de ontem, o documentário “Resistir à Cegueira do Mundo - Eduardo Prado Coelho”, realizado por Abílio Leitão, com importante apoio da RTP.

Tratou-se de um excelente tributo à vida e obra de uma grande e multifacetada figura intelectual portuguesa.

Àqueles que, com frequência, questionam a utilidade do serviço público da RTP deixo uma simples pergunta: que outro canal televisivo estaria disposto a ajudar à produção de um documentário desta natureza?

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

As surpresas do Presidente


Há menos de um ano, antes do ciclo eleitoral de 2019, numa intervenção perante políticos americanos na FLAD, Marcelo Rebelo de Sousa, como que num regresso pontual ao seu papel de comentador, prenunciou, também em face de uma comunicação social que ali não estava por acaso, que a direita iria em breve entrar num período de turbulência. Acrescentou então, numa mensagem deliberadamente sossegante para esse setor político, do qual fez questão de lembrar ser oriundo, de que ele próprio seria garante do equilíbrio do sistema, no caso da balança vir a inclinar-se demasiado para a esquerda.

O presidente é um bom analista, mas, olhando para o que então disse, quer-me parecer que a realidade acabou por surpreendê-lo. É que nem as dinâmicas à direita apresentam hoje os contornos que, à época, era legítimo pressupor, nem os socialistas acabaram por sair dessas contendas tão à vontade como então ainda se julgava possível.

Estou em crer que o modo como o parlamento se fragmentou preocupa bastante o chefe de Estado. Se ele não desejava, naturalmente, um PS com maioria absoluta, admito que já deva ter saudades da Geringonça. É que nada pode disfarçar que, como se viu na discussão do orçamento, a turbulência se instalou nos dois lados do cenário político.

Rui Rio sai do Congresso um pouco melhor do que alguns esperariam, num PSD que se revela como nunca um partido de autarcas. Com Montenegro cada vez mais desgastado, a oposição interna tem hoje como ponto sebastiânico de referência um longínquo Passos Coelho - e já se percebeu que este não tem apetência para regressar a jogo e apenas está disponível para tentar suceder um dia a Marcelo em Belém. Para já, Rio comprou tempo até às eleições autárquicas. Se então falhar, sendo que a medida disso será sempre muito discutível, há por ali uma mão cheia de “jovens turcos” prontos para a sucessão, o que também a não facilita.

O desfecho de liderança no CDS teve já muito a ver com a nova relação parlamentar de forças, com a disputa de um eleitorado polarizado pelo discurso extremado do Chega, que levou o partido a uma desastrada tentativa de cooptação de alas que passavam já as linhas vermelhas da decência democrática. O pânico da irrelevância é um fator de união, mas as feridas não parece terem ficado saradas para os lados do Caldas.

Há menos de um ano, o presidente mostrava-se inquieto com o futuro da direita. E se, afinal, os problemas do seu novo mandato surgirem de uma esquerda onde o PS já não tem a faca e o queijo (nem limiano) na mão?

terça-feira, fevereiro 11, 2020

segunda-feira, fevereiro 10, 2020

Eu e a eutanásia

Confesso que não tenho uma posição firme sobre a eutanásia, embora, por prudência íntima, alimente, à partida, uma predisposição bastante reticente na matéria. Mas, ao ver pessoas que respeito, e com filosofias de vida muito diversas da minha, favoráveis à ideia, admito poder rever a minha atitude.

Tenho, no entanto, uma firme certeza: sou 1000% contra a ideia de submeter esta questão (ou qualquer outra, diga- se!) ao demagógico instituto do referendo, um caldeirão fácil de preconceitos e emoções.

Portugal é uma democracia representativa. Elegemos para a Assembleia da República deputados que, em nosso nome, votam as leis, que passam depois pelo crivo do chefe de Estado e, se necessário, pelo Tribunal Constitucional.

Eu confio na democracia.

Caio em cada uma!


Desde há semanas que, em jornais e pelas redes sociais, vejo referências a um determinado livro de memórias. Não interessa o título, não interessa o autor. Hoje de manhã, numa livraria, o volume ali estava. Comprei-o. Mal o abri, constatei que a memória é daquelas que, com imensa originalidade, começa na escola primária e vai por aí adiante, numa inebriante sequência cronológica, que nos faz deparar, curiosamente, com o ano seguinte depois do anterior. A escrita revelava-se tão simplória que, num primeiro momento, lhe dei o benefício de poder querer ser mesmo assim, na busca deliberada do “telúrico” saloio, que faz um certo género. Mas não! A certa altura, a narrativa começa mesmo a tornar-se imparavelmente espessa, chata, penosa de leitura. A espaços de lucidez falhada, o autor ainda se desunha em tentar desenhar algumas flores de retórica estilística, as quais, logo na linha seguinte, cuida em enterrar num chorrilho de banalidades. Com esforço crescente mas boa vontade declinante, lá fui andando, até conseguir chegar quase a meio do volume. Mas, agora, foi demais! Parei, em definitivo, depois de ler esta pérola: “Pude constatar, com encanto, que as duas jovens, para além da sua beleza, tinham dentro de si uma não menor formosura”. Não, isto é demais! Caio em cada uma!

Dá-se um doce...

É necessário um imenso esforço de imaginação para se chegar ao nome em que Santana Lopes estava a pensar quando hoje disse na rádio que o “Aliança” poderia vir a ter um candidato presidencial.

domingo, fevereiro 09, 2020

O perigo das escutas


- Olá! Temos de falar.
- Também acho. Aquilo em Viana correu pior do que eu pensava.
- Bem se tentou agitar as águas, mas os tipos traziam as coisas bem oleadas.
- Assim não vamos lá! 
- Não há que desesperar. Temos é que definir uma estratégia clara para o futuro.
- Acho importante que fique assente o que vamos fazer com o Ventura. Começamos a trabalhar noutro nome? É que eu vejo o pessoal muito hesitante, depois da crise com o tal Abel e as conversas que os “chuchas” terão tido com o Caldas.
- Queres ir almoçar ao Salsa e Coentros?
- (Gargalhada). Depois de hoje, temos de cortar nos custos. Vamos aos Courenses...

Bolachas?

Há dias, vi um lugar vago para estacionar numa lateral da avenida da República. Achei que era sorte demais. E era: a placa dizia “Aliança”. Lembrei-me das ”Bolachas Aliança” e, só depois, de um “partido” unipessoal que teve o destino que se viu.

Confissão impopular

Ainda não me decidi sobre se Rui Pinto deve ser louvado pelo facto de ter permitido o acesso a informações que podem ajudar a pôr a nu grandes traficâncias e trafulhices, pelo que deve ser solto e pode ajudar as autoridades no combate às redes criminosas ou se é, ele próprio, um simples criminoso que, movido por interesses pessoais, praticou delitos graves na área do crime informático, que devem levá-lo a passar uns bons anos na cadeia.

Verdade seja que o facto de eu não ser adepto do Benfica ou do Porto não favorece muito a minha tomada de decisão.

É uma chatice, não é?


Sei que não dá jeito a algumas agendas, sei que vai haver logo gente a relativizar e desvalorizar isto, mas as coisas são o que são! É uma chatice, não é?

Bolas

Estão criadas as condições para que os próximos meses sejam preenchidos pelas polémicas do futebol. Os panfletos clubistas, que por cá fazem o papel de imprensa “desportiva”, e as televisões - infelizmente, todas elas - vão servir de palco a intermináveis debates, teorias conspirativas e acirramento dos confrontos. Se o país se quer maniqueu, que havemos de fazer? Podia-lhe dar para pior. Assim, dá-lhe para a bola.

OVNIs e outras distrações

É minha impressão ou anda por aí uma nova mania dos OVNIs? É uma espécie de coisa cíclica.

À margem do Lima

A hostilidade do “Observador” à linha de Rui Rio é manifesta em toda a sua cobertura do Congresso do PSD. Fica a ideia de haver por ali uma certa orfandade...

sábado, fevereiro 08, 2020

Populismo

Populismo é procurar explorar os instintos medíocres de quantos, não sabendo fazer nada, não querem que nada se faça. Populismo é pôr o parlamento ao serviço do imobilismo, degradando a imagem da instituição. Populismo é procurar travar o metro de Lisboa, apenas "porque sim".

Eu, o João e a Lampreia


A revista “Sábado” desta semana, em três belas páginas, explica que onde se come uma bela lampreia é na “Imperial de Campo de Ourique”. Onde é? Na rua Correia Teles, 67.

Ora eu, para mal dos meus pecados (por muito poucos que eles sejam, como é sabido!), não aprecio por aí além o ciclóstomo. Por esta altura do ano, sou desafiado por vários grupos de amigos para jornadas de lampreia. E lá tenho eu de explicar que o bicho nunca fez o meu género, que por isso não posso alinhar nessas alegres almoçaradas, confissão que faz subliminarmente baixar a minha cotação de gastrónomo (criada por outros, que não por mim, que sempre só me achei “gastrófilo”) e ser olhado, de forma piedosa, por esse seleto grupo de eleitos do gosto.

Mas voltemos à “Imperial”. Se fosse só pela lampreia desta época, o meu amigo João, um simpático minhoto da Barca que é dono da casa, nunca me apanhava por lá. Mas a “Imperial” tem muito mais coisas, que rodam ao longo da semana, saídas das mãos da serena dona Adelaide, trazidas às mesas pelo João e pelo filho Nuno. Ah! Quem espere luxos por ali, desengane-se: a “Imperial” é a simplicidade feita lugar.

É pelas várias propostas de cozinha tradicional portuguesa que por ali se servem, mas muito também pela amizade que, ao longo de anos, criámos com aquela simpática família, que, quase sempre uma vez por semana, por lá vamos parando para almoço (A “Imperial” só abre para jantares por encomenda, para quem esteja interessado). Jamais lá iria pela lampreia! Já agora, um aviso: se perguntarem ao João como está um qualquer prato, preparem-se para ouvir, invariavelmente, a sua expressão já clássica: “Um espetáculo!”

sexta-feira, fevereiro 07, 2020

Clima e mentalidades


Há não muitos meses, ouvi alguém com grandes responsabilidades dizer mais ou menos isto: a crise climática apresenta-se hoje já tão grave que, daqui por uns tempos, como única forma de salvar o planeta, pode vir a ser necessário impor medidas muito drásticas, que terão como consequência alterar radicalmente os nossos padrões de vida, criando muitos incómodos e suscitando fortes reações. A grande questão estará então em saber se os governos nacionais terão condições políticas para, em regime democrático, conseguirem levar à prática essas medidas, alegando “estado de necessidade”. E o meu interlocutor interrogou-se: e se os cidadãos - repito, em pleno exercício das regras da democracia - não aceitarem essas imposições, seja por egoísmo seja por não estarem convencidos de que essas soluções drásticas são, de facto, necessárias? O plano B, para salvar o planeta, terá então de passar à margem da democracia? Como? Manu militari? Ou, em alternativa, para respeitar a democracia, deixa-se o planeta “afundar”? Fiquei a pensar nisto.

Congresso do PSD


Viana do Castelo, este fim de semana

O Rio e o Monte negro

Desabafos

‪Hoje, ao perder a paciência com o funcionamento do meu computador, dei comigo a resmungar: “Quem me dera ter aqui o Rui Pinto!” ‬

Um país que não existe (2)

Ainda hei-de viver num país em que possa criticar abertamente o comportamento político e a atitude pública de uma mulher, com a mesma força verbal com que critico um homem, sem que ninguém me venha lembrar que essa pessoa é mulher. Mas esse país ainda não existe.

Um país que não existe (1)

Ainda hei-de viver num país em que possa criticar abertamente o comportamento político e a atitude pública de uma pessoa negra, com a mesma força verbal com que critico um branco, sem que ninguém me venha lembrar que essa pessoa é negra. Mas esse país ainda não existe.

Com que Europa?


Todos nos lembramos daquele período, após o colapso da União Soviética, durante o qual se criou, no mundo ocidental, a ilusão de que uma espécie de onda democrática se iria abater inevitavelmente sobre o planeta, num “template” de bem-estar, cooperação e respeito coletivo por uma ordem pactuada e dialogada. Era o “fim da História”, uma espécie de “amanhãs que cantam” liberais.

A ilusão foi breve, como são sempre todas as ilusões. A desaparição de alguns fatores constrangentes que a Guerra Fria tinha imposto ao mundo viria, afinal, a trazer ao de cima certas tensões abafadas, revelando feridas que não estavam fechadas, potenciando mesmo novos conflitos. Desde logo, no próprio continente europeu, como foi o caso da antiga Jugoslávia.

Por algum tempo, a Europa – ou quem falava em nome dela – achou que o seu projeto económico integrador, de inegável sucesso nos seus “trinta anos gloriosos”, estava à altura de todos esses desafios e podia finalmente transmutá-la, no novo circunstancialismo, numa potência política, não poupemos nas palavras, num grande poder mundial.

Acrescia que, do lado de lá do Atlântico estava um parceiro que, com ela, partilhava os mesmos valores civilizacionais, embora não deixasse de ser um forte concorrente económico. Mas a globalização, isto é, o capitalismo feito projeto mundial, aí estava para potenciar, quase sem limites de ambição, as vantagens da liberdade das trocas de tudo, numa fórmula em que “todos ganhavam” - desde o mundo desenvolvido àquele que procurava desenvolver-se. Além disso, surgia uma interessante janela de oportunidade estratégica: a Rússia estava em óbvia fragilidade, podendo mesmo ser objeto de alguma “cooptação” pontual e, lá longe, a China aparecia como um formidável mercado, cheio de oportunidades, com o ligeiro “senão” do seu intratável regime. Mas a Europa, e muito mais os EUA, já tinham dado amplas mostras de que, por “realpolitik”, os princípios não lhe atrapalhavam os negócios – das ditaduras petrolíferas do Golfo à África, da América Latina a alguma Ásia.

A ambição da Europa era legítima: aproveitar o declínio de Moscovo para fazer coincidir, cada vez mais, o seu projeto integrador com a sua geografia. Isso levou aos alargamentos – que se pensava irem ser uma espécie de “colonização” política do centro e leste do continente, mas que acabariam por ser, como quase todos os anteriores alargamentos tinham afinal sido, a importação de diversidades idiossincráticas que iriam influir na unidade funcional do projeto. E essa ambição fez mesmo caminhar os mais ousados para um aprofundamento com uma moeda comum no seu centro. Tocava-se assim já o “core” das soberanias e isso, para alguns, foi “a bridge too far”.

O mundo, contudo, não teve a gentileza de parar para deixar maturar o projeto europeu. Uma crise financeira mostrou as suas insuficiências estruturais, as vantagens distribuíam-se de forma não equilibrada, o gigantismo conduziu à emergência de crescentes clivagens internas. Medos vários, perceções diferentes sobre regras, vizinhanças próximas vistas de forma diversa, lutas pelo poder decisório, tudo isso abalou o projeto – o qual, repita-se, era magnífico. Enfim, nada de novo face a um passado, feito da prevalência de poderes nacionais, que alguns ingenuamente pensavam remetidos para o caixote do lixo da História, para usar a fórmula de Marx.

Com outros cenários a entrarem em convulsão, do Magreb ao Machrek, neste caso por evidente irresponsabilidade americana, com ondas terroristas, tensões migratórias, crises de refugiados e pulsões identitárias, a Europa acabou por ser fortemente sacudida. Um dia, Londres decidiu fazer o último dos “opt-outs” que sempre tinham deliciado os britânicos. Os EUA elegeram um líder que favorecia abertamente a desunião europeia, desprezava a aliança transatlântica e punha em causa o sistema multilateral. A Rússia torna-se mais agressiva e ameaça ser mais intrusiva. E, cereja no bolo da crise, as lideranças da França e Alemanha fragilizam-se. Com que Europa pode a Europa vir a contar?

quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Copianço

O país dá-se conta de que prevalece por cá um jornalismo “encavalitado” nos seus pares, vivendo de “furos” ou títulos alheios, explorando o trabalho dos outros, num “copianço” mais do que descarado? Algumas televisões, então, passam o tempo a citar jornais e revistas. Trabalhem!

Governo

Tenho uma plena solidariedade com este governo, que apoio e ao qual desejo uma longa vida. Acho que António Costa é, a uma distância abissal, a pessoa melhor preparada para ser e continuar a ser primeiro-ministro deste país. Dito isto, que fique bem claro: não me coibirei nunca de dizer, aberta e frontalmente, o que em cada momento pense sobre os rumos da governação e a ação dos nossos governantes. Está entendido?

Caridade

No dia de hoje, vou praticar um ato de caridade: não vou falar sobre o texto da Joacine Katar Moreira àcerca do “mulherio”. Apenas notarei, como disse Miguel Lobo Antunes, que a senhora perdeu a cabeça e ainda a não encontrou

O peso das palavras

A ministra da Agricultura pode pensar, em tese, que a epidemia acabe por ter efeitos colaterais positivos na nossa economia. Mas a sensatez recomendaria que evitasse dizê-lo. É como se, perante um atentado terrorista em Espanha, alguém dissesse: “Mais turistas vêm para cá!”

O Luís e o Procópio


O Luís, o esteio do “Procópio”, fez 50 anos. Caramba, como o tempo passa! Ainda me recordo dele, recém-chegado do Értilas, há vinte e tal anos!

Como cliente já com algumas “diuturnidades”, posso testemunhar que o Luís foi das “coisas” boas que aconteceu ao meu bar de estimação. Sereno, simpático, educado, atento, impecável no serviço, tornou-se amigo de todos os que passámos pela “catedral” da “Sedonalice”. Há muitos anos que ele é uma das grandes referências daquela casa.

Um forte abraço de parabéns, Luís! Aos 50, a vida acaba de começar...

(roubo esta fotografia à Sofia, como “vingança” de me não terem chamado para a festa)

Blogue

Estou a começar a ficar preocupado: estou a ter um número crescente de visitantes diários aqui blogue. No passado, isto só me aconteceu quando a direita estava no poder...

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

OGE

A aprovação do OGE está a transformar-se num palco de negócios políticos obscenos, com toda a demagogia à solta. Rio teme dar parte de fraco, o CDS já não conta, o Bloco anda ressabiado e o PCP tinha fama de ser mais coerente. Os outros três “da vida airada” são apenas isso mesmo.

Retrump

Os democratas sabiam que a destituição de Trump era inviável, dada a relação de forças no Senado. Esperavam que o desgaste que o processo lhe iria provocar favorecesse uma candidatura forte do seu lado. Nada disso aconteceu e, agora, “o que não mata engorda”. Trump fica até 2025.

O jornalismo a que temos direito

Em alguma da nossa comunicação social, vivem-se tempos similares aos do “Diário”, o jornal do PCP: reduzida diversidade opinativa nas redações, ascensão dos “his master’s voice”. Às vezes, nem se trata de agendas políticas, mas de quem faz ganhar mais dinheiro, mesmo sem ética.

Saudades dos jornais

O tempo em que se dizia “se veio no jornal é porque é verdade” acabou. Os média já admitem que a pressão concorrencial os obriga a publicar de imediato o que recebem, nomeadamente das agências, com ou sem o cobarde “alegadamente”, sem “checkarem” a fiabilidade das notícias. Tempos tristes, estes.

O CDS e os cravos


Há uns anos, quando era embaixador em Paris, decidi comemorar o 25 de abril convidando para um almoço na embaixada os representantes dos partidos políticos portugueses em França. Ali tive pessoas do Bloco de Esquerda, do CDS, do PCP, do PS e do PSD. tudo pessoas com as quais tinha, aliás, uma excelente relação pessoal.

Os partidos políticos são a cara institucional da democracia. Não foi por acaso que a ditadura salazarista sempre diabolizou os partidos, como igualmente não é por acaso que o discurso populista que anda pelas redes sociais - quase sempre travestido de demagógica “indignação” - os tem por alvo constante. Os “bons espíritos” encontram-se sempre.

A homenagem que então quis prestar às forças partidárias representadas na Assembleia da República fazia-se na comemoração da data da liberdade.

À chegada à mesa, cada convidado tinha um cravo vermelho ao lado do seu lugar. O representante do CDS foi o único que recusou a flor. Impressionou-me o gesto de repúdio, mas aceitei-o. Embora eles não saibam, e nunca o possam entender, o 25 de abril também foi feito para aqueles que dele não gostam.

Os inglusos


Formam uma raça à parte, uma espécie de casta, embora pálida e sem turbante. Representam-se como o genérico lusitano de uma elite. Não se juntam muito entre si, porque são de tempos diferentes ou porque os feitios e os afetos os fizeram conflituar e, vá lá!, porque todos têm o individualismo como o único modo filosófico de vida que é “bem” adotar. Alguns já não vão para novos, outros assumem uma postura eterna de maduros, outros são velhos há muito, embora sem disso se terem dado conta. Todos, um dia, por qualquer razão, atravessaram a Mancha, graças aos cabedais da família ou à ajuda da Gulbenkian. Tal como Baptista Pereira chegava a nado às praias de Dover, as braçadas burocráticas deles levaram-nos até às ruas de Oxbridge. Nas bibliotecas da sabedoria, nos claustros dos “colleges” ou sob o fumo dos pubs cruzaram por ali nomes famosos. Que hoje citam, claro. Passarinharam por cursos que, por cá, nem se imaginavam, fizeram teses definitivas, que lhes adubam o currículo com que arrasam a concorrência. Começaram todos - mas todos! - na esquerda, a maioria vive hoje na esperança de que a direita os perdoe desse pecadilho pouco original, afadigando-se em contribuir para a sua instrução - com artigos, com livros ou apenas com dichotes, mais ou menos espirituosos. Ainda não se percebeu bem o que lhes irá acontecer com o Brexit. Às tantas, ficam apátridas. Nasceram em Portugal (ninguém é perfeito!), mas mantêm o coração nessa grã-ilha a que pertencem, por direito natural. Idealmente, a maternidade do St Antony's College seria o seu berço óbvio, mas têm de contentar-se com o facto de S. Sebastião da Pedreira figurar no seu Cartão de Cidadão. Alguns falam e vestem como acham que os ingleses devem falar e vestir. Quando atingidos pelos "blues" da vivência nesta "piolheira" que lhes caiu em rifa natal, à falta dos couros de Pall Mall, vão tomar chá à York House, pelas tardes pardacentas. Adoram Churchill e os Church's. Escrevem (às vezes, bem), bebem (alguns já tiveram melhores fígados) e todos resmungam (de preferência, por escrito) contra este país onde não há um "Spectator" capaz, este lugar que verdadeiramente os não merece - no que têm toda a razão: Portugal nada fez de mal ao mundo para ter de os aturar. São os inglusos. Não são nem ingleses nem lusos. São uma espécie de náufragos do autocarro, mas do tempo em que a Carris era britânica. Não passam de uns expatriados, não de cá, mas de lá. Era justo que Boris Johnson se preocupasse com eles.

terça-feira, fevereiro 04, 2020

Um CDS novo a cheirar a velho


Acaba de se demitir da direção do CDS uma figura que, além de abertos elogios a Salazar e à Pide, tinha escrito esta ”pérola” sobre o 25 de abril: “Era preciso uma Revolução? O país crescia mais de 6 pontos percentuais por ano, a guerra do Ultramar estava ganha, havia emprego e estabilidade, Portugal era reconhecido internacionalmente, tudo estava calmo!”.

A mesma criatura chamou também a Aristides Sousa Mendes “agiota de judeus”, ecoando a raiva que a ditadura tinha ao diplomata que, contrariando as ordens de Salazar, decidiu salvar a vida a milhares de refugiados que procuravam fugir da França, sob o terror alemão.

Longe de mim negar a quem quer que seja o direito a ter aquelas ideias. Foi para isso que se fez o 25 de abril... aliás, contra a vontade dessa mesma gente! Mas um partido que se afirma democrático não pode ter, na sua direção de topo, uma figura daquele jaez. Ou, se a mantém, autoqualifica-se por simbiose.

Ora o CDS, o “novo” CDS, procurou até ao fim proteger politicamente aquele seu dirigente, claramente com o “olho” no eleitorado que pensa da mesma forma que aquela figura. Fica a suspeita, bem fundamentada, de que pretende concorrer no mesmo “mercado” político do Chega.

Com este incidente, o “novo” CDS ficou muito mal na fotografia. Se, ao ser confrontada com o conjunto de afirmações do tal cavalheiro, a direção (ia a escrever “centrista”, mas tive receio de que considerassem isso um insulto!) o tivesse logo posto com dono, teria dado um sinal de aberto repúdio face àquele tipo de posições. Pelo contrário, ao ser apenas “empurrada” pelo escândalo público instalado, procurando mesmo confortar a retirada da figura, deu a ideia de que, afinal, podia viver bem com ela na direção - não fora a circunstância do assunto ter tido a amplitude que teve.

Fica assim provado que o “jeunisme”, em si mesmo, não é uma qualidade, mas apenas uma deriva de sectarismo etário. E quando a isso se soma uma visível misoginia, disfarçada de opção por uma melhor “adequação” às funções, tudo fica ainda pior.

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

O carregador de bananas


“Só vou levar pão. Não preciso de cesto”. Comprar pão era a única tarefa da qual tinha sido encarregado por quem manda nestas coisas, lá por casa. Saco pequeno na mão, lá fui eu, corredores adiante, mas de olho guloso nas prateleiras. “Olha que belo shampoo em promoção!” Dava para segurar, mesmo sem cesto! Andei mais um pouco por ali. “E bananas? Ainda haverá, lá em casa? Pelo sim, pelo não...”. Coloquei-as junto ao peito. Estava quase a chegar à caixa, quando vi uma garrafa de “Rola” e pensei: “Este tinto vai lindamente com as alheiras do almoço!” 

E foi assim que fiquei na fila, uns minutos que pareceram imensos, atulhado de coisas que repousavam sobre mim, tudo já num equilíbrio mais do que duvidoso, com as mãos a abarrotar, sem um dedo livre para sequer poder vir a colocar a placa do “Próximo cliente”, depois da tralha da anterior cliente que, como todas as anteriores clientes, nos parece sempre levarem meia loja com elas, não se despachando como deviam.

Algumas senhoras da fila olhavam-me com uma ironia pouco discreta, num leve sorriso piedoso, a pensarem, lá para elas: “Este vem pouco ao Pingo Doce!” (Nem elas sabem da minha missa a metade!).

Foi então que aquele meu conhecido se aproximou. É um vizinho do bairro, reformado, figura que foi histórica nos meios ultra-conservadores lusitanos. Disse-me, com voz que se ouviu por ali: “Há uma teoria segundo a qual os homens são os mais renitentes a usar os cestos nos supermercados”. Ele ia de cesto, claro. Ainda pensei explicar os apelos consumistas cumulativos que me tinham conduzido àquela ridícula figura. Mas era tarde! Ali estava eu, a imagem viva a confirmar a sábia doutrina empírica!

Leões


Um verdadeiro sportinguista não leva a sério o facto de ontem ter perdido aquilo a que alguns chamam o terceiro lugar. O terceiro lugar não é coisa que nos incomode. O Sporting está bem acima disso. Os tempos não nos correm de feição? O Sporting tem todo o tempo do mundo à sua frente. Os clubes eternos são diferentes dos outros! Esses outros não percebem? Claro que não! Por isso é que essa gente não é do Sporting! E ainda bem!

domingo, fevereiro 02, 2020

Tolos

 
Estacionei o carro (Aleluia! Havia um lugar!), peguei no Ipad e no livro com fitinha elástica da Moleskine e dirigi-me ao escritório da empresa onde ia ter uma reunião. Esperavam-me, pelo menos, três horas de trabalho. Estava exatamente em cima da hora. Era raro acontecer-me ser tão pontual!

Foi a meio da tarde da passada sexta-feira. Perguntei pelo “dono” da casa. A simpática jovem da receção disse-me duas coisas, definitivas: que ele não estava e que não havia nenhuma reunião prevista.

Fui então à minha agenda eletrónica. Tinha-me distraído. De facto, a reunião era só na próxima semana. A data daquela sexta-feira tinha sido uma espécie de pré-reserva que eu tinha anotado, mas que não fora necessário utilizar e que eu me esquecera de “deletar”, como dizem os brasileiros. Erro meu! Má fortuna? Nem por isso!

Um imenso banho de felicidade caiu sobre mim. Ali estava eu, sem ter nada para fazer, com três horas livres à minha frente - rigorosamente livres! Três horas sem tarefas para cumprir eram uma vida! Feliz!

A menina que me atendia ficou estupefacta. Em lugar da minha reação ser de expectável aborrecimento, pelo trabalho que tinha tido de me deslocar até ali, de constatar que me tinha enganado e, por isso, de ter de mudar de planos, afinal, eu, pelo contrário, exibia um sorriso rasgado. Deve ter achado bem estranho!

Senti-me na obrigação de lhe dizer: “Perceba que acabo de conseguir ter três horas livres na minha vida, que as vou aproveitar para ir a lojas, comprar livros, beber um copo ou sentar-me num café a ler, sem pressas, um jornal ou uma revista“.

Ela olhava-me, um pouco incrédula perante a minha alegria, tentando interpretar se eu não estaria, afinal, a “fazer um número”. E, em desespero de convição, tentou atenuá-la: “Mas está a chover!” 

A jovem não me conhecia. Avancei então com um argumento de sabedoria, tributário da idade: “Nunca experimentou o prazer que é, com uma chuva miúda como a que por aí está, num dia como o de hoje, sem frio e sem vento, fazer um passeio sereno a pé, sem pressas, a apreciar o brilho giro que a chuva dá às ruas, ao cair da noite, juntamente com o “barulho” das luzes dos carros e das montras? Faça um dia isso e verá que não se vai arrepender!”

Olhei-a nos olhos e, mesmo assim, fiquei sem saber se ela tinha percebido. Infelizmente, acho que não. E imaginei que, dela para ela, deve ter dito: “Se calhar é por causa de tipos como este, que, pelos vistos, gostam de apanhar desta chuva, que chamam a isto “chuva de molhar tolos” “.

Blogues & ofícios correlativos


Entre nós, creio que os blogues entraram verdadeiramente “na moda” na viragem do século. Tratava-se de uma nova plataforma de escrita, que federava amigos e gente interessada no que os outros escreviam, estimulando o comentário e o debate. Tinha a vantagem de poder tornar-se graficamente atrativa, mesmo para os não iniciados nas artes informáticas.

Muita gente surgiu então pelos blogues: intelectuais, escritores, um mundo de pessoas anónimas. Nomes da imprensa apareceram a escrever em blogues, às vezes num registo de Dr. Jeckyll and Mr. Hyde. Outros, pouco conhecidos, viriam a criar aí a sua imagem, e a imprensa viria, posteriormente, a “apanhá-los”. Os blogues foram uma curiosa montra de talentos. A boa escrita de muitas pessoas só me foi acessível graças a eles.

Em Portugal, uma certa opinião de direita, mais radical e liberal, então menos opinativa na imprensa, encontrou o seu espaço no que então se convencionou chamar a “blogosfera”. Muitas figuras do neoconservadorismo partiram dos blogues. Alguns foram mesmo dos blogues para governos. Mas também a esquerda não desprezou a plataforma, longe disso. Verdade seja que os blogues e o seu estilo tiveram então muito a ver com os ciclos políticos e, em alguns casos, tornaram-se interessantes trincheiras da luta partidária: cáusticos, duros, até cruéis. Como os tempos impunham.

Chegou a haver bastantes blogues coletivos, com gente mais ou menos conhecida. Hoje restam poucos. Neles foi interessante observar os “desistentes”, muitas vezes cooptados para funções menos compatíveis com a continuidade naquele tipo de escrita. Ficaram os “resistentes”, algumas almas saudavelmente persistentes, empunhando com teimosia a bandeira.

E, claro, pulularam os blogues individuais, feitos para “solitários”, para quem não quer qualquer confusão com a escrita alheia ou se sente menos cómodo ao ver-se publicado ao lado de quem tem ideias em que se não revê. Conheço alguns! Muitos desses espaços individuais de escrita foram entretanto fenecendo: escrever para si próprio é escassamente estimulante...

Falando apenas de Portugal, acho legítimo concluir que chegou a haver por cá blogues de grande qualidade, alguns tendo dado mesmo origem a livros. E, para ser justo, ainda há por aí blogues bem interessantes, embora não muitos.

Há, porém, uma realidade, que é preciso assumir sem reticências: os blogues passaram de moda. Já ninguém fala nos blogues. E tempos houve em que os próprios jornais, recordam-se?, os citavam. Há uns anos, começava o meu dia pela consulta do que vinha publicado nos meus blogues favoritos. Hoje, passam-se dias em que não visito nenhum blogue, revendo alguns, e muito poucos, quase por atacado, aos fins de semana.

O mundo dos blogues mudou, entretanto, de natureza. Chama-se hoje blogue àquilo que mais não é do que uma montra de produtos comerciais, em lugar de ser uma montra de escrita. Se falarmos da palavra “bloguista” em certos meios, vêm logo à baila as divulgadoras de roupa ou acessórios, promovedoras de conselhos maternais, receitas culinárias e coisas assim. Mulheres, na maioria dos casos. Foi esta a evolução da blogosfera. 

Termino fazendo notar que resistem alguns blogues do passado - uns bons, outros maus, outros péssimos. A maioria dos que ficaram são apenas fonte de opinião, outros são puras tribunas de “fake news”, outros ainda são espaços de insídia e “vendetta”. Há blogues serenos, da mesma forma que há blogues excitados. Há blogues bem escritos, como há blogues escritos com os pés. Há por aqui de tudo, como na farmácia...

11 anos


Olhei há pouco para a data e era isso mesmo: 2 de fevereiro. Foi nesta data, em 2009, há precisamente 11 anos, que iniciei a escrita deste blogue. Fui agora ver as estatísticas. Mais de 4000 dias, nenhum dia sem publicar, pelo menos, um post. Foram mais de 7500 publicações, que originaram mais de 60 mil comentários, cerca de seis milhões e 500 mil visitas, oriundas de 185 países, numa média diária de leitores que hoje anda pelos 1400, dos quais 967 seguidores que recebem os posts à medida que são publicados. Até ver, vamos andando...

Arrependidos


O conceito de “arrependidos” tem várias conotações, algumas aceitáveis, outras à margem da decência. É destes últimos que quero falar.

Aqueles que, entre nós, tinham a idade de todas as aventuras ao tempo do 25 de abril frequentaram, por essa altura, algumas das “capelinhas” radicais em que, à época, a sociedade política se fraturou. A maioria era à esquerda, mas a direita teve também as suas.

O radicalismo de direita, do MDLP ao ELP, que eu desse conta, não trouxe ninguém para a esquerda. Quando muito, essas pessoas moderaram os seus “azeites” e passaram para o CDS ou para o PSD, e parece que ainda os há lá pelo Chega.

À esquerda, as coisas foram diferentes. Alguma gente que andou pelo extremismo dos tempos aúreos da Revolução distribuiu-se por diversos destinos.

Uma parte, parece que maioritária, ingressou na esquerda moderada, com o PS a ser a “casa” de acolhimento mais comum. (Sei do que falo).

Ao PCP, que nem faz parte da esquerda que aqui cuido em caricaturar, só “regressou” quem já lá estava ou, por algum tempo, se fazia de “amigo” no MDP-CDE.

Outros, menos complacentes, recusando-se a enterrar com facilidade a rebeldia que os cabelos brancos lhes aconselhava, tributários do maoísmo, do trotskismo ou saídos do PCP por via crítica, juntamente com alguns “vencidos do catolicismo”, com um certo “pintasilguismo” à mistura, acharam graça à ideia de andar pelo Bloco ou pelas suas franjas. Um amigo meu chama-lhes os “velhoquistas”.

Muita outra dessa gente dos “anos da brasa”, deixou-se de políticas e foi à sua vida, com o voto à esquerda como destino regular mais normal, embora com respeitáveis exceções.

Ah! Ninguém, de toda essa gente de quem aqui falo, tem hoje menos de 60 anos, note-se!

Houve também um número considerável de pessoas oriundas do extremismo de esquerda desses dias que decidiu seguir o caminho da direita. Quase todos, no entanto, eram militantes depois de abril, onde a luta contra o PCP lhes marcou fortemente os genes politicos. Nada a dizer dessa opção. A democracia é isso mesmo e a mudança de ideias, desde que feita por convicção e com sinceridade, é extremamente respeitável. Ver hoje pessoas saídas de grupos radicais dos tempos “de Abril” no PSD e até no CDS não me choca rigorosamente nada. Há-os bem estimáveis, tenho amigos entre eles!

Mas então, perguntará o leitor, a que propósito vem este texto e, em especial, o seu título? É que eu quero distinguir quem, com naturalidade, transitou para a direita democrática, mais ou menos conservadora ou liberal, e aquele núcleo de figuras que, não apenas fizeram essa deriva, mas que hoje se abespinham num novo e ácido radicalismo, numa fúria escrita ou vocal constante contra toda a esquerda, desde logo contra aquela onde empenhadamente começaram o seu percurso político ou a que evoluiu para registos mais moderados, nomeadamente na área socialista.

Esses são os tais “arrependidos”! Eles falam hoje da esquerda, em cujas catacumbas radicais estiveram e prosperaram nesse tempo, com uma espécie de assumido asco, com a falta de pudor com que um divorciado revela segredos de alcova de quem com ele se deitou. São cáusticos para com os antigos amigos que os não seguiram, têm o zelo feroz dos recém-convertidos, são os cristãos-novos do conservadorismo radical. Alguns tentam passar mesmo o rubicão filosófico, adotam, com fervor, os clássicos que em tempos zurziram, ficam extasiados perante os novoS “amanhãs que cantam” (agora os do liberalismo), bebem à pressa (é que eles já não vão para novos...) os teóricos que fazem as delícias de algumas “business schools” e da filosofia política que se ensina onde nós sabemos, amen!

Com o PSD caído nas mãos de Rio, com Passos Coelho em casa, com Marcelo imprestável para o seu projeto, com a “troika” que era a sua esperança posta com dono, com as agências de “rating” a parecerem ”feitas” com a Geringonça, com o diabo atrasado e Bruxelas a sorrir ao país, esses “arrependidos”, angustiados e deserdados do futuro, hoje mergulhados, de forma melancólica, em “blues” de alma que lhes atazanam o sono, estão agora a aproximar-se, ainda a medo, do que lhes chega do Chega, mas ainda não se decidiram se vale a pena ou não investir no Chicão.

Eles vão observando. Nós vamos topando-os.

sexta-feira, janeiro 31, 2020

Adeus, Caixa!


A minha primeira conta na Caixa Geral de Depósitos foi criada quando eu tinha creio que 13 anos. O meu pai era gerente de uma filial da Caixa, em Vila Real. Foi funcionário 47 anos. A Caixa era a sua vida e o seu orgulho. Morávamos no edifício da Caixa.

Era um tempo em que a Caixa era vista pelos seus depositantes como o banco mais seguro do país, onde os mais humildes depositavam, não apenas os seus bens mas, igualmente, a sua confiança. A Caixa era uma imensa pessoa de bem.

Em 1971, fazendo uma surpresa ao meu pai, fiz um concurso público e, a meio do meu curso universitário, entrei para funcionário da Caixa. Foi o meu primeiro emprego no serviço público, onde fiquei, com imenso gosto, 42 anos da minha vida. Creio que data dessa altura uma nova conta que por lá ainda tenho, onde, desde então, os meus salários e a minha reforma sempre foram depositados. Até ao final deste mês.

Durante anos, a Caixa Geral de Depósitos (que então se chamava também “Crédito e Previdência“) foi, para mim, o sinónimo de banco. A minha afetividade pela Caixa era imensa.

Até um dia, até ter começado a ser “agredido” pela Caixa.

Há uns anos, assisti ao espetáculo degradante de ver uma pobre senhora de aldeia gritar, numa dependência da Caixa, em Vila Real. Queria levantar um dinheiro que tinha depositado mas, afinal, tinha-lhe sido impingido, anos antes, um “produto” e, para o movimentar no final da maturidade, tinha de perder parte do capital. A senhora não tinha lido o “small print”. Desmaiou e foi necessário chamar o 112, perante a revolta de quem por ali estava. Fiquei escandalizado, saí dali e queixei-me a pessoas que conhecia na administração da Caixa. Nada aconteceu! Meses mais tarde, um funcionário, a quem contei o episódio, comentou: “Se soubesse o que somos obrigados a induzir os clientes a comprar. Às vezes, até tenho vergonha...”

A Caixa, nos últimos anos, tornou-se, a meu ver, nos dias que correm num dos piores bancos portugueses. Se não mesmo o pior. As suas comissões são obscenas e a qualidade dos serviços bateu no fundo. Há muito tempo que não tenho uma experiência medíocre sempre que recorro aos serviços da Caixa: são todas más!

A Caixa foi recapitalizada pelo Estado (isto é, também por mim e por si, que me lê). Em troca, a Caixa comprometeu-se a comportar-se exatamente como qualquer outro banco. Logo, a Caixa não pode financiar, com quaisquer vantagens, as políticas públicas, nem se sente na obrigação de manter uma rede de âmbito nacional, nomeadamente em locais de onde não extrai lucros, mas onde se pensava que pudesse exercer uma presença de serviço público. Tem de reduzir balcões e pessoal. Mas então, se a lógica é a Caixa funcionar como qualquer outro banco, por que diabo o erário público tem de colocar lá dinheiro? Eu, como contribuinte, não quero ser banqueiro. Mas, dizem alguns, é importante ter um banco do Estado! A mim, confesso, não me apetece ver a Caixa privatizada, apenas por um reflexo ideológico. Mas, intimamente, por muito que puxe pela cabeça, não consigo vislumbrar, com o atual modelo de funcionamento da Caixa, qualquer vantagem em tê-la pública. Para me explorarem nas comissões e depois darem parte dos lucros ao Estado? Talvez preferisse que me baixassem as comissões e os impostos. Mas estou aberto a ser convencido.

Nos dias de hoje, chega-se a uma dependência da Caixa e as filas desestimulam-nos logo dessa triste ideia que tivemos. Ligar pelo telefone para lá é uma missão impossível. Há semanas, estive numa dependência e os telefones tocavam, sob a olímpica desatenção geral. Dizem-me que é a regra. Uma das chamadas desse dia era minha, ali ao lado. Nunca foi atendida. Alguma rapaziada, entretanto, conversava jovialmente e uma parte saía para almoçar...

Há meses, cansado de mudar de “meninas“ que me vinham a impor, sucessivamente, como “gestoras de conta”, tentei mudar de local de agência. Fui ignorado, mesmo depois de vários pedidos. Ando nisto há quase um ano! A Caixa anda a gozar comigo...

Hoje, dia em que a Caixa anuncia que teve lucros de 776 milhões de euros, estive aí uns 45 minutos à espera, numa linha telefónica 707. No final, ninguém me atendeu. Paguei quase seis euros. A Caixa não tem vergonha de sujeitar os seus clientes à exploração das chamadas de valor acrescentado? Vale tudo para ganhar dinheiro, é?

Tenho imensa consideração pessoal pelo Dr. Paulo Macedo, um qualificado gestor graças a quem, noutras funções que exerceu, o fisco é hoje mais eficiente e todos pagamos os medicamentos mais baratos. Mas tenho que confessar que perdi, por completo, a confiança na instituição que hoje dirige.

Depois de quase seis décadas de cliente da Caixa, daqui a dias vou encerrar a minha conta, vou pedir à Caixa Geral de Aposentações para alterar o destino da minha reforma e vou mudar de banco. E levo a família comigo. E alertarei os meus amigos.

Pelos vistos, a Caixa acha que lhe não faço falta, como cliente. Eu, como cliente, também acho que a Caixa, a ”minha” Caixa de sempre, deixou de me fazer falta. Estamos quites. Podemos “desquitar-nos”

Deixo assim de ter “dinheiro em Caixa”. Creio que o meu pai, que entrou para a Caixa em 1929 e saiu em 1976, me perceberia. Talvez com alguma tristeza, como é hoje a minha.

No comments!


Brexit


Ontem à noite, debate na TVI com o presidente da Confederação Empresarial Portuguesa, António Saraiva, moderado por Carla Moita, sobre as questões suscitadas pelo Brexit

Pode ver extratos aqui

Gente Livre


O Livre afastou Joacine Katar Moreira, que passa a deputada independente. Joacine nunca teria sido eleita se o Livre a não tivesse apoiado e o Livre, pela certa, não teria elegido ninguém se não tivesse escolhido uma pessoa como Joacine. Ambos pensaram ter acertado. Enganaram-se. É a vida! Que importância é que isto tem?

O reino


Foi em 2016, em Londres, no caminho para o aeroporto, num “mini-cab”. Viviam-se os tempos anteriores ao referendo sobre o Brexit.

Perguntei ao motorista o que é que ele pensava da possibilidade do Reino Unido vir a sair da União Europeia.

O homem, de tez escura e sotaque iniludível, tinha ideias firmes sobre o assunto: nas últimas eleições tinha votado pelo partido anti-europeu UKIP, por achar que havia toda a vantagem em que o país abandonasse “essa coisa de Bruxelas”. E logo acrescentou: “Não sei de que país o senhor é, mas nós já estamos cheios de estrangeiros, não queremos cá mais”.

Expliquei que era português, mas que não vivia no Reino Unido. Ele comentou, pouco afável: “Há já cá muitos portugueses”.

Deixei “pousar” a conversa. “Onde é que nasceu?”, perguntei, minutos depois. O homem: “No Sri Lanka. Vim há 11 anos para cá. Tenho nacionalidade britânica”. Não me enganara e não resisti a comentar: “Como a raínha...”

Um cidadão da Comunidade britânica, como era aquele motorista, sentia-se “um deles” (lembrei-me da expressão clássica de Margareth Thatcher: “one of us”). E “eles”, sentiriam o mesmo?

Estrangeiro, para aquele homem, era um português ou um grego que, graças a “essa coisa de Bruxelas”, andava a disputar-lhe os postos de trabalho.

Semanas depois, no referendo, esse meu motorista ocasional iria votar “leave”. Ao seu lado, exatamente com o mesmo sentido de voto, iriam estar milhões de cidadãos nascidos e residentes fora das grandes cidades do Reino Unido. Essa sua atitude era, entre outras razões, o resultado dos crescentes receios contra a imigração, nomeadamente de pessoas como o meu motorista, o qual, por outro motivo, iria também ser favorável ao Brexit.

A graça do mundo é que ele nunca é linear.

As cidades sob a chuva


Se não me engano, aqui por Lisboa, ao longo de todo o dia que agora acabou, não parou praticamente de chover, numas horas mais, noutras menos, às vezes uma chuva miudinha, outras apenas “de molhar tolos”. Como foi o meu caso...

Em geral, não gosto de Lisboa com chuva. Lisboa é uma cidade que rima mais com o sol. Já o Porto, pelo contrário, tem uma beleza muito rara quando chove. Por isso, nunca concordei com a “tese” geral daquele poema de Manuel Alegre de que “são tristes as cidades sob a chuva”. Há de tudo, há cidades bem alegres sob a chuva.

Tudo isto para chegar a Londres, a cidade que amanhã se despede da União Europeia, embora os cidadãos dessa cidade - aliás, como os de Manchester, de Liverpool, de Brighton, de Leeds, de York, de Edimburgo, de Glasgow, de Cardiff, de Bristol ou de Belfast - tenham votado maioritariamente para continuar no clube europeu. 

Não sei se amanhã vai chover em Londres, mas, mesmo que assim aconteça, é bom que se note que a capital britânica é das mais belas cidades do mundo precisamente quando chove. E nunca é uma cidade triste. Ou talvez o seja, amanhã.

quinta-feira, janeiro 30, 2020

Brexit


Pelas 21.30 de hoje, vou estar na TVI 24 a discutir o Brexit.

Os novos privatizadores


Andam por aí uns patuscos a querer a RTP em mãos privadas. A ideia regressou, outra vez.

Nos “Bilhetes de Colares”, A.B. Kotter (aliás, José Cutileiro) tinha uma personagem com uma monomania: um projeto para a privatização dos cemitérios. Por que não vão por aí? Sugiro mesmo que comecem pelo do Vimieiro, lá para Santa Comba. Pelo menos, o debate sobre o tema teria a vantagem de ser feito dentro da mesma família política.

A oportunidade

Agora que estão a vir “à tona” alguns notórios fascistas, a direita democrática portuguesa tem uma oportunidade para “limpar a casa” e deixar claro que não se deixa confundir com essa escumalha política. Vários amigos meus desse setor já marcaram as suas distâncias. Excelente!

Os bens

Eu até nem faço parte de quantos acham que se deve entrar num processo de devolução daquilo que saiu das antigas colónias. Mas gostava de notar, para quem parece andar distraído, que isto é um debate internacional com largas décadas. E também não ouviram falar dos Elgin marbles?

A saudade

Não é irónico constatar que a malta que diz "vão para a terra deles" é a mesma que dizia que a terra deles era nossa?

quarta-feira, janeiro 29, 2020

Nacionalidades


Há muitos anos, na Noruega, exerci as funções de cônsul de Cabo Verde. Através de um protocolo de cooperação entre Portugal e Cabo Verde, a secção consular da nossa embaixada prestava assistência aos muitos cabo-verdeanos que viviam naquele país, que eram aliás muitos mais do que a comunidade portuguesa, que não chegava a duzentas pessoas.

Fui então a muitas festas de Cabo Verde, dei “pontapés de saída” em jogos de futebol entre diferentes equipas dessa comunidade e, principalmente, fiz ótimas amizades no seu seio e ganhei, para sempre, um grande respeito pela diáspora de Cabo Verde, bem como pela singularidade daquele fantástico país africano e atlântico.

O “chefe” da comunidade cabo-verdeana era então um jovem operário, com imenso prestígio entre os seus compatriotas, que tinha obtido, ao final de alguns anos de residência, a nacionalidade norueguesa.

Um dia, procurou-me na embaixada e entrou no meu gabinete de lágrimas nos olhos. Tinha ido a uma repartição norueguesa e, por um motivo qualquer, havia tido um dissídio com um funcionário, constatando que estava a ser tratado como se fosse estrangeiro. Mostrou então o seu cartão de nacional norueguês, recebendo do interlocutor a seguinte resposta: “Você pode ter cidadania norueguesa, mas a sua pele é a mesma”. Aconselhei-o a apresentar queixa e ajudei-o nessa diligência.

Lembrei-me disso, por estes dias. Podemos ou não gostar de Joacine Katar Moreira (eu, em regra, não gosto das atitudes da senhora e não dispenso o meu pleno direito de não gostar e de contestar que, por essa razão, algum imbecil me chame racista), podemos concordar ou não com as suas ideias e propostas (eu raramente concordo), mas configura uma atitude de abjeta xenofobia, indigna da nossa democracia, insinuar que ela “não é bem” portuguesa, no usufruto que faz dos direitos que a sua nacionalidade lhe atribui. Direitos em que se inclui, vale a pena lembrar, a liberdade de ela dizer todas as barbaridades que lhe venham à cabeça, desde que o faça dentro da lei. Chama-se a isto, para quem não souber, Estado de direito.

O preconceito anda por aí à solta, cada vez com uma cara mais política. Devemos estar bem alerta.

A classe política


Recordo-me que Jorge Sampaio detesta o conceito de "classe política" e se irrita quando ouve a expressão. Percebo esta reação, na perspetiva de que um grupo de pessoas que, por via eletiva, ocupa cargos públicos ou aspira a fazê-lo está longe de configurar uma ideia de "classe", ainda que numa perspetiva apenas homóloga das categorias a que a ciência política nos habituou.

Quando por vezes se fala dos atuais ocupantes do nosso Parlamento, surge à memória coletiva de alguns uma espécie de nostalgia sobre a qualidade dos integrantes da Assembleia Constituinte, em 1975/76. Refere-se a circunstância de figuras de forte prestígio nas suas profissões terem então feito parte dessa histórica formação parlamentar. E faz-se logo um paralelo com os deputados dos tempos de hoje, num tom, em regra, depreciativo para estes últimos.

Acho isto de uma profunda injustiça. O momento pós-revolucionário foi uma conjuntura única. Com as escassíssimas exceções de quantos, tendo estado na assembleia da ditadura aí ganharam esporas de atitude democrática que lhes garantiu uma justa cooptação para o novo regime, para a esmagadora maioria dos integrantes do areópago que desenhou a nova ordem constitucional tratava-se de dar um primeiro contributo em liberdade. Tal como aconteceu com o chamado I Governo Provisório, estavam por ali os "talentos" que a jovem democracia tinha conseguido convocar, teoricamente dentre o melhor que o país tinha, o que, para muitos deles, foi mesmo uma primeira experiência política.

Mas as coisas mudaram muito, desde então. A vida política passou a ser feita por gente comum. O desenvolvimento dos partidos, o ciclo dos governos e a vida autárquica deram origem à entrada na vida pública de gente que apenas nessas funções viria a ganhar alguma experiência. Dir-se-á que é pena que muitas dessas pessoas não tivessem, à partida, uma formação profissional própria, para onde pudessem regressar no termo das suas funções políticas. Mas a realidade é o que é. Muita gente deu ao serviço público alguns dos melhores anos da sua vida, desde novo. Se optam por continuar na política - no Parlamento, no Governo ou nas autarquias -, passam a integrar a tal "classe política" e, aos olhos de alguns, são uma espécie de "funcionários" do sistema. Se, ao invés, decidem ingressar na sociedade civil, assumindo funções privadas, são frequentemente vistos como utilizando esses seus conhecimentos para usufruir vantagens.

Não deve ser cómodo, ao contrário do que muitos pensam, fazer parte da "classe política".

Operação de normalização

Um dos deputados da direita radical assumiu ontem no parlamento uma atitude democraticamente inaceitável e abertamente racista. Nada que nos deva admirar, vindo de quem vem. Aguardemos, contudo, nas próximas horas, nas redes sociais e nos media, as “atenuantes”. Estejam atentos.

Um livro

Havia por aí um livro de capa azul, com ideias radicalmente diferentes das minhas, que tinha alguma curiosidade em ler, mas que, por uma questão de princípio, me recusava a comprar. Ontem, uma amiga ofereceu-mo. Agora, está tudo certo.

Rui Pinto

É minha impressão ou na abordagem desta história do Rui Pinto, para além de muita demagogia, anda por aí bastante sectarismo clubista, às vezes disfarçado de argumentário a armar ao sério?

terça-feira, janeiro 28, 2020

Confissão

 
Abomino gelatina. Nunca achei a menor graça àquela coisa tremelicante, de gosto duvidoso, que alguns se obstinam em servir, em certas ocasiões. O aspeto até pode ter a sua graça, mas eu não me alimento de graças.

Quando era miúdo, a minha mãe, nas festas que organizava para os meus aniversários, tinha por hábito rechear de gelatina colorida metades de laranja, retirando antes o seu interior, que imagino ia parar a sumos ou a saladas de fruta, partindo depois aos gomos essas metades. Eu nem tocava naquilo! Vivia na esperança de que os meus amigos de escola primária, convidados para aqueles lanches, se deliciassem e atulhassem com aquela coisa de cor viva, deixando-me a mim um maior usufruto das sandwiches, das bolachas, dos pudins, dos bolos, dos chocolates e de outras coisas verdadeiramente sérias.

Sei lá bem porquê, precisamente na data que é a de hoje, senti uma forte vontade de comer uns gomos de gelatina colorida em casca de laranja, como aqueles que a minha mãe preparava nesses dias que então eram de festa. Às tantas, isto deve ser da idade!

O Sporting, o Porto e o Benfica

Hoje, fui simpaticamente convidado para ir, com um grupo, ver jogar o Sporting com o Arsenal, em Alvalade, no dia 26 de novembro.  O Sportin...