domingo, outubro 27, 2024

O senhor Fernando


Morreu o senhor Fernando, Fernando Pinto de Sousa. Quem não é de Vila Real, não o conheceu. Para as novas gerações da cidade, o nome do senhor Fernando também dificilmente dirá alguma coisa, embora a sua figura, de porte direito, a passear-se lentamente pelas ruas, fizesse parte, por muitos anos, do cenário urbano.

O senhor Fernando morre com 97 anos, precisamente a mesma idade com que por ali perdi o meu pai, vai para muito tempo. Há uns anos, tinha feito ao senhor Fernando a promessa de estar presente na festa do seu centenário. Mas já não vai haver festa.

Quem era o senhor Fernando? Por muitos anos, nem sei quantos, era a pessoa que tomava conta do "Clube de Vila Real", a agremiação social que reunia a elite da cidade. Ali havia bailes, livros e revistas para ler, um bilhar e sala de jogo de cartas. Do jogo "social", a casa declinou para terreno de pura e dura jogataina, depois para um ambiente de copos e de música, evolução que lhe prolongou a existência mas corroeu em absoluto o prestígio, deixando de servir os propósitos que tinham levado à sua criação. 

O senhor Fernando viveu no andar superior do "Clube" e geriu, por décadas, o quotidiano da casa, providenciando cafés (imagino que também álcoois) e renovando baralhos de cartas. Por décadas, conciliou os egos locais que por ali andavam, "importâncias" que se contrapunham, feitios que se chocavam. Deve ter estado presente em confrontos, até físicos, de que se sabe que o Clube chegou a ser cenário.

O senhor Fernando, porém, foi sempre uma pessoa discreta, como se requer a quem tem de organizar um cenário de intensa passagem lúdica de cavalheiros e de outros que se esforçavam, muitas vezes debalde, por passar por sê-lo.

Na minha adolescência, o clube foi também um ponto de encontro noturno para os filhos dos sócios, como era o meu pai, em especial no Verão. Mas isso não se fazia sem uma regular tensão com o senhor Fernando, que nos aturou alguns desacatos, que chegou a ter de queixar-se de nós à direção, a qual acomodava depois as coisas com uma conversa discreta, sob a promessa de não fazer chegar o assunto aos nossos pais. E o senhor Fernando esquecia os nossos pecadilhos. E ficou mesmo amigo de muitos de nós.

Nas últimas décadas, quando acontecia eu estar presente em algum ato público na cidade onde nasci, o senhor Fernando tinha a constante gentileza de se apresentar por lá estar, assim sublinhando a amizade que fazia o favor de ter por mim.

Nesta despedida do senhor Fernando, com que parte um pouco da Vila Real da minha memória de tempos felizes, deixo um abraço de pesar ao seu filho Álvaro, que era um orgulho constante nas conversas do pai.

1 comentário:

C.Falcão disse...

«...da minha memória de tempos felizes... »
Como vai para muito tempo, limito-me a recordar alguns "Clubes" de diversão noturnos da década 60, onde a dança era o elemento fulcral na animação do ambiente.
Recordo os bailes de dois clubes em Coimbra, onde a música rolava pela noite dentro:
Sambas, chá-chá-chás, boleros, rock'n'roll, valsas, twist e tangos...
Era um fenómeno transversal a todo o país e, eram iniciativas dos clubes desportivos e agremiações diversas, em que Coimbra em nada era diferente.
Nos salões de baile, as meninas acompanhadas pelas mães, primas ou amigas sentavam-se em cadeiras dispostas em uma mesma linha. Os rapazes "estacionavam" junto da porta, fingindo conversar entre si, mas sempre de olho nelas para se chegarem rapidamente perto da escolhida e ser seu par logo que a música começasse a ser tocada. Com os primeiros acordes a sair dos instrumentos do conjunto que animava o baile, mesmo não sabendo qual o tipo de música que ia ser tocada, os rapazes atropelando-se para chegar primeiro perto daquela que tinha sido escolhida e após uma vénia, perguntava-mos: - a menina dança?
Muitos não conseguiam o par desejado porque mesmo transformados em cordeiros ficava-mos à mercê das preferências das meninas. Muitos romances ou namoros tiveram inicio nestes bailes.

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...