sábado, outubro 02, 2010

Olívio

O meu mais antigo amigo chama-se Olívio. Nascemos no mesmo ano, na mesma rua (amanhã saberão qual é) e, claro, não me lembro de mim sem o conhecer. O pai do Olívio tinha, lá na rua, uma casa de conserto de bicicletas, pelo que era conhecido como o "Olívio das bicicletas".

Entrámos juntos para a escola, embora o Olívio tivesse sabiamente optado, desde muito cedo, por um ritmo de conclusão dos anos letivos um pouco mais lento que o meu. Tinha, e tem, um jeito sarcástico no falar, um sorriso marcado por uma permanente ironia e uma imensa graça, às vezes ácida, que nunca deixou de espalhar. Fala às mulheres com delicadeza e isso teve as suas recompensas. Recordo uma madrugada de 67, na "Candeia", no Porto, vindo ele de Vila Real vender antiguidades (o seu hobby de estimação), com o dinheiro do negócio rapidamente transformado por nós em whisky e em outros produtos locais, com ele, generosamente, a financiar a minha curta bolsa de estudante.

No final dos anos 60, acabámos por ir ambos para Lisboa, embora com vidas diferentes, em grupos muito diversos. Encontrávamo-nos no Montecarlo, cada um em sua tribo. Aí eu trocava livros e conversa, enquanto ele perdia as noites e ganhava a vida como grande especialista em dominó, atividade que já o tinha tornado famoso na nossa comum ter ra natal, Vila Real.

Depois, fomos para a tropa, era ele delegado de propaganda médica, estava eu no meio do curso e também já empregado. Sobrevivemos bem. Anos mais tarde, chegou-me a notícia de que o Olívio, que vivia na Luz Soriano, havia sido preso. Um lamentável equívoco, provocado por uma amiga solidariedade, ia-lhe destruindo a vida. 100% inocente, claro, foi solto, mas terá aprendido alguma coisa sobre os outros. Depois, montou um bar, o "Cocote", atrás da Caixa Geral de Depósitos, ao Calhariz. Todo o "emigrado" de Vila Real por lá passava as noites. Recordo-me (ele não vai gostar disto...) que tinha um dos piores whiskies "marados" de toda a Lisboa, pelo menos a julgar pelas dores de cabeça que me provocava. Depois, fechou a loja e entrou nas antiguidades e no comércio de pintura. Passava as noites no "Pavilhão Chinês", onde também exercia a sua bela arte de bilharista.

A saúde pregou-lhe uma séria partida e o Olívio regressou, entretanto, a Vila Real, só voltando a Lisboa a espaços. Encontramo-nos às vezes.

Ontem, num interlúdio televisivo, estava eu a ver um videoclip do grupo musical "Toranja" e quem topo eu, figurante, cabelo curto, já muito branco, bengala na mão, com o ar quase aristocrático? O Olívio. Pois é, Olívio, por esta é que eu não esperava!

8 comentários:

Anónimo disse...

Acho que é a primeira vez que vejo o nome próprio Olívio...
Interessante.
Isabel Seixas

cunha ribeiro disse...

Lá fui ver com atenção o vídeo
Mas cadê o Olíveo?

PLOMENOS ouvi e apreciei os TORANJA, de quem gosto.

Anónimo disse...

Viva sr. Embaixador

Rua Avelino Patena,mais conhecida por rua das Pedrinhas,será?

Tenha 1 bom domingo,por aqui,VRL,chove abundantemente.

1 abraço (da sra da bata branca).

margarida disse...

O romantismo não é desdenhável.
Podem perder-se caminhos reveladores. Facto que este vídeo já havia sido 'publicado' há uns meses, e, não fosse uma possível 'soupçonne' no gosto, já há muito haveria de ter detectado o excelso senhor 'parmi' o sépia do olhar e a rouquidão formidável do Bettencourt...
Voilá: tudo se resume a uma questão de laços.
Que às vezes nunca se devolvem.

António P. disse...

Bela história.
Espero que por Paris não chova

Blondewithaphd disse...

Eu tive um amigo chamado Olívio! Era uma curte de pessoa. Self-made man ao arrepio de convenções masculinas (um Ziggy como na canção). Vendia legumes numa praça algures na cidade grande e usava um avental onde punha os trocos das freguesas. Gostave de arte e foi por isso que o conheci, longe do meio dele e do meu. Num espaço intermédio sem fronteiras. Perdi-lhe o rasto e gostaria de reencontrá-lo assim, num acaso.

Anónimo disse...

O Olívio!...

Um ponto de referência, para todos os efeitos, da minha geração em Vila Real!...

Não pude reconhecê-lo no vídeo mas lembro-me muito bem dele nas disputadas tardes de snooker no Excelsior e no cantinho ao lado, quase reservado, onde pontificava no dominó!...

Caro Embaixador;
O Olívio, tal como me lembro dele nesses idos anos de 60/princípios de 70, é uma personagem de quase ficção, com perfil de cidadão do mundo a justificar e merecer perfeitamente, hoje, a lembrança deste Post!...

Abraço
João Queiroga

Anónimo disse...

É mesmo o Grande Olívio.
Estava eu a pesquisar no Google sobre o Olívio de Vila Real e sai este video...
Não estou com ele desde 2005, mas passei tantas aventuras com o Olívio no bairro alto e no bar majong que tenho histórias suficientes para recordar durante muitos anos.
O Grande Olívio...
Albano Santos

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