A Cotovia é uma editora ousada. Há meses, com a Imprensa Nacional, meteu-se na esplêndida aventura de editar as crónicas de Nuno Brederode Santos, uma iniciativa que, nada garantindo à partida vir a ser um êxito editorial, antes pelo contrário, mostra uma saudável responsabilidade cultural. Se já tinha uma simpatia pelo seu catálogo, ganhei, nesse momento, um maior respeito pela linha orientadora da ação da Cotovia.
Leio agora que a editora vai sair do espaço que ocupava, num edifício de montras largas, entre a rua Nova da Trindade e as Escadinhas do Duque. Passa a vender on-line e, claro, abandona o centro de Lisboa, uma zona da cidade que está cada vez menos amiga dos livros. (Há dias, andei pela rua da Misericórdia, ali perto, e constatei que, através das portas dos antigos alfarrabistas que conheci, se acede hoje a um mundo de comes-e-bebes quase só dedicado a turistas. Cada tempo tem os seus usos e a nostalgia não é para aqui chamada.)
A Cotovia sai de um lugar que, noutros tempos, conheci muito bem. Entre 1971 e 1980, aí funcionou a Opinião, uma aventura livreira e não só - era uma galeria de arte, vendia discos e havia um simpático bar no último dos quatro pisos.
Foi em finais de 1971 que comecei a trabalhar, não muito longe, no Calhariz, e a Opinião, criada logo em dezembro desse ano, era para mim e alguns amigos um lugar regular de pouso, ao final da tarde.
No bar, onde tenho na memória o vício de tomar Cuba Libre (bem à moda, por essa época), cruzei então várias figuras de uma certa intelectualidade lisboeta, alguma que tinha estado ligada à criação da Opinião e que, politicamente, andava dentro ou nas franjas do clandestino PCP.
Algum pessoal dos jornais vespertinos do Bairro Alto andava bastante por ali, com o “República” como vizinho. Foi na Opinião que o jornalista Carlos Albino adquiriu o disco que iria servir de senha do 25 de abril. Ali conheci Batista-Bastos, que trabalhava no “Diário Popular“, uma das figuras mais marcantes dessas tertúlias improvisadas, em fins de tarde agradáveis, que me atenuavam as horas de contabilidade que passava na minha atividade bancária.
A atividade da casa testava então as margens, cada vez mais estreitas, da “abertura” marcelista. Recordo bem uma conversa tida na Opinião com o historiador A.H. de Oliveira Marques o qual, a propósito da edição da sua História de Portugal, no dia em que foi ali lançada, me referiu uma conversa que havia tido com o próprio Marcelo Caetano, que o estimulara pessoalmente no empreendimento.
Às vezes, saíamos da Opinião em grupo, para espetáculos teatrais, sob a mão orientadora de Carlos Porto, o crítico de teatro do Diário de Lisboa, cuja mulher, Teresa, trabalhava na livraria, lado a lado com um amigo cujo nome agora me escapa, que antecedeu a chegada do Hipólito Clemente, que se tornaria na “cara” da Opinião até ao seu encerramento. Essas noites acabavam, em conversas e jantaradas, na Ribadoura, na Portugália e até no restaurante das bombas de gasolina da Rotunda da Encarnação. Não havia por li nenhuma particular boémia ou aventura, apenas um espírito de convívio e partilha cultural que, para o miúdo recém-entrado na casa do 20 que eu então era, constituia uma “porta” interessante para uma cidade que por essa via se lhe abria.
Depois, a tropa e a vida diplomática foram-me distanciando desse convívio, mas voltei sempre, regularmente, à Opinião, para saber de “novidades” livrescas, contando com a cumplicidade do Hipólito Clemente, que ali oficiou na segunda metade dos anos 70, para conseguir obter alguns livros menos “fáceis”.
Quando, em 1979, fui viver para a Noruega, combinei com ele as minhas regulares encomendas de “coisas” que fossem saindo e que a flexibilidade da utilização da mala diplomática me fazia chegar a Oslo, juntamente com os jornais. O acordo não durou muito tempo. A Opinião fechou no ano seguinte, sem hipótese de empréstimos bancários, porque, como dizia o Hipólito (e a Isabel dos Santos seguramente confirma), “a banca só empresta a quem o tem”.
Agora, nem Opinião nem Cotovia. Resta a curiosidade de saber que ramo de negócio irá ocupar o edifício. Há uns anos, recordo-me daquele espaço ter sido ocupado por uma atividade ligada a produtos eróticos. A cultura tem muitas formas...
2 comentários:
A Opinião era a melhor livraria de Lisboa, quando parti em 1973. Foi lá que adquirí o "Portugal Bâillonné" de um certo Mário Soares que poucos conheciam na altura... Também foi lá que folheei alguns textos de Guy Debord que não pude comprar por falta de verba. E foi também na Opinião que conheci Vasco Granja, uma autoridade para todos os que se armavam em estudiosos da chamada narração figurativa, vulgo histórias em quadradinhos.
Não me recordo de ter existido no espaço uma loja de produtos eróticos. Ao lado há uma há uns anos, mas posso estar esquecido. Tenho pena é que a livraria feche
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