quarta-feira, abril 04, 2018

Lavar os olhos


Há muito que não estou com o meu amigo André Gonçalves Pereira. Lembrei-me dele, aqui em Madrid, ao passar junto ao Hotel Ritz (que agora está em obras), local onde ambos nos hospedámos, em 1994, numa viagem de trabalho, para uma conversa com o então secretário de Estado dos Assuntos Europeus espanhol, Carlos Westendorp.

André Gonçalves Pereira, um grande advogado e reputado professor de Direito Internacional, que havia sido ministro dos Negócios Estrangeiros, tinha sido nomeado pelo governo de Cavaco Silva como representante português no “Grupo de Reflexão”, chefiado por Westendorp, que a União Europeia criara para rever o Tratado de Maastricht. E convidara-me para ser “representante alternante”. 

Eu era, à época, subdiretor-geral dos Assuntos Comunitários. Ao informar o governo do substituto que escolhera, recebeu de volta a informação de que o meu nome não colhia a simpatia do governo. Porque era, e é, um homem independente e de caráter, Gonçalves Pereira informou então o seu interlocutor governamental de que ou era eu “ou não era ninguém”, porque, nesse caso, ele próprio “bateria com a porta” e recusaria o convite que lhe tinha sido feito, aliás já público em toda a imprensa. Perante isto, a objeção a meu respeito teve de “cair”...

Logo no dia da nossa chegada, no hall do hotel, André Gonçalves Pereira perguntou-me - e nunca mais esqueci: “Quer vir lavar os olhos, Francisco?”. Não percebi o que ele queria dizer com aquilo. Era simples. Quando que vinha a Madrid, Gonçalves Pereira hospedava-se sempre no Ritz (claro!). atravessava a rua e entrava no Museu do Prado, para, durante uns minutos, apreciar “As Meninas”, de Velasquez. Era a sua maneira de “lavar os olhos”, apreciar essa obra-prima do século XVII.

Esta 4ª feira, vou passar por aqui o dia a “lavar os olhos”, do Prado à Tyssen, com livrarias pelo meio e um prometedor almoço no Hortensio. É (também) o que se leva desta vida...

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

Mas entrar no museo do Prado para ver esse quadro é assim tão fácil e rápido que baste atravessar a rua?!
Julgo que tenha que se estar numa bicha, comprar um bilhete caro, ir depositar as coisas ao vestiário, estar noutra bicha até à sala onde o quadro está, e contemplá-lo por entre muitos outros turistas...
Não é só atravessar a rua!

Anónimo disse...

Mas... no Prado de Madrid não há aquilo a que muitos ainda chamam a "arte burguesa" que duramte muito tempo foi considerada "menor" por isso?
Só se podia frequentar o Thyssen e mesmo isso só em alguns casos.
O que o tempo faz......
As revoluções são mesmo dispensáveis em alguns países....... pois tudo pode voltar à primeira forma mas com outras formas.

Anónimo disse...

Sempre que vou a Madrid vou andar nos las meninas
Fernando Neves

Anónimo disse...

Percebe-se o seu silêncio relativamente ao que se passa com os presos políticos catalães. Está ocupado com os calamares...

Anónimo disse...

E não vai ao Museu Sorolla para ver magistral pintura burguesa dos finais do século XIX s principios do XX?
Para mim é o pintor espanhol que melhor dominou a luz. E sem luz não há boa pinuura, seja ela burguesa ou revolucionária.

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro Francisco
Neste malvado mês de Abril que me levou o Miguel, o que nós gostaríamos de estar aí...
Aproveite o que se leva desta vida antes que a vida nos leve a nós!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...