quarta-feira, outubro 16, 2024

À mesa da Máfia


Foi repetido, há horas, no canal "História", um documentário sobre a Máfia americana. A Máfia ainda por lá existe, nos dias de hoje, embora ao que parece um tanto debilitada. As Máfias nunca desaparecem por completo. Um dos filmes evoca um episódio famoso.

Um dia, no início de 2001, convidei para almoçar, em Nova Iorque, o historiador britânico Kenneth Maxwell, que aí trabalhava. Tinha conhecido Maxwell uns anos antes, creio que em Londres. É uma figura pessoalmente muito interessante e muito interessada por temas ibéricos e luso-brasileiros, que enchem a sua vasta e excelente biografia. Maxwell é um magnífico conversador e sabe imenso sobre os nossos tempos do 25 de Abril e períodos subsequentes.

Combinámos encontrar-nos num restaurante próximo da nossa missão junto da ONU, que eu então chefiava. Era o "Sparks Steak House", que me tinham indicado como sítio simpático para um almoço, nesse tempo em que eu começava a explorar as boas mesas nas cercanias na nossa missão. 

Por uma mera coincidência, vindos de lados diferentes da rua 46, onde se situa o restaurante, encontrámo-nos precisamente à porta. Com um sorriso enigmático, Maxwell disse-me: "Temos de entrar rápidamente. Fico sempre nervoso junto desta porta". Não percebi porquê e entrámos. 

Já na mesa, presumindo que a minha curiosidade sobre o seu comentário não se teria atenuado, o historiador perguntou-me: "Sabe o que se passou em frente daquela porta, não sabe?". Confessei que não recordava nada. "Foi ali que, há cerca de 15 anos, um dos grupos da Máfia liquidou o chefe de outra fação. Ele ia a sair e foi morto a tiro por quatro homens, enquanto o mandante da operação se mantinha num carro, à distância. Não consigo deixar de sentir sempre um frio na espinha quando estou perto daquela porta". 

Recordei-me então de ter lido sobre esse episódio da Máfia nova-iorquina, mas desconhecia que tinha sido exatamente ali que o assassinato havia tido lugar. 

Kenneth Maxwell comentou: "Cheguei a pensar que, sendo eu um historiador, me tivesse convidado para aqui por este ser já um restaurante que está na história de Nova Iorque. Embora por más razões..."

10 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Big Paul Castellano, o último dos boss of all bosses, depois a música mudou e os Sopranos já foram mais folclore do que outra coisa. Era eu miúdo e adorava ler sobre a Mafia, inclusive aos 16 já tinha montado uma "operaçãozinha" que metia fraudes várias em Pedras D'el Rei no Algarve, estou à vontade para falar nisso porque nunca me aconteceu nada e hoje isso já prescreveu. ^_^

Lúcio Ferro disse...

Inclusivamente, tinha homens entre os 17 até aos 30 e tal anos a trabalhar para mim, na minha crew pessoal eram sete, havia o Octávio barcos, o Gualter Jojõ e o Carlos Taxi (esse acabou em Pinheiro da Cruz), meus lugares tenentes, o dinheiro parecia água, ui, foram outros tempos, saudades. :)

Lúcio Ferro disse...

Mais acrescento, dei de comer a muitas famílias de Santa Lúzia e de Tavira; claro que, depois, quando o cerco se começou a apertar, tiver de mudar de vida.

Lúcio Ferro disse...

Mas, devo-lhe dizer, uma vez, na discoteca de Pedras da Rainha, um cabrão partiu-me a boca toda, tive que levar pontos na língua, foram três semanas a comer de palhinha. Felizmente, estava lá o Lourenço, um dos meus associados e o outro levou para o bagaço, também não se ficou a rir. O dinheiro era tanto, as mulheres, eu comprava roupa e deitava fora depois de usar, nem sabia o que é que havia de fazer com aquilo, um puto de 16 anos a controlar um ring daqueles. Quando me apercebi de que o laço se estava a apertar, vim-me embora para LX, é que nem me despedi. O resto é história.

Lúcio Ferro disse...

Eu peço desculpa de o voltar a incomodar a si e ao seu público com estes detalhes do meu passado, dos quais não sinto qualquer orgulho. De todo modo, sinto alguma necessidade em os detalhar. Era jovem quando cheguei ao Algarve. O meu Pai era à época um homem severo mas de posses e com muitos conhecimentos e foi por isso que aos 16 eu já estava a trabalhar. Quando eu cheguei a Pedras, na altura o maior aldeamento turístico do país, fui colocado num sector muito sensível, onde tinha acesso a tudo, mesmo tudo. Era bastante tímido, era mocinho, muito educado, ainda que tivesse ganas de não o ser. Foi aí que as coisas mudaram. O Octávio Barcos, trinta e tal, trabalhava na Recepção e cobiçava duas coisas: mulheres e dinheiro. Ele tinha andado embarcadiço, entre Marrocos e o extremo oriente. O Gualter Jojõ era mais novo, talvez mais inteligente, mas também cobiçava dinheiro. Eram pessoas simples, homens da terra. O Carlos Taxi era outro filme, guiava, obviamente, um táxi, fazia serviços do aldeamento para o aeroporto e vice-versa. Antes disso, também tinha andado por Marrocos. Digamos que o aldeamento era um porto de abrigo para todos nós. E eu, que era conhecido por Pardal, nada a ver com o meu Padrinho, ficou a alcunha porque quando lá cheguei gostava muito de assobiar, ocupava uma posição chave, incrível, mãos no cofre, mãos nos telefones, mãos nos passaportes, nas malas. Tentaram corromper-me, para obterem benefício. Recusei, mas rapidamente me viciei num esquemazito de import-export e numa fraude telefónica. Cresceu. À medida que a coisa ia crescendo eu ia tendo que gastar o dinheiro. Os três tipos que eu referi estavam atentos, impacientes. Eu tinha 16 anos e ia almoçar ao melhor restaurante do local, ao passo que eles iam à cantina dos empregados onde só se comia porcaria. Depois, conheci uma miúda muito gira. Joana Simões, filha de um antiquário do Porto e passei a dar-me com o director e com o engenheiro do aldeamento. Tinha feito um upgrade, passara da praia do Barril para a casa do director. O meu pai, que parece que cheirava o esturro, apareceu de repente e eu tive de piar fininho e fazer outra vez de pobrezinho e de trabalhador. Nisto, comecei a alugar o meu posto de trabalho, isto é, tinha um sistema de crédito: os meus apaniguados podiam trabalhar por mim umas horas por dia mas só recebiam uma percentagem, tudo perfeitamente honesto, havia um livrinho onde eram apontados os lucros e as percentagens e toda a gente enchia os bolsos,. Então, o Carlos Taxi sugeriu que podíamos expandir; a clientela era jovem, endinheirada, tudo meninos e meninas finas, mais os estrangeiros e Marrocos ficava logo ali. Concordei. O Octávio era todo a favor, tínhamos fundo de maneio, eles tinham os contactos e o Gualter era o nosso menino bonito para a distribuição. Já me estiquei na história, pronto, foi assim, o que nunca esqueci é a Joana Simões, a mulher mais bela com quem alguma vez me cruzei, tanto que a procurei depois mas nunca a voltei a encontrar, claramente, não estava nos nossos destinos, era tão bonita.

Nuno Figueiredo disse...

Lúcio Ferro,
edificante...

Lúcio Ferro disse...

Nuno Figueiredo, tudo o que escrevi nesta caixa de comentários é meramente produto da minha imaginação fértil, nada do que aqui falei se passou, aliás eu nunca fui ao Algarve antes dos meus trinta e mesmo assim fui só para o lado de Vilamoura. Apenas quis abrilhantar um post sobre a Mafia com meia dúzia de historetas recambolescas que nunca tiveram lugar. Foi tudo produto da minha imaginação e, como lhe podem afiançar vários dos leitores, muito pouco ou quase nada do que por aqui escrevo é verdadeiro. Não obstante, sou uma pessoa íntegra e séria. Um bom dia.

Anónimo disse...

Face a um presumível, ainda que atrasado, autor confesso de crimes, pergunto: o que vai fazer o proprietário do blog?

Lúcio Ferro disse...

Uau, caro anónimo, as minhas qualidades de escrevinhador devem estar mesmo aprimoradas, engoliu a história de um mastermind do crime com 16 anitos? Putz, tenho que começar a pensar em publicar os meus vários contos de crime e mistério. ^_*

Lúcio Ferro disse...

Outra coisa, só para terminar o papo, "rápidamente" é advérbio de modo.

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...