quarta-feira, outubro 13, 2010

O meu banco

Telefonei ao meu banco para saber de que dinheiro poderia dispor, a curto prazo, das minhas poupanças, para a possível aquisição de um bem. Perguntaram-me se não preferia fazer um empréstimo, dando essas poupanças como garantia. Agradeci e disse que, não tendo dúvidas de que o banco era uma "pessoa de bem", se me estavam a propor tal hipótese era porque tal empréstimo me seria dado, com toda a certeza, a um juro mais vantajoso que aquele que eu estava a obter das poupanças que mantinha no banco. O gestor de conta alarmou-se: não!, o juro que eu iria pagar era maior do que aquele que o banco me estava a dar pelos depósitos que lá tinha. Então - perguntei - qual era a minha vantagem em fazer o empréstimo? Foi-me explicado que, dessa forma, eu ficaria com "liquidez". Inquiri para que queria eu ter "liquidez" no banco se, quando a pretendia mobilizar, o banco me propunha um empréstimo. E em que é que se traduziria, na realidade, essa mesma "liquidez", porque, se a quisesse mobilizar, o banco não autorizaria, porque ficaria sem a garantia na base da qual me era concedido o empréstimo. Embatucou.

terça-feira, outubro 12, 2010

"Portugal atrás da Alemanha na eleição para o Conselho de Segurança"

Não tenho a certeza absoluta de que algum jornalismo adversativo não seja tentado a roubar-me o título deste post. Pelo sim pelo não, ele aí fica, para sua inspiração.

Não consultei ainda os blogues, não li ainda os colunistas da pandemia pessimista, não conheço as declarações de elogio forçado de alguns setores, decerto já ouvidos pela imprensa. Mas eles virão, podem estar seguros! - os comentários raivosos do género do "não sei por que razão se gastou dinheiro com esta eleição para o Conselho de Segurança", ou "aquilo em que Portugal se deveria empenhar internacionalmente era noutras coisas" e dichotes idênticos.

Uma das razões pela qual Portugal teve toda a razão para se bater para estar presente no Conselho de Segurança é precisamente pela necessidade de afirmar que existe um outro país, positivo e otimista, que tem sabido garantir a continuidade de uma imagem externa do país, construída com saber, rigor e coerência. Um país que está muito para além das legiões dos "vencidos do ceticismo".

Portugal no Conselho de Segurança

Portugal foi hoje eleito, pela terceira vez, como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. No biénio 2011/2012, o nosso país assegurará uma presença naquele que é o principal órgão decisório das Nações Unidas.

Esta é uma vitória com laivos "históricos", porque foi obtida em condições de particular dificuldade. Com uma campanha de grande empenhamento e profissionalismo, levada a cabo por responsáveis políticos e diplomáticos, apoiados por todas as nossas estruturas espalhadas pelo mundo, foi possível fazer frente à fortíssima candidatura do Canadá  que disputava conosco e com a Alemanha um dos dois lugares disponíveis. Tratava-se de um confronto com dois membros do G8, com uma presença determinante na máquina das Nações Unidas, dispondo de meios e estruturas incomparavelmente mais fortes que os nossos. Esta era, para muitos, uma vitória "impossível", convém lembrá-lo.

Há uns meses, deixei expressas aqui as razões pelas quais me parecia que Portugal, não apenas deveria empenhar-se fortemente nesta eleição, mas igualmente os motivos por que se me afigurava que o nosso país tinha todas as condições para defrontar, com êxito, esta batalha. Quem quiser, pode revisitar esse argumentário.

O que acaba de se passar em Nova Iorque é uma lição de história diplomática. É a prova provada de que um país de média dimensão, com recursos limitados, mas com uma postura de equilíbrio e uma excecional capacidade de diálogo, soube construir um lugar de respeito e prestígio na cena internacional, sendo hoje, de certo modo, um "soft power" capaz de se colocar ao nível dos Estados que podem  legitimamente "punch above its weight" - para utilizar a expressão consagrada de Douglas Hurd. Esta vitória cria-nos, no entanto, uma responsabilidade acrescida e tem de conduzir-nos a um acrescido esforço, bilateral e multilateral, de racionalização e melhor utilização da nossa máquina diplomática, por forma a estarmos à altura dos novos desafios que temos de enfrentar.

Nesta ocasião, gostava de deixar aqui uma palavra de muito sinceras felicitações a todos quantos estiveram na primeira linha da nossa candidatura, muito em especial ao embaixador José Filipe Moraes Cabral, que titulou em Nova Iorque um trabalho notável, de que a diplomacia portuguesa se pode legitimamente orgulhar.

Pedras em lata

Depois da fantástica declaração da Unicer, colocando no "colo" do governo a responsabilidade pela criação de condições que agora reclama para a construção do hotel das Pedras Salgadas, pode perguntar-se se as águas vão agora passar a ser vendidas em "lata" - a mesma "lata" que os responsáveis da empresa tiveram para, publicamente, fazerem depender a concretização de um projeto a que se tinham comprometido das facilidades e flexibilidades que agora exigem.

A Unicer segue agora uma linha de novo oportunismo - luta contra alegados "citérios formalistas e burocracia"  do Estado - a qual, no entanto, só pode surpreender quem não apreciou todo o seu anterior percurso de incumprimento de prazos a que se havia ligado. Quiçá contando com as loas propagandísticas e com o silêncio cúmplice de alguma imprensa, dependente do peso constrangente da sua publicidade, a Unicer prossegue, assim, com a sua política de triste diversão, que mostra como uma empresa de dimensão nacional consegue, em alguns anos, desbaratar o seu prestígio e credibilidade, por  infelizes flutuações nos seus corpos de gestão. Não nos devemos, assim, admirar se, dentro em breve, o Estado vier, pela Unicer, a ser apontado como o "culpado" por novos atrasos na construção do hotel das Pedras Salgadas. É que, com este novo  expediente, a Unicer ganha tempo e alibis que lhe permitem não cumprir, uma vez mais, os prazos.

Percebe-se bem que a população das Pedras Salgadas já tenha perdido a paciência com "esta" Unicer!

Leia mais sobre esta "saga", consultando o marcador "Pedras Salgadas", no fundo deste post

domingo, outubro 10, 2010

Nostalgia e política

A frieza e a dureza dos combates políticos conduzem, por regra, à depreciação dos aspetos sentimentais. Mas, nem por isso, um sentimento como a nostalgia deixa de ser altamente respeitável.

Na passada sexta-feira, no Senado francês, passou-se uma cena que não colheu a atenção maioritária da imprensa. O debate centrava-se no tema das reformas, sobre a proposta governamental de abandonar os 60 anos como limiar do direito à aposentação. A França é um dos últimos países europeus onde a discussão em torno desta questão está ainda a ter lugar. Muito consideram que é inelutável que a idade da reforma seja mudada, outros mantêm-se fiéis aos 60 anos, como um inalienável direito adquirido. Não é para aqui chamada a questão de quem tem ou não razão.

No debate no Senado, assistiu-se a uma intervenção emocionada de Pierre Mauroy, o homem que, em 1982, sob a presidência de François Mitterrand, foi responsável, como primeiro-ministro, pela legislação que fixou os 60 anos como idade para a reforma. Agora com 82 anos, o antigo "maire" de Lille, perante um silêncio de geral respeito, embora longe de concordância maioritária, disse, entre outras coisas emocionadas: "A reforma aos 60 anos é uma linha de vida, uma linha de combate, uma linha de esperança. Não temos o direito de abolir a História! Liquidá-la desta maneira, não é possível, não é digno."

A reforma vai acabar por ser aprovada, no seu essencial. A regra dos 60 anos vai desaparecer, pelos imperativos da maioria política e, para muitos, também pela imperatividade das coisas práticas, desde o equilíbrio da segurança social à mudança dos perfis etários na sociedade contemporânea.

Isso não nos deve impedir de olhar para a reação de Mauroy com o respeito que devemos consagrar a quantos, no seu tempo, foram titulares da esperança que mobilizou gerações, que, passo-a-passo, trouxe para as políticas de Estado o fruto das lutas por coisas que hoje fazem parte do nosso "acquis", como sociedades com responsabilidade social. O ministro Woerth reagiu a Mauroy dizendo: "Não se governa com a nostalgia". Claro que não. Mas eu não posso deixar de sentir um grande respeito por quem alimenta uma nostalgia - pelo certo, inapelavelmente datada, concedo - que é parte do património da esperança que fez da França o grande país que é. Embora também deva concluir, como disse Simone Signoret no título das suas memórias, que "a nostalgia já não é o que era".

Stop

Já era azar! Ser parado por um polícia, quando estava atrasado para o jantar. Resignado, encostou à berma e, mentalmente, fez uma "check-list" do que poderia estar mal: documentos, seguro, revisão periódica, triângulo, etc. Não tinha a certeza de ter tudo em condições - é sabido que, quando um polícia quer, há sempre algo errado, dos pneus ao alinhamento dos faróis!

Abriu o vidro, fixou o guarda e, logo, notou-lhe um inesperado sorriso: "Está contente com o seu carrinho?" Perplexo, retorquiu: "Estou, porquê?". Não entendia a pergunta. Seria alguma graça?

"Mandei-o parar porque gostava de ter a sua opinião. Há dias, apareceu-me um carro igual a este, em segunda mão, a bom preço. Mas, antes de o comprar, gostava de saber se, de facto, será uma boa opção. Por isso, tenho pedido a opinião a quem conduz carros idênticos. Então está mesmo satisfeito? Ótimo! Agradeço-lhe e pode seguir".

História verdadeira passada, com um amigo meu, à saída da Régua.

sábado, outubro 09, 2010

"Libération"

"Les Unes" do "Libération" é um calhamaço imenso (onde é que, um dia, vou guardar tudo isto?), quase com o tamanho natural do jornal, publicado há pouco, que nos traz as grandes primeiras páginas da história de 37 anos de uma publicação que mudou a história da imprensa francesa.

Enquadradas por excelentes textos, por lá estão algumas imagens de que bem me recordo, como leitor esporádico que sempre fui do "Libé" (agora, sou-o regular, por obrigação e por gosto). É um livro interessantíssimo, que nos revela a todos como éramos, aquilo de que nos fomos desligando, da imagem à escrita, do que era novo e que agora passou a vulgar. E que, por exemplo, nos recorda, tragicamente, que ainda no tempo do presidente Giscard d'Estaing (quem se lembra disto, hoje?) eram decapitados, aqui em França, os condenados à morte!

O "Libé" nasceu da onda maoísta pós-Maio 68. É curioso fixar, com a distância do tempo, o modo como Laurent Joffrin, hoje diretor do jornal, qualifica no prefácio a Revolução Cultural chinesa: "uma convulsão gigantesca e cruel desencadeada por um Mao em envelhecimento, para restabelecer o seu poder de utopia sangrenta". Joffrin diz que a evolução do jornal, de veículo militante para uma tribuna comprometida, foi por "ter compreendido que a ditadura de um partido leva sempre ao pior, que a liberdade não se divide, que ela é tão válida para os pobres e os excluídos como para os outros, que o indivíduo deve ser livre para lutar". Uma verdade que vale para a França, como vale para a China. Ontem como hoje.

Direitos do homem

O que mais me impressiona na reação chinesa à atribuição do prémio Nobel da Paz a um seu dissidente interno é aquilo que pode ser lido como uma "overreaction" de uma das maiores potências mundiais. As autoridades chinesas não podem desconhecer que, ao reagir como o fizeram, não estão minimamente a mobilizar parceiros que partilhem a sua indignação, estão simplesmente a magnificar o facto e a dar-lhe um relevo que, objetivamente, não serve os seus interesses. O que nos deve levar a uma outra constatação: a de que essas autoridades não estão a agir por calculismo e que, verdadeiramente, acreditam na legitimidade intrínseca das medidas repressivas que aplicaram àquele cidadão. A assim ser, como tudo parece indicar, há que concluir, sem hesitações, que a "emergida" e cada vez mais importante China vive, definitivamente, num outro mundo de valores e que a tese da universalidade dos Direitos Humanos, bem como da convergência a prazo de todas as sociedades para esses mesmos padrões, é apenas um grande mito, de que todos temos que ter plena consciência.

sexta-feira, outubro 08, 2010

G20

As perturbações que estão a ser sentidas nos mercados cambiais internacionais, e que estão a afetar fortemente a competitividade das produções do países da zona euro em terceiros mercados, são um testemunho da fragilidade do sistema financeiro internacional e, muito em especial, do nível de compromisso político à escala global que resultou do "susto" de 2008, no quadro do G20.

Para a Europa, será muito importante o modo como a França exercerá o seu papel futuro como presidência do G28 e do G20. Em especial, interessa-nos a forma como este país procurará compatibilizar algumas das preocupações que legitimamente se refletem no quadro europeu, relativas a disfunções provocadas por políticas "egoístas" de terceiros, com a necessidade de fazer "pontes" com as ambições dos países emergentes, que não quererão deixar de aproveitar a presente conjuntura, durante a qual o seu crescimento diferenciado os pode ajudar a colmatar o "gap" face ao mundo mais desenvolvido.

Os meses que se seguem vão obrigar a um teste múltiplo.

Por um lado, ficará claro se o G8 continuará ou não a considerar-se no centro do processo de coordenação, não apenas política, mas igualmente económico-financeira à escala global. Como aqui disse no passado, as notícias sobre a morte do G8 sempre me pareceram muito precipitadas, espalhadas que foram por quem, fora do G8, tinha ambições de o condicionar, tentando garantir uma afirmação política à luz de ambições que não conseguia consagrar nos quadros institucionais de natureza multilateral.

Por outro lado, e também potenciado pela presente tensão financeira, vamos seguramente ver melhor esclarecido o limite de competências que o G20 se atribui. Neste ponto particular, a atitude da China, recusando ir mais longe do que o estabelecimento de normativos indicativos no campo económico-financeiro, serve a nossa perspetiva.

É que, sendo Portugal um país que não tem assento no G20, onde apenas pode ter (quando tem) as suas preocupações refletidas pela mão de terceiros, nunca será demais reiterar o nosso interesse em que este tipo de instituições de natureza cooptativa tenha a maior transparência, limite de forma clara o âmbito das recomendações que pretenda refletir sobre terceiros e, em especial, cuide sempre em manter a sua atividade compatível com a das instituições multilaterais, onde repousa a única legitimidade política que a todos vincula.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Frankfurt

... e, pronto!, ainda não foi desta que consegui ir à Feira do Livro, em Frankfurt, um sonho antigo de quem é "maníaco" por livros.

... e Vargas Llosa lá ganhou o Nobel da literatura. É merecido, esperado e... equilibrado.

quarta-feira, outubro 06, 2010

Lula no Real Gabinete

Agora que o presidente Lula se prepara para abandonar a chefia do Estado brasileiro, vem-me à memória uma história dos meus tempos no Brasil.

Foi em 2008. O presidente Cavaco Silva visitava oficialmente o Brasil, no quadro das comemorações da chegada da corte portuguesa, 200 anos antes. Um conjunto de cerimónias teve lugar no Rio de Janeiro. Pelo que me dizia respeito, como embaixador de Portugal, insisti imenso em incluir no programa da visita uma deslocação do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

O Real Gabinete é uma instituição sui generis. Num edifício de desenho eclético, onde prevalece um neomanuelino com distorção transatlântica, que recorda um pouco a estação do Rossio ou o hotel do Bussaco, aí repousam centenas de milhar de livros em língua portuguesa, sendo hoje o maior repositório existente fora do nosso país. Mas o Real Gabinete é um muito mais do que um interessante edifício: é a expressão simbólica do magnífico esforço da comunidade portuguesa para erigir, no Brasil, um monumento representativo da dignidade da sua presença, da empenhada contribuição dada por muitos e muitos milhares de portugueses para a construção daquele país.

Infelizmente, o Real Gabinete não é muito conhecido dos brasileiros, nem sequer dos muitos turistas portugueses que, no Rio, lhe preferem o Calçadão, Ipanema ou o Leblon. Situado numa zona que veio a tornar-se algo periférica, só lentamente começa agora a surgir nos itinerários turísticos e culturais. Em tempos idos, para os portugueses desafetos ao regime ditatorial que vigorou até 1974, o Real Gabinete representava também uma certa "colónia" de matriz salazarista, que tendia a confundir o respeito pelo nosso passado com a adesão a quantos o utilizavam como arma de arremesso contra os que pretendiam forçar os caminhos do futuro.

Eu sou um "fã" do Real Gabinete, confesso. Por isso, aí me desloquei sempre que pude, durante o tempo que permaneci no Brasil. Uma visita do presidente Lula, acompanhando pelo nosso chefe de Estado, parecia-me ser a melhor maneira de simbolizar a relação luso-brasileira contemporânea, em especial naqueles tempos em que o Brasil nos estava a ajudar a melhorar a imagem que dom João VI conservava na nossa própria memória coletiva. Além disso, interpretava a sua realização como uma subliminar homenagem à matriz fundacional do Brasil, com tanto mais significado quanto o seria ser levada a cabo por um presidente brasileiro oriundo de uma área política onde tradicionalmente se não acolhem os maiores amigos brasileiros de Portugal.

A minha sugestão foi simpaticamente aceite por Lisboa. Nas autoridades brasileiras ela fez também o seu curso, com suportes e estímulos vários, acabando por ser acolhida. Quando o dia chegou, devo dizer que estava com uma grande curiosidade para ver a reação que teria o presidente Lula, na sua entrada no Real Gabinete, durante o trajeto que lhe desenhámos, o qual, naturalmente, não incluia a passagem pela sala onde figura o busto do ditador de Santa Comba.

Não me desiludi. O chefe de Estado brasileiro, naqueles segundos em que defrontou e prescutou a imensidão de estantes, recheadas de quase meio milhão de livros, num espaço belíssimo, com uma dimensão grandiosa, terá percebido mais, sobre o papel dos portugueses no Brasil, do que em toda a sua anterior vida. A sua cara não iludia, os comentários que trocava com os interlocutores próximos eram de um genuíno deslumbre.

Lula tomou lugar na tribuna. Continuava a olhar, deliciado, em torno daquela grandiosa obra portuguesa no Brasil. Começaram os discursos. A certo ponto, vejo Lula acenar, levemente, para um dos varandins superiores, onde se situam as estantes com livros: estava a saudar empregados, com bata de trabalho, que aí se haviam colocado para ver o seu presidente. Era Lula no seu melhor...

O discurso que então proferiu foi uma das peças oratórias sobre Portugal que, desde sempre, mais me impressionaram, na boca de um dirigente brasileiro, em especial vindo de um político com as origens de Lula. Ao longo de dois séculos, muitos outros foram bem mais gongóricos, imensos se espraiaram em loas adjetivadas à "mãe pátria" lusitana, mas nenhum outro, que eu tenha conhecimento, foi tão moderno e pragmático, mesclando a afetividade com o realismo, substituindo a cerimónia por uma visão inteligente e lúcida. E, ao mesmo tempo, simples.

A ida do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, naquele dia de Março de 2008, representou um olhar diferente do Brasil contemporâneo sobre o Portugal de sempre, talvez com menos "caravelas" do que era habitual, mas com os pés bem assentes naquilo que, nos dias hoje, importa sublinhar e reter. Se estiverem interessados, leiam o discurso aqui.

Centro para o Desconhecido

António Champalimaud ficou na memória dos portugueses como um inovador, vigoroso e polémico "capitão" da indústria e da finança que, depois de ter tido atritos com o Estado Novo e de ter sido conjunturalmente derrotado pela Revolução, durante a qual viu nacionalizados os seus bens, refez no estrangeiro a sua vida e conseguiu regressar à liderança de um dos mais importantes grupos económicos portugueses.

Com a sua morte, surgiu uma surpresa: deixou em herança uma importante fortuna para uma fundação que leva o seu nome e que, ontem, inaugurou as suas novas instalações em Lisboa. A investigação na área da saúde, que tem vindo a premiar nos últimos anos investigadores internacionais, passa agora a dispor, em Portugal, de um magnífico centro.

Não pude aceitar o convite que a presidente da Fundação Champalimaud, Dra. Leonor Beleza, me formulou para estar ontem presente na inauguração das novas instalações do "Centro Champalimaud para o Desconhecido". Mas, a meu convite, a Embaixada de Portugal em Paris terá, em 2010, o grato gosto de acolher o júri do seu prémio anual, do qual fazem parte figuras tão prestigiadas como Simone Veil, Amartya Sen ou Jacques Delors. 

terça-feira, outubro 05, 2010

Paula Escarameia (1960-2010)

Paula Escarameia tinha 50 anos e foi a primeira mulher a ser eleita, no âmbito das Nações Unidas, para a respetiva Comissão de Direito Internacional. Acabo de ter conhecimento da sua morte.

Tive o prazer de conduzir, durante o ano de 2001, a sua candidatura àquele órgão, do qual continuava a fazer parte, e em cuja eleição obteve a maior votação que Portugal alguma vez dispôs num escrutínio no âmbito da ONU. Recordo o momento de alegria que a sua escolha representou para todos nós, em Nova Iorque.

Doutorada em Harvard, teve um percurso académico riquíssimo. Anos antes daquela sua eleição, havia sido Conselheira junto da missão portuguesa junto da ONU. Era uma personalidade extremamente prestigiada e reconhecida pelos seus pares. Pessoalmente, a Paula era uma "força da natureza", dotada de um sorriso alegre, de uma boa-disposição contagiante. Vai fazer muita falta, também à sua (e minha) escola, o ISCSP.

Ericeira

Por uma qualquer razão, que agora me escapa, apetece-me acabar este dia a olhar uma imagem da Ericeira, com uma canção pirosa, que o nacional-cançonetismo lhe dedicava e que pode ouvir aqui.

Poema Republicano

A propósito do meu anterior post "Nascimento da República", um comentador que se assina Alcipe teve a amabilidade de deixar o seguinte poema, que não resisto a transcrever, na data em que se comemora aquele que foi o primeiro dia da nossa República:

POEMA REPUBLICANO

Feliz quem tem uma terra
e nessa terra uma casa
e nessa casa
a memória de uma esperança.

Do meu avô maçon eu pouco sei,
do meu avô monárquico pouco lembro:
mas eu não tenho terra natal
nem casa de família,
nem sei onde conspirava o maçon
(o avental
foi entregue no velório,
para surpresa da família)
nem onde tertuliava o monárquico
(admirador de Salazar, mesmo assim)
só ouvi falar meus pais
do MUD Juvenil,
de Soares, Zenha e Maria Barroso
e isso era a República para mim!

Por isso toda a memória
para mim não tem lugar nem morada.

Saúde e fraternidade, meu amigo!

Alcipe

segunda-feira, outubro 04, 2010

5 de outubro

Em 5 de outubro de 1910, o rei dom Manuel deveria visitar oficialmente a cidade de Vila Real. As movimentações revolucionárias em Lisboa impediram essa deslocação.

Em Vila Real estava prevista uma elaborada receção ao soberano, da qual fazia parte um opíparo jantar.

Aqui deixo a imagem do convite-menu para esse repasto não consumado, um histórico e creio que muito raro documento, de  cujo original sou o feliz proprietário.

Eleições no Brasil

Um país com quase 200 milhões de habitantes, com uma percentagem muito elevada de analfabetismo, com sistema eleitoral muito complexo, utiliza um voto eletrónico que genericamente é considerado muito seguro e que fornece resultados num prazo temporal muito curto.

Por que razão este método de voto não é usado com maior frequência em países como o nosso?

Alguém consegue explicar?

domingo, outubro 03, 2010

Nascimento da República

Durante o mês de agosto, recebi do presidente da Câmara Municipal de Vila Real um simpático convite para participar nas comemorações da implantação da República. Vila Real é a minha terra natal.

Pediam-me que, na noite de 3 de outubro, fizesse uma intervenção pública, por ocasião do descerramento de uma lápide junto de uma casa onde, nos tempos que antecederam a Revolução, decorreram reuniões  da conspiração republicana. O último desses encontros foi em 3 de outubro de 1910, quando os conjurados aí então se reuniram, pela última vez, antes do assalto ao poder.

Por uma óbvia curiosidade, perguntei onde se situava, na cidade, essa casa. Fui informado que era na rua Avelino Patena, a conhecida "rua da Travessa", no centro da cidade. Inquiri sobre o número da porta. O meu interlocutor não sabia. Uns dias depois, esclareceu-me: era o nº 44.

Ontem à noite, sob a intempérie que massacrou o Norte, lá estive a falar da República, em frente ao 44 da rua Avelino Patena.

Pude então revelar que aquela havia sido, precisamente, a casa onde eu nasci...

Quem quiser ler o texto pronunciado, pode fazê-lo aqui.

Presidente brasileiro

Tem hoje lugar, no Brasil, a eleição para designar a pessoa que, no dia 1 de Janeiro de 2011, substituirá o presidente Lula na chefia do Estado. O novo titular só tomará posse nesse dia - uma bizarria da Constituição brasileira que faz com que os chefes de Estado, de Governo ou outros dignitários que os representem na cerimónia tenham de passar a data do fim-de-ano em Brasília. Convirá que o nosso serviço de Protocolo ponha já isto na agenda...

Os presidentes do Brasil, depois da eleição e antes da posse, costumam viajar, um tanto oficiosamente, pelo mundo, a exemplo do que também acontece com os seus homólogos americanos. São viagens que têm um estatuto híbrido, em que aproveitam para estabelecer contactos e sublinhar dimensões da política exterior da futura presidência.

Em 1910, o presidente eleito do Brasil veio a Portugal, numa dessas visitas. O rei dom Manuel II ofereceu-lhe um jantar no palácio das Necessidades (vivia então lá o rei, trabalham lá hoje os nossos diplomatas). Esse jantar ocorreu na noite de 3 de Outubro, faz hoje precisamente 100 anos.

A Revolução republicana rebentaria horas depois e, para evitar que Hermes da Fonseca pudesse ser uma lamentável "casualty" da implantação da nova República, foi necessário, a certo ponto dos combates, negociar uma trégua para deixar o ilustre visitante sair da cidade, no navio de guerra brasileiro em que viajava.

É o que pode dizer "estar no sítio errado na hora errada". Não sei se é essa a razão, mas conheço vários amigos brasileiros que consideram que Hermes da Fonseca é um nome que "dá azar". Quando se fala nele, batem logo na madeira para exorcizar os maus espíritos. Pergunto-me se não terá sido dom Manuel a inaugurar este hábito. Boas razões tinha ele...

sábado, outubro 02, 2010

Olívio

O meu mais antigo amigo chama-se Olívio. Nascemos no mesmo ano, na mesma rua (amanhã saberão qual é) e, claro, não me lembro de mim sem o conhecer. O pai do Olívio tinha, lá na rua, uma casa de conserto de bicicletas, pelo que era conhecido como o "Olívio das bicicletas".

Entrámos juntos para a escola, embora o Olívio tivesse sabiamente optado, desde muito cedo, por um ritmo de conclusão dos anos letivos um pouco mais lento que o meu. Tinha, e tem, um jeito sarcástico no falar, um sorriso marcado por uma permanente ironia e uma imensa graça, às vezes ácida, que nunca deixou de espalhar. Fala às mulheres com delicadeza e isso teve as suas recompensas. Recordo uma madrugada de 67, na "Candeia", no Porto, vindo ele de Vila Real vender antiguidades (o seu hobby de estimação), com o dinheiro do negócio rapidamente transformado por nós em whisky e em outros produtos locais, com ele, generosamente, a financiar a minha curta bolsa de estudante.

No final dos anos 60, acabámos por ir ambos para Lisboa, embora com vidas diferentes, em grupos muito diversos. Encontrávamo-nos no Montecarlo, cada um em sua tribo. Aí eu trocava livros e conversa, enquanto ele perdia as noites e ganhava a vida como grande especialista em dominó, atividade que já o tinha tornado famoso na nossa comum ter ra natal, Vila Real.

Depois, fomos para a tropa, era ele delegado de propaganda médica, estava eu no meio do curso e também já empregado. Sobrevivemos bem. Anos mais tarde, chegou-me a notícia de que o Olívio, que vivia na Luz Soriano, havia sido preso. Um lamentável equívoco, provocado por uma amiga solidariedade, ia-lhe destruindo a vida. 100% inocente, claro, foi solto, mas terá aprendido alguma coisa sobre os outros. Depois, montou um bar, o "Cocote", atrás da Caixa Geral de Depósitos, ao Calhariz. Todo o "emigrado" de Vila Real por lá passava as noites. Recordo-me (ele não vai gostar disto...) que tinha um dos piores whiskies "marados" de toda a Lisboa, pelo menos a julgar pelas dores de cabeça que me provocava. Depois, fechou a loja e entrou nas antiguidades e no comércio de pintura. Passava as noites no "Pavilhão Chinês", onde também exercia a sua bela arte de bilharista.

A saúde pregou-lhe uma séria partida e o Olívio regressou, entretanto, a Vila Real, só voltando a Lisboa a espaços. Encontramo-nos às vezes.

Ontem, num interlúdio televisivo, estava eu a ver um videoclip do grupo musical "Toranja" e quem topo eu, figurante, cabelo curto, já muito branco, bengala na mão, com o ar quase aristocrático? O Olívio. Pois é, Olívio, por esta é que eu não esperava!

Palavras

Ontem, uma professora universitária comentava o fabuloso "neologismo" que detetara num texto de um seu aluno: "plumenos". Trata-se de uma imaginativa forma de grafar "pelo menos".

Lembrei-me, então, da história de um outro não menos criativo aluno universitário que, para trazer à baila uma referência, escreveu numa prova: "2º alguns autores...".

sexta-feira, outubro 01, 2010

Economia e diplomacia

Desde que, há mais de três décadas e meia, entrei para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, foram raros os períodos em que não tive a meu cargo temas de natureza económica. Essa, aliás, é a sina regular de muitos diplomatas portugueses, cujo caráter eclético da função obriga, as mais das vezes, a cobrir todo o espetro de atividades em que sua ação se desdobra.

Há uns anos, surgiu por aí, no "mercado" fácil da política para vender títulos e aparecer como "market-friendly", a ideia da "reconversão" da diplomacia portuguesa à vertente económica. Isso foi feito de um modo que interpretei  como quase ofensivo para a minha profissão, como se os diplomatas portugueses devessem acordar, pela primeira vez, para uma coisa que há anos vinham fazendo. Fui dos poucos a expressar publicamente o meu desagrado por esse triste episódio, como aqui já havia deixado expresso.

Ontem, na Universidade de Coimbra, falei sobre o tema "Diplomacia e Economia", a convite da respetiva Faculdade de Economia, de cujo Conselho Consultivo passei agora a fazer parte, por um convite que me foi transmitido pelo diretor daquela Faculdade. Honroso convite que talvez dê ainda mais razão à ideia que transmito neste post.

Coroas (2)

... e lá tivemos hoje, agora no telejornal da noite da SIC, mais uma sessão de propaganda monárquica... a pretexto do centenário da República!

Bonnie and Clyde

Li no site do "Público" um comentário de alguém segundo o qual Arthur Penn (agora desaparecido) terá, com "Bonnie and Clyde", sabido transportar para o cinema americano o espírito dos filmes europeus de autor. É isso mesmo!

quinta-feira, setembro 30, 2010

Coroas

Alguns comentadores deste blogue chamaram há dias a atenção para o facto da RTP, nos últimos tempos e neste ano de comemoração do centenário da nossa República, estar a dedicar particular atenção a alguns reis portugueses. Curiosamente, igual atenção não tem sido dedicada aos nossos presidentes da República, num momento em que tal se justificaria como nunca.

É claro que tudo isto pode ser fruto do acaso e não corresponder a nenhuma significativa infiltração "talassa". "Não há coincidências", mas "Sei lá!" - para utilizar apenas dois títulos da modernidade da nossa escrita urbana. 

Recibo

Há um mistério que sempre me ultrapassou.

Por exemplo, no Brasil, quando se faz uma compra, não há mais nenhum talão de despesa que nos seja passado para a mão que não seja a "nota fiscal" (recibo). Em França passa-se o mesmo.

Em Portugal, no comércio, ao adquirir-se algo, dão-nos, na maioria dos casos, um papelinho que regista o valor dispendido e, depois, perguntam (quando perguntam): "quer recibo?" É claro que, muita gente, por inércia, acaba por não pedir recibo, o que faz com que o comerciante embolse o valor do imposto incluído na conta que acabámos de pagar. Por que razão não passa a ser obrigatória, em Portugal, a emissão automática de recibo e proibida a emissão de qualquer outro comprovante de despesa?

Se queremos caminhar no sentido de evitar, cada vez mais, a evasão fiscal, parece-me que esta seria uma medida óbvia. Mas, se não é praticada, então devo ser eu que estou a ver mal o problema...

Hoje

Recado aos pessimistas: em lugar de "chover no molhado", não será melhor arregaçar as mangas?

quarta-feira, setembro 29, 2010

"Egoísta"

Dizem-me agora que a "Egoísta" faz 10 anos. Trata-se de uma "aventura" dirigida por Mário Assis Ferreira, organizada por Patrícia Reis e "desenhada" por Henrique Cayatte, uma iniciativa de que todos os portugueses deviam estar orgulhosos.

A "Egoísta" é, provavelmente, uma das mais belas revistas do mundo e, ao que julgo saber, já ganhou, por essa razão, vários prémios. Na realidade, é menos uma revista e mais um "objeto" de culto, que varia na forma, surpreende pelo grafismo e pelas ousadias de produção. Nela se encontram, claro!, magníficos artigos. Além de outros, como um que por lá escrevi, vai para alguns anos, num número dedicado à Europa - porque a "Egoísta" tem sempre edições temáticas.

Possuir a coleção completa da "Egoísta" é um sonho de muita gente, muito difícil de realizar. Há números esgotadíssimos, disputados com fervor pelos colecionadores. Porque os tenho fechados a sete chaves, dou-me ao luxo de confessar ser um feliz possuidor da coleção completa da revista.

terça-feira, setembro 28, 2010

28 de setembro

A data de ontem dirá pouco às novas gerações. Contudo, em 1974, ela foi um dia-charneira na Revolução portuguesa, que assinalou a passagem entre dois tempos políticos bem distintos.

Em perspetiva do tempo, pode dizer-se, com alguma certeza, que o 25 de abril foi produto de um magnífico equívoco, que colocou, lado-a-lado, todos os adversários do regime que então se desmoronou. No 1º de maio que se seguiu, até parecia que todo o país havia saído à rua, talvez com exceção dos pides, da meia-dúzia de nostálgicos empedernidos e dos líderes apeados...

Mas as clivagens nas visões quanto ao futuro do país estiveram sempre presentes. Já no próprio dia 25 de abril, no "posto de comando" do Movimento das Forças Armadas, um conflito emergiu entre o general António de Spínola, convidado para "receber o poder" de Marcelo Caetano, e alguns elementos da "Comissão Coordenadora", que preparara o golpe de Estado, a propósito de certas passagens do Programa do MFA. Os portugueses que viveram esse período lembram-se, com certeza, que foi já muito tarde na noite que a Junta de Salvação Nacional falou ao país, numa muito aguardada emissão televisiva. A definição do texto do "Prograna do MFA", que o país conheceria em pormenor no dia seguinte, foi a razão principal desse atraso.

Daí para a frente, a unidade no seio das Forças Armadas apenas uma figura de retórica. Entre os "spinolistas" e a "Coordenadora" as tensões foram subindo de tom, com pequenas vitórias de parte-a-parte, a equilibrarem o jogo. No campo militar, o "documento Engrácia Antunes" polarizou, a certa altura, o descontentamento dos mais moderados. No seio do 1º "governo provisório", chefiado pelo advogado liberal Palma Carlos, as tensões subiram e as tentativas feitas por alguns no sentido de reforçar a autoridade do executivo, em ligação com Spínola e em oposição à corrente prevalecente no MFA, conduziram à sua queda. O general Spínola sentiu-se progressivamente ultrapassado pela dinâmica que os militares tinham imprimido à descolonização e espalhava pelo país avisos dramáticos à desregulação "anárquica" da vida portuguesa, com especial referência aos atentados aos direitos de propriedade. 

Durante todo o verão de 1974, Spínola foi conclamando à mobilização daquilo a que chamou a "maioria silenciosa" do país. No mês de Setembro, essa agitação, organizada em torno de personalidades conservadoras e de pequenos grupos políticos marcados pela saudosismo "estadonovista", que tinha por óbvio alvo a linha prevalecente do MFA - que confrontava Spínola, favorecia a descolonização e defendia políticas mais "progressistas", um tanto a reboque dos movimentos populares que explodiam pelo país -, acabaria por transformar-se na ideia de uma grande manifestação de apoio ao general e presidente da República, a ter lugar no dia 28 de setembro.

O que se pretendia com essa manifestação? Haveria, por detrás, uma tentativa de provocar um novo golpe militar, correspondendo a uma pretendida "vaga de fundo" de uma "maioria" da população, assustada com a dinâmica da Revolução? Haveria unidades ou comandos militares comprometidos? Haveria civis armados, prontos a criar um ambiente de anarquia, que justificasse uma intervenção autoritária com Spínola à frente? Há várias respostas para estas questões.

De seguro, apenas sabemos o que se passou. O MFA articulou-se com algumas forças sindicais e políticas - da extrema-esquerda a setores do PS - e lançou uma ação preventiva, impedindo os acessos a Lisboa dos potenciais manifestantes, que tinham a intenção de se apresentar em frente do palácio de Belém. Simultaneamente, na noite de 27 para 28 de setembro, o MFA procedeu à detenção de algumas dezenas de pessoas - na esmagadora maioria dos casos personalidades ligadas ao antigo regime - naquilo que aparentou ser mais uma ação de intimidação do que o desarticular de um verdadeiro "golpe reacionário" em preparação.

Como consequência deste novo estado de coisas, que desequilibrou politicamente a relação de forças no país, o general António de Spínola demitiu-se de presidente da República, tendo a chefia do Estado passado a ser assumida pelo general Francisco da Costa Gomes. O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, que já chefiava o 2º "governo provisório" desde a demissão de Palma Carlos, formou então um 3º "governo provisório", com uma orientação mais "à esquerda", que marcou um novo passo no acelerar da Revolução. Os acontecimentos do dia 11 de março do ano seguinte tornariam ainda mais radical a Revolução portuguesa.

Pedras Salgadas

Temos feito eco neste blogue da luta da população das Pedras Salgadas pela recuperação do seu parque termal e pela necessidade da empresa Unicer cumprir com aquilo a que se comprometeu. 

Depois da manifestação popular de 23 de Setembro, corre agora uma petição para a qual são pedidas adesões. Quem a quiser subscrever pode fazê-lo aqui.

Se estiver interessado noutros textos aqui publicados sobre este tema, clique em "Pedras Salgadas" no marcador deste post. 

segunda-feira, setembro 27, 2010

O custo da vida

É de todos os tempos. Ficar isolado numa conversa cruzada, durante um jantar oficial, mantida entre vizinhos situados à sua esquerda e à sua direita, é uma situação inconfortável, particularmente se se tratar de uma mesa longa, em que não dê para falar com um terceiro parceiro. Se a educação dos vizinhos o permite, ou se a nossa imaginação conseguir descortinar uma aberta, pode ser que tenhamos oportunidade de entrar na charla, embora, às vezes, um tanto "à bruta" ou a despropósito.

Aquele diplomata estava a passar horrores, num jantar chato e longo. Quase desde o início, as suas duas vizinhas, desinteressadas dos comparsas que tinham do seu outro lado, mantinham-se a falar entre si, inclinadas para a frente. Conferiam preços, falavam do custo de vida. De início, o diplomata fez de conta que estava interessado naquele tráfego de custos, olhando alternadamente para as suas companheiras de mesa, qual árbitro de um jogo de ping-pong. Mas os números continuavam a fluir, em torno de produtos completamente alheios ao seu círculo de interesses: alimentação, higiene e roupa de senhoras eram temas escalpelizados ao cêntimo, com informações detalhadas sobre os locais de compra mais favorável. Mas, no geral, a queixa assentava na exorbitância do custo de vida local.

A certo passo, o diplomata "encheu-se" e não resistiu:

- Têm toda a razão. Isto está "pela hora da morte". Já nada é barato! Sabem o preço dos leões?

As duas "gralhas" silenciaram de surpresa e o nosso homem prosseguiu:

- Pois fiquem a saber que um leão jovem custa hoje 100 mil dólares! Pensarmos nós que, há meses, se comprava o mesmo leão por 30 mil...

E o nosso diplomata continuou, detalhando o preço dos macacos, dos canários, das galinhas-de-angola, etc.

As vizinhas calaram-se, finalmente.

Li esta história num livro que vivamente recomendo: "Os bastidores da diplomacia", de Guilherme Leite Ribeiro, um diplomata brasileiro com boa escrita e humor.

Miliband

Ed, o mais novo, e politicamente mais à esquerda, dos irmãos Miliband, ganhou, por uma "unha negra", ao seu irmão mais velho a liderança do Partido Trabalhista britânico. Ambos tinham sido membros do último governo trabalhista, dirigido por Gordon Brown. Por razões que a ideologia explica, pode presumir-se que o pai, Ralph Miliband, se ainda fosse vivo, teria ficado contente com este desfecho.

Na vida internacional, os sinais são contraditórios. Não deixa de ser curioso que o "labour" britânico escolha uma figura mais progressista para encarnar as suas esperanças de regresso ao poder quando, quase simultaneamente, os social-democratas* suecos são estrondosamente derrotados pelos conservadores, assistindo mesmo a uma significativa emergência parlamentar da extrema-direita no seu país.

O mínimo que se pode dizer é que a Europa está complicada!

* Já agora, em dia de preciosismo estilístico, conviria que alguns dos nossos jornalistas e locutores aprendessem que se escreve e diz "social-democratas" e não "sociais-democratas".

Acordo Ortográfico

O (para muitos "irritante") Acordo Ortográfico da língua portuguesa tem vindo a ser utilizado pela Embaixada de Portugal em Paris, desde o início deste ano. Prática que obteve - "cela va sans dire!" - aprovação prévia das autoridades centrais portuguesas.

Ao longo destes meses, a representação diplomática em França esteve isolada, no mapa diplomático português, na antecipação da obrigatoriedade (que aí virá, daí a pouco) de utilização das escassas mudanças que o Acordo introduz na escrita do português. Hoje, porém, reparei que já não estamos "orgulhosamente sós". Estas coisas levam tempo, mas lá vão andando...

domingo, setembro 26, 2010

Vinho do Porto

"É lá da quinta!". A quinta não era dele, mas o nosso jovem diplomata, convencido que isso lhe conferia o "coté" finaço de proprietário rural no Douro, utilizava a quinta da tia como origem do vinho do Porto que oferecia, com orgulho, aos seus convidados, em garrafas sem rótulo, que entendia darem maior genuinidade ao afirmado néctar.

Naquela noite, tinha o seu embaixador para jantar. Apurado "gourmet", o velho diplomata tinha fama de ser um "connoisseur"* de vinhos. Os  Portos seriam, aliás, a sua grande especialidade, pertencendo até à respetiva confraria. 

O jovem anfitrião não resistiu enquanto não passou um cálice do Porto "lá da quinta" ao Embaixador, não se coibindo de adiantar: "O senhor embaixador vai deliciar-se com este Porto!". Fez-se na sala um silêncio ansioso, enquanto o embaixador degustava um trago do Porto "lá da quinta". O velho diplomata rolou com calma o líquido na boca e, para satisfação maior dos donos da casa e instrução definitiva dos restantes convidados, disse: "estupendo!".

Só o empregado português, contratado à hora pelo diplomata, que o embaixador encontrava por todas as receções naquela capital, terá notado que, segundos depois, com a discrição coreográfica que a carreira ensina a quem a sabe aprender, o embaixador pousou na sua bandeja o resto do cálice daquela zurrapa "lá da quinta", que tentava passar por um Porto, e optou por um seguro copo de água.

Em tempo: Um amigo referiu o meu "lapso" de ter escrito "connoisseur" em lugar de "connaisseur". Não foi lapso. De facto, em francês diz-se "connaisseur" mas, devo confessar, habituei-me, de há muito, a utilizar a consagrada corruptela anglosaxónica de "connoisseur". Mas, de futuro, e enquanto por aqui andar, reconheço que tem sentido vergar-me às origens etimológicas do vocábulo. Obrigado pela nota.

sábado, setembro 25, 2010

Selos ministeriais

Acaba de ser revelado um bem guardado segredo desta classe política: desde há várias décadas, os correios franceses emitiam selos, em folhas não picotadas, uma espécie de "provas de luxo", que se tornavam rapidamente em raridades, muito valorizadas no mercado filatélico. Estas folhas eram destinadas aos ministros que tinham a seu cargo o serviço de correios, mas também primeiros ministros e presidentes da República.  De todas as orientações políticas e em tempos muito diversos. Alguns dos beneficiados transacionavam essas raridades e garantiam, assim, um valor interessante, que se agregava ao respetivo salário mensal. Esta prática terá acabado durante a presidência de Jacques Chirac e é agora tornada pública num livro de um ex-ministro do atual governo. 

As raridades filatélicas fazem parte da mitologia de quantos, como eu, se dedicaram na sua juventude a essa aventura magnífica que era a filatelia, por onde aprendíamos geografia, história e paciência. Recordo a emoção que tive, a primeira vez que estive em Paris, ao deparar com a casa "Yvert & Tellier", editora daquele que foi, durante muitos anos, o grande catálogo filatélico mundial. No nosso burgo, vivia-se então apoiado nos catálogos "Eládio de Santos", "Simões Ferreira" e "Mercado Filatélico", bases orientadoras das nossas coleções.

Nos dias que correm, em que já quase ninguém escreve cartas, onde os selos deram lugar a carimbos, a filatelia já não é o que era. Nem sei bem onde pára a minha coleção... Mas, depois da notícia de hoje, pergunto-me: e em Portugal, alguém beneficiou de "borlas" dos CTT? Há por aí alguma "dupla impressão" disponível?

Deixo-os com uma imagem que, estou certo, criará saudades aos filatelistas da minha geração.

"e-mail" corporativo

De há uns anos para cá, o Ministério dos Negócios Estrangeiros criou, para cada um dos seus funcionários - diplomatas, técnicos e administrativos -, um endereço de e-mail próprio. A ideia, inteligente, seria proporcionar um canal de ligação entre a administração e os funcionários, servindo, ao mesmo tempo, de subliminar estímulo à sua desejável conversão às novas tecnologias.

Todas as boas ideias têm um "mas". No nosso caso, houve um "leak" que permitiu que todos passássemos a conhecer os endereços de e-mail de todos os outros. Mas qual é o problema, perguntar-se-á o leitor? É muito simples: quando alguém  ou algum serviço quer dar notícia de alguma coisa, por mais irrelevante que seja, manda indiscriminadamente (sem ter em conta se se trata de funcionários em Lisboa ou no estrangeiro, se somos solteiros ou casados, se temos filhos ou não) um mail a mais de um milhar (nunca os contei, mas anda nessa dimensão) de colegas.

Recordo que, uma vez, alguém se lembrou de avisar que a água ia faltar, no palácio das Necessidades, no dia seguinte. Com a maior das latas e displicência, a mensagem foi enviada a todos os funcionários do quadro do MNE, de embaixadores a contínuos, de Camberra a Washington, de Tóquio a Kiev. Todos fomos "obrigados" a perder algum tempo a ler uma mensagem perfeitamente escusada para quem vive no estrangeiro. Idêntica atividade tivemos que exercer quando, um dia, mudou, conjunturalmente, o horário de fecho do bar do palácio.

De outra vez, um guarda da Securitas deixou o serviço do MNE. Logo, carinhoso, escreveu-nos a todos - às largas centenas que estamos espalhados pelo mundo, para benefício dos administrativos da cidade do México ou de Nairobi, bem como dos embaixadores na Croácia ou em Seoul - lembrando, com frases sentidas, as boas horas em que tinha tido à sua cuidadosa guarda a sede da nossa diplomacia.

Uma descoberta - "foram encontrados junto à saída do Protocolo, uns óculos de marca Vogue, com hastes pretas e brancas" - mobilizou também, há alguns meses, a atenção de milhares de pessoas, que perderam o seu tempo a abrir e ler o mail que revelava o importante achado. Isto para não falar dos amáveis (mas impessoais) votos de boas-festas que aí se anunciam ao aproximar da quadra natalícia, dos convites para  lançamento de  livros que causam angústias - por impossibilidade de tomarem um avião a tempo - aos funconários em Sidney, Toronto ou Belém do Pará.  E muito mais...

Por agora, parece terem abrandado um pouco aquilo a que eu chamo os "attachments da paz" - aquelas patéticas mensagens furtacores, em estilo de "power-point", tendo como fundo música de elevador ou de "crooners" românticos, com fotografias de paisagens serenas, crianças ou velhinhos, passando ditos de natureza comportamental ou de auto-ajuda, quase sempre redundantes conselhos à "la Palisse", na busca da felicidade perdida (pelos que têm tempo para andar a escrever aquele tipo de coisas), com citações "sábias", com um "lettering" de zoom, letras ou palavras a pingar sobre o écran, às vezes em "brasileiro", muitas outras com clamorosos erros de ortografia. Temíveis são os que pedem, no final, que se circule a mensagem por "amigos", já não por ameaças  tenebrosas do nosso destino por quebra das "cadeias", mas pela poluição informática que potenciam.

Enfim, o meu endereço de "e-mail corporativo" tem sido tudo menos útil, até porque tem um espaço de armazenamento que, naturalmente, se esgota com facilidade, porque não se previam estas inusitadas "encomendas".

Apesar de tudo, tem algumas "vantagens". Há dias, por ele recebi um mail (oficial, de um departamento do MNE) convidando-me a fazer um curso...de francês. Normalmente, tomaria isso como uma graça provocatória ao embaixador em Paris. Sosseguei, ao ver que os funcionários das nossas embaixadas em Montevideu ou em Otava, dos consulados em Manchester ou em Xangai, também tinham recebido. E que todos partilhavam comigo das dificuldades de podermos estar presentes em Lisboa, às horas previstas para tal curso.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Diplomata

Teve vários e prestigiantes postos na sua vida, que cumpriu com inteligência e estudado enfado. Mas só tinha um único lema, seguindo o "motto" de Clemenceau: "o meu antecessor é sempre um imbecil e o meu sucessor é sempre um incompetente".

quinta-feira, setembro 23, 2010

Romance de uma conspiração

Pode ter acontecido já a algum leitor ter lido um romance com cenas passadas em locais e circunstâncias em que esteve envolvido. É uma sensação estranha cruzarmo-nos com uma ficção que desenvolve uma trama que teria decorrido, sem o sabermos, ao nosso lado, envolvendo figuras que, embora sob pseudónimo, reconhecemos sem dificuldade. Aconteceu agora comigo, ao ler o "Romance de uma conspiração - Portugal no centro de uma intriga internacional", editado pela "Oficina do Livro" escrito pelo meu amigo João Paulo Guerra, um credenciado jornalista de quem já aqui se falou. Grande parte do texto situa-se no tempos quentes da Revolução de abril, em assembleias, estruturas e espaços militares por onde eu andava então.

Curiosamente, nunca tinha abordado com o autor o tema que trata no livro, sobre o qual, aliás, sabia muito pouco. Trata-se de uma interessante mescla entre ficção e realidade, em torno de uma investigação jornalística sobre uma rede internacional de extrema-direita que, até aos anos 70 do século passado, teve Portugal no seu centro. Ao ler livros como este, começamos a perceber que houve muita coisa, na nossa história recente, que, afinal, correu ao nosso lado mas que só agora, com o passar do tempo, nos vai chegando.

Pedras Frustradas

Sob o título deste post, publiquei ontem no "Jornal de Notícias" o seguinte artigo:  

"Durante muitos anos, Pedras Salgadas foi do que havia de melhor em matéria de parques termais portugueses. Entretanto, os tempos mudaram, o “charme” termal entrou num certo declínio e, apenas nos últimos anos, se registou, um pouco por todo o país, a recuperação de alguma da antiga vitalidade do sector.

Nem todas as estâncias termais tiveram, contudo, a mesma sorte. As Pedras Salgadas arrastaram-se, por algumas décadas, num processo de mera sustentação, a qual, no entanto, dava alento económico à vila e conforto sazonal ao seu comércio. A empresa das “Águas das Pedras”, nas gestões de Souza Cintra e Jerónimo Martins, mantiveram um mínimo de capacidade hoteleira local – que é a condição absolutamente essencial para a sobrevivência desse parque termal.

Uma luz emergiu ao fundo do túnel com o projecto, anunciado pelos novos proprietários das “Águas das Pedras”, a UNICER, da recuperação do balneário e do parque, assente na construção de um novo hotel, que iria ser uma obra de Álvaro Siza Vieira – e cuja designação teria, aliás, o próprio nome do arquitecto. A obra enquadrava-se no projecto Aquanattur e surgia como a contrapartida pelas vantagens da exploração do rentável negócio das águas. Os autarcas locais e, inicialmente, grande parte da população, logo se entusiasmaram com as perspectivas de desenvolvimento que daí poderiam advir, que a propaganda da UNICER espalhava aos quatro ventos.

Depois, veio uma nova administração da UNICER, logo seguida de uma dura realidade: a empresa não apenas encerrou o único hotel então existente como passou, de forma escandalosa, a violar todos os prazos de execução de obras a que, sucessivamente, se ia comprometendo, sob uma inexplicada complacência da AICEP – à qual, em princípio, competiria exigir tal cumprimento e a denúncia dessas violações temporais.  

Há cerca de um ano, sob pressão de um movimento cívico local, que reclamava desses recorrentes atrasos, a actual administração da UNICER anunciou, em comunicado, que, até ao fim de Maio de 2010, iria apresentar o projecto do tal novo hotel, desenhado por Siza Vieira, cuja construção se iniciaria (finalmente!) em 2011. Maio já lá vai há muito, nenhum projecto surgiu e – posso garanti-lo! – é completamente falso que Álvaro Siza Vieira tenha entre mãos qualquer projecto encomendado pela UNICER.

Cansada de esperar, a população das Pedras Salgadas vai sair para a rua, no dia 23 de Setembro. A UNICER – cuja excepcional saúde financeira não lhe permite utilizar o argumento da “crise” – será agora obrigada a explicar o verdadeiro logro em que tem mantido a população das Pedras Salgadas." 

Se estiver interessado noutros textos aqui publicados sobre este tema, clique, abaixo, em "Pedras Salgadas" no Marcador deste post. 

Elmano Sancho

A partir desta semana, quem for ver "Les femmes savantes" de Molière, na Comédie-Française, aqui em Paris, poderá apreciar o trabalho de Elmano Sancho, um jovem ator português já com interessantes experiências nos nossos palcos e cinema.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Rádio portuguesa em francês ?

Falar em francês para portugueses? A questão surgiu no domingo, durante o programa "Génération Portugal", realizado no âmbito da rádio RGB, de Cergy Pontoise, animado por Patrick Caseiro e Aida Cerqueira. Ao longo das várias horas de emissão, em que intervim, o francês foi a única língua usada. Alguém acha isso estranho?

Eu não acho. A comunidade de origem portuguesa em França é muito diversa: há quem fale correntemente português, há quem apenas perceba um pouco de português e há quem se sinta muito pouco à vontade a falar ou a ouvir falar a nossa língua. Sendo este um programa que pretende entrar num "mercado" de ouvintes de uma terceira geração de origem portuguesa, que tem o francês como língua comum, considero perfeitamente natural que o idioma utilizado seja apenas o francês. Quanto ao resto - à música, à cultura, aos temas de conversa - tudo foi sobre Portugal, sobre os portugueses. 

Combinei ir falar, no futuro, ao mesmo programa, sobre o tema da língua portuguesa em França.  E vamos ter essa conversa em francês, claro! Essa será uma oportunidade para tentar explicar aos setores da comunidade luso-descendente que não têm o português no seu dia-a-dia as vantagens que a nossa língua hoje lhes pode oferecer. Esse foi, aliás, o mote de um artigo que publiquei este mês na revista da associação de jovens luso-descendentes "Cap Magellan", precisamente sob o título "Porquê o Português?", e que pode ler aqui.

Monet

Não é muito "decente" - reconheço! - estar a sublinhar uma "vantagem comparativa" de quem vive em Paris. Mas não posso deixar de recomendar, a quem por aqui vive ou por aqui vier a passar, até 24 de Janeiro de 2011, que visite a extraordinária exposição de Claude Monet, em exibição no Grand Palais. Fui ontem vê-la e, confesso, fiquei deslumbrado. Há 30 anos que não se reunia um conjunto tão rico de obras deste grande pintor do impressionismo.

Estando longe de ser uma obra típica de Monet - e talvez por isso -, apetece-me deixar aqui a sua "rua Montorgueil".

terça-feira, setembro 21, 2010

Televisão e futebol

O "Expresso online" trouxe ontem uma nota do seu correspondente em Paris, sob o título "Emigrantes em França criticam TV portuguesa". O texto dá conta do desagrado detetado junto de cidadãos portugueses aqui residentes pelo facto de nem a RTPi nem a SICi transmitirem os principais jogos do campeonato português. Posso adivinhar que terá sido o recente "derby" da 2ª circular a razão próxima desta reação.

Como ilustração desta posição, o jornal cita um compatriota nosso como tendo dito: "A mim só me interessa o futebol e a continuar assim acabo com a assinatura dos canais portugueses". Com esta frase ficam muito claras as motivações que, de facto, assolam muitos portugueses aqui residentes.

Porém, o texto também adianta esta frase: "A RTP e a SIC têm sido acusadas, até por diplomatas nacionais, de difundirem programas inadaptados aos interesses dos portugueses residentes no estrangeiro".

Ora convém não confundir as coisas: alguns "diplomatas nacionais" (a começar pelo embaixador português em França, que não costuma esconder o que pensa, como aqui bem se sabe) têm uma opinião muito pouco lisonjeira da programação que hoje é oferecida pela RTPi e pela SICi. Isso, porém, nada tem a ver com o futebol, ou melhor, talvez tenha! Devo dizer que, reconhecendo que pudesse, de facto, ser interessante ter alguns jogos portugueses mais relevante nesses canais, do que essencialmente me queixo como utente é de que há, precisamente, "futebol" a mais nas televisões portuguesas - longos debates microscópicos sobre "foras-de-jogo" e penaltis, feitos por personalidades com uma óbvia "balcanização" clubística, inenarráveis entrevistas (para passar publicidade em fundo) com treinadores, jogadores, bem como com outros figurantes e alguns figurões do ramo, incríveis imagens quotidianas de treinos dos "três grandes" durante os telejornais do almoço, relatos de sessões de psicanálise federativa, detalhes da comédia da seleção e, por vezes, (sempre muito graves) declarações das instâncias "judiciais" (tenho pudor em utilizar a palavra neste contexto) da modalidade.  

Em matéria de tratamento mediático do futebol, não tenho a menor dúvida em afirmar que Portugal é hoje um país subdesenvolvido e, para tal, muito tem contribuído a medíocre programação das nossas televisões, as quais, na minha opinião pessoal, prestam hoje um mau serviço ao país. Mas, convém ser justo, a televisão não esgota este triste estado de coisas: não imaginam a cara dos estrangeiros quando lhes refiro que há, na nossa terra, três jornais desportivos diários... A França tem um!

Imagino que os responsáveis televisivos, se acaso lhe chegasse à vista esta nota, pudessem argumentar que, como se vê, "não é possível agradar a gregos e a troianos". Claro que não é. Mas, quando não se pode agradar a todos, fazem-se opções. Uma das opções possíveis é seguir acriticamente as tendências do potencial auditório maioritário. Outra seria tentar trabalhá-lo culturalmente, respeitando-o sem o violentar, mas procurando fazê-lo evoluir. As televisões fizeram a sua opção.

Europa à mesa

Há uns meses, falei aqui da "franqueza" que, por vezes, marca as reuniões cimeiras dos chefes de Estado e governo da União Europeia. Quando as coisas "aquecem", a linguagem pode subir a níveis inesperados. Recordo bem duas cenas de quase confrontação física a que assisti, num intervalo de trabalhos, envolvendo grandes líderes políticos europeus.

Por essa razão, não me surpreende nada a descrição que o "Le Monde" de hoje faz do almoço "de trabalho" que reuniu os chefes de Estado e governo dos 27, em Bruxelas, no dia 16 de Setembro. Sob o significativo título "Déjeuner de fiel à Bruxelles", o jornal relata, com citações que a sua credibilidade não permite pôr em causa, as trocas de palavras entre alguns responsáveis pela condução política do continente. Infelizmente, o texto não parece acessível por link. A julgar pelo que foi dito, a chanceler alemã, Angela Merkel, teve plena razão quando avaliou a refeição: "o almoço correu bem, pelo menos no tocante à qualidade da comida..."

Literatura Portuguesa

Voz amiga informa-me de que duas obras literárias portuguesas estão entre os 13 romances estrangeiros finalistas do prémio Femina.

"Aprendre à prier à l'ère de la technique", de Gonçalo M. Tavares (ed. Viviane Hamy) e "Myra", de Maria Velho da Costa (ed, La Différence). 

Trata-se de um prémio cujo juri é composto apenas por mulheres e que, de certo modo, aparece como um contraponto ao prémio Goncourt. A premiação de romances estrangeiros começou a fazer-se em 1985.

De assinalar, também, que o romance de Gonçalo M. Tavares está também qualificado para o prémio Medicis, um outro importante galardão que se destina a autores "cuja fama não está ainda à altura do seu talento".

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...