Para a demagogia do Chega, o assassinato da criança é sopa no mel do populismo. Se o assassino tivesse sido um cigano, então é que era ouro sobre azul...
Às vezes a demagogia e o populismo têm algumas vantagens. Uma delas é incomodar uma certa elite politicamente correcta, despertando-a para determinados assuntos que ignora olimpicamente porque dizem respeito ao povoléu, como é o do caso de algumas comunidades ciganas que vivem à margem da lei.
Hum, se não aparecia por aqui um venturinha até o diabo se ria. O que é certo, senhor embaixador, é que os venturinhas estão a crescer, e a crise económica que aí vem não augura nada de bom, nesse e noutros capítulos, na nossa e noutras paragens. É dever dos democratas desmontar as falácias e as demagogias com que nos vão em breve inundar, bem como denunciar os media amigos que as promovem. Como é o caso do comentário das 10.13, a cartilha está lá toda, vocês são é politicamente correctos, não dizem as verdades, os ciganos são todos gatunos, quando não são os ciganos são os pretos e quando não forem os pretos serão os chineses. Muito cuidado com esta malta: deflectem o discurso, viram o bico ao prego, apelam ao mais básico, ao mais simplista das emoções humanas e estão a ganhar adeptos.
Vê-se pelos casos de sucesso - Trump, Bolsonaro - que o populismo é imbatível se confrontado com as posturas "decentes" em política. O populismo deve ser disputado por todos os actores em cena. Se o for, o campo distribui-se por vários pretendentes e torna-se pouco significativo. Foi o fenómeno que ocorreu com as televisões. Foram baixando o nível até ficarem empatadas. E depois é que vamos ver quem ganha.
Lúcio Ferro, os venturinhas de serviço podiam escudar-se até há pouco tempo na condição de desiludidos da política, de adversários do politicamente correto e do Marxismo Cultural, seja lá o que isso for (a própria palavra socialismo, que usam amiúde, não significa nada para eles, apenas um insulto para designar qualquer posição progressista)...
Mas André Ventura, talvez ufanado pelo vento das sondagens, anda a tornar-se mais audacioso.
Já não se trata apenas das vigarices de quem tinha um programa e agora afinal tem outro, de quem disse que não ia acumular remunerações e acumula, de quem se diz defensor da polícia e aceita candidatos que foram dela expulsos e estão a ser investigados pelas autoridades judiciais, ou de quem se declara iluminado por Fátima e escreveu romances pornográficos.
É que defender o confinamento de cidadãos com base na sua etnia não é apenas pôr em causa o tratamento igual perante a Lei ou o princípio de presunção de inocência de que todos gozam (e este é o homem que escreveu uma tese em Direito onde condenava o populismo judicial!). É defender o que os nazis defendiam.
Pelo que quem se declara pelo dito senhor agora já não tem desculpa...
O populismo só se desenvolve quando os "não populistas" não lhes respondem de maneira adequada.
O populista não inventa problemas que não existem: ele geralmente pega em problemas reais (ou tidos como tal) e propõe soluções inaceitáveis. A tendência dos "não populistas" tem sido a de afirmar que esses problemas não existem, quando deveria ser a de demonstrar que as soluções dos populistas são inaceitáveis, propondo outras.
Contra o populismo, é muito mais eficaz explicar porque é que expulsar os imigrantes ou construir um muro nas fronteiras são soluções inaceitáveis para o problema da imigração, do que dizer que a imigração não causa nenhum problema.
Carlos Cardoso, o que diz é muito bem observado. Uma pessoa não se torna um cavernícola só porque defende um maior controlo da imigração, ou porque defende que a Lei da República tem precedência sobre as tradições culturais ou religiosas de certos grupos, minoritários (tipicamente), ou maioritários.
O problema é que estas questões são normalmente discutidas, também pela população, ao nível das emoções. Se se disser a alguém que considera que os imigrantes se aproveitam do sistema de segurança social que o contrário é que é verdadeiro e que o seu trabalho representa um ganho não apenas para eles como para nós, suspeito que essa pessoa pura e simplesmente não vai acreditar.
A tendência de alguém (falo de todos sem excepção) quando confrontado com informação que põe em causa um preconceito seu é arreigar-se ainda mais à sua crença. Por isso, duvido que a discussão racional que propõe funcione... O Pathos ganha sempre em relação ao Logos e é por aí que os populistas vencem.
Posso estar enganado, mas Ventura está ainda muito longe de ter a coerência de uma Le Pen, cujo discurso parece estar sempre dentro dos limites do aceitável (a dificuldade que ela tem é calar os militantes do seu Partido, chassez le naturel, il reviendra au galop, como dizem os franceses).
Ventura diz tudo e o seu contrário. Pode apelar ao 'bas fond', mas ainda não entra nos salões.
Tudo dependerá pois do que fizer a Direita em relação a ele. Se estabelecer um cordão sanitário, duvido que ele passe os números que as sondagens lhe concedem, em especial se os restantes Partidos o grelharem com questões para além das polémicas que gosta de levantar. Por exemplo, que quer Ventura para a saúde e para o ensino? Resposta: Privatizá-los a ambos (ou pelo menos esse era o seu programa, antes de o descobrir).
E quando levantar uma polémica, é bom que se exponha a sua hipocrisia e falta de apego aos valores cristãos, como fez brilhantemente Quaresma...
Claro, Bolsonaro é bastante pior do que Ventura e acabou Presidente do Brasil, mas isso porque a Direita dita democrática achou que ele era melhor do que um social-democrata moderado, cujo Partido a que pertencia estava minado, como os restantes, pela corrupção.
Há quem pense que o que define um centrista de Direita é, em Portugal, votar no PSD ou CDS. Não é, é o apego a valores democráticos. Pode-se votar nesses Partidos ou no PS e mesmo no BE porque se acredita na Democracia Representativa (o PCP limita-se a aceitá-la), mas isso não faz de ninguém por si um democrata. Nuno Melo não é um democrata, Ventura também não, já se viu aliás que se pudessem mandavam calar toda a gente...
Por isso, o teste do algodão será o que irá a Direita fazer em relação a Ventura ou a Melo. Não esquecer que Hitler chegou ao poder pela mão dos conservadores alemães que pensavam que o conseguiriam dominar... Ele, claro, era demasiado inteligente para isso...
Jaime Santos, não discordo de nada do que escreveu, senão, talvez, da inevitabilidade de o Pathos ganhar contra o Logos.
Apesar de o Jaime Santos duvidar que a discussão racional funcione, noto que apela a que se exponha a hipocrisia do populista, o que coincide com o que eu queria dizer quando escrevi que se deve demonstrar a inaceitabilidade das soluções propostas pelos populistas.
Não será fácil, mas talvez um dia o Logos consiga vencer o Pathos.
Carlos Cardoso, de acordo, mas o que eu digo é que não deveremos enfrentar o populista no terreno que ele escolhe, onde pode facilmente apelar ao Pathos.
Ventura, olhando para os bons carros dos apoiantes da sua candidatura presidencial ou para o seu programa de privatizações de tudo e mais alguma coisa, está-se nas tintas para o 'povo', o que torna os comentários dos venturinhas de serviço francamente cómicos... O que lhe(s) interessa é o poder e o dinheiro...
Ele limita-se a apelar à divisão porque sabe que essas polémicas rendem, até pelo ressentimento que existe em relação ao apoio aos mais pobres, ciganos incluídos (e como se estes não fizessem parte do povo!). Levantou-se Ventura em armas contra todos os que desobedeceram às autoridades durante a emergência sanitária? O tanas é que se levantou...
Estas questões são aliás perfeitamente acessórias nos objectivos de Ventura, tal como a conversa sobre o Marxismo Cultural o é para Nuno Melo. Melo procura é ir buscar os votos dos ressentidos pela perda do Império.
Também por isso, o combate deve fazer-se noutro terreno, o das soluções, sobretudo em matérias de cariz económico ou do financiamento de serviços públicos... Porque se Bolsonaro ou Trump servem de lição, é que em situações de crise como a que vivemos, os populistas só servem mesmo para lixar o povo...
E não apenas os de Direita. AMLO, no México, está a tornar-se parecido com Trump. Só que os mexicanos, que são um povo aparentemente mais inteligente ou mais cínico (ou as duas coisas) que os seus vizinhos do Norte, já não lhe ligam nenhuma...
10 comentários:
Isso mesmo.
Às vezes a demagogia e o populismo têm algumas vantagens. Uma delas é incomodar uma certa elite politicamente correcta, despertando-a para determinados assuntos que ignora olimpicamente porque dizem respeito ao povoléu, como é o do caso de algumas comunidades ciganas que vivem à margem da lei.
Hum, se não aparecia por aqui um venturinha até o diabo se ria. O que é certo, senhor embaixador, é que os venturinhas estão a crescer, e a crise económica que aí vem não augura nada de bom, nesse e noutros capítulos, na nossa e noutras paragens. É dever dos democratas desmontar as falácias e as demagogias com que nos vão em breve inundar, bem como denunciar os media amigos que as promovem. Como é o caso do comentário das 10.13, a cartilha está lá toda, vocês são é politicamente correctos, não dizem as verdades, os ciganos são todos gatunos, quando não são os ciganos são os pretos e quando não forem os pretos serão os chineses. Muito cuidado com esta malta: deflectem o discurso, viram o bico ao prego, apelam ao mais básico, ao mais simplista das emoções humanas e estão a ganhar adeptos.
Obrigado pelo aviso, Lúcio Ferro. Vou ter cuidado ... comigo próprio!
Vê-se pelos casos de sucesso - Trump, Bolsonaro - que o populismo é imbatível se confrontado com as posturas "decentes" em política. O populismo deve ser disputado por todos os actores em cena. Se o for, o campo distribui-se por vários pretendentes e torna-se pouco significativo. Foi o fenómeno que ocorreu com as televisões. Foram baixando o nível até ficarem empatadas. E depois é que vamos ver quem ganha.
Lúcio Ferro, os venturinhas de serviço podiam escudar-se até há pouco tempo na condição de desiludidos da política, de adversários do politicamente correto e do Marxismo Cultural, seja lá o que isso for (a própria palavra socialismo, que usam amiúde, não significa nada para eles, apenas um insulto para designar qualquer posição progressista)...
Mas André Ventura, talvez ufanado pelo vento das sondagens, anda a tornar-se mais audacioso.
Já não se trata apenas das vigarices de quem tinha um programa e agora afinal tem outro, de quem disse que não ia acumular remunerações e acumula, de quem se diz defensor da polícia e aceita candidatos que foram dela expulsos e estão a ser investigados pelas autoridades judiciais, ou de quem se declara iluminado por Fátima e escreveu romances pornográficos.
É que defender o confinamento de cidadãos com base na sua etnia não é apenas pôr em causa o tratamento igual perante a Lei ou o princípio de presunção de inocência de que todos gozam (e este é o homem que escreveu uma tese em Direito onde condenava o populismo judicial!). É defender o que os nazis defendiam.
Pelo que quem se declara pelo dito senhor agora já não tem desculpa...
O populismo só se desenvolve quando os "não populistas" não lhes respondem de maneira adequada.
O populista não inventa problemas que não existem: ele geralmente pega em problemas reais (ou tidos como tal) e propõe soluções inaceitáveis. A tendência dos "não populistas" tem sido a de afirmar que esses problemas não existem, quando deveria ser a de demonstrar que as soluções dos populistas são inaceitáveis, propondo outras.
Contra o populismo, é muito mais eficaz explicar porque é que expulsar os imigrantes ou construir um muro nas fronteiras são soluções inaceitáveis para o problema da imigração, do que dizer que a imigração não causa nenhum problema.
Carlos Cardoso, o que diz é muito bem observado. Uma pessoa não se torna um cavernícola só porque defende um maior controlo da imigração, ou porque defende que a Lei da República tem precedência sobre as tradições culturais ou religiosas de certos grupos, minoritários (tipicamente), ou maioritários.
O problema é que estas questões são normalmente discutidas, também pela população, ao nível das emoções. Se se disser a alguém que considera que os imigrantes se aproveitam do sistema de segurança social que o contrário é que é verdadeiro e que o seu trabalho representa um ganho não apenas para eles como para nós, suspeito que essa pessoa pura e simplesmente não vai acreditar.
A tendência de alguém (falo de todos sem excepção) quando confrontado com informação que põe em causa um preconceito seu é arreigar-se ainda mais à sua crença. Por isso, duvido que a discussão racional que propõe funcione... O Pathos ganha sempre em relação ao Logos e é por aí que os populistas vencem.
Posso estar enganado, mas Ventura está ainda muito longe de ter a coerência de uma Le Pen, cujo discurso parece estar sempre dentro dos limites do aceitável (a dificuldade que ela tem é calar os militantes do seu Partido, chassez le naturel, il reviendra au galop, como dizem os franceses).
Ventura diz tudo e o seu contrário. Pode apelar ao 'bas fond', mas ainda não entra nos salões.
Tudo dependerá pois do que fizer a Direita em relação a ele. Se estabelecer um cordão sanitário, duvido que ele passe os números que as sondagens lhe concedem, em especial se os restantes Partidos o grelharem com questões para além das polémicas que gosta de levantar. Por exemplo, que quer Ventura para a saúde e para o ensino? Resposta: Privatizá-los a ambos (ou pelo menos esse era o seu programa, antes de o descobrir).
E quando levantar uma polémica, é bom que se exponha a sua hipocrisia e falta de apego aos valores cristãos, como fez brilhantemente Quaresma...
Claro, Bolsonaro é bastante pior do que Ventura e acabou Presidente do Brasil, mas isso porque a Direita dita democrática achou que ele era melhor do que um social-democrata moderado, cujo Partido a que pertencia estava minado, como os restantes, pela corrupção.
Há quem pense que o que define um centrista de Direita é, em Portugal, votar no PSD ou CDS. Não é, é o apego a valores democráticos. Pode-se votar nesses Partidos ou no PS e mesmo no BE porque se acredita na Democracia Representativa (o PCP limita-se a aceitá-la), mas isso não faz de ninguém por si um democrata. Nuno Melo não é um democrata, Ventura também não, já se viu aliás que se pudessem mandavam calar toda a gente...
Por isso, o teste do algodão será o que irá a Direita fazer em relação a Ventura ou a Melo. Não esquecer que Hitler chegou ao poder pela mão dos conservadores alemães que pensavam que o conseguiriam dominar... Ele, claro, era demasiado inteligente para isso...
Jaime Santos, não discordo de nada do que escreveu, senão, talvez, da inevitabilidade de o Pathos ganhar contra o Logos.
Apesar de o Jaime Santos duvidar que a discussão racional funcione, noto que apela a que se exponha a hipocrisia do populista, o que coincide com o que eu queria dizer quando escrevi que se deve demonstrar a inaceitabilidade das soluções propostas pelos populistas.
Não será fácil, mas talvez um dia o Logos consiga vencer o Pathos.
Carlos Cardoso, de acordo, mas o que eu digo é que não deveremos enfrentar o populista no terreno que ele escolhe, onde pode facilmente apelar ao Pathos.
Ventura, olhando para os bons carros dos apoiantes da sua candidatura presidencial ou para o seu programa de privatizações de tudo e mais alguma coisa, está-se nas tintas para o 'povo', o que torna os comentários dos venturinhas de serviço francamente cómicos... O que lhe(s) interessa é o poder e o dinheiro...
Ele limita-se a apelar à divisão porque sabe que essas polémicas rendem, até pelo ressentimento que existe em relação ao apoio aos mais pobres, ciganos incluídos (e como se estes não fizessem parte do povo!). Levantou-se Ventura em armas contra todos os que desobedeceram às autoridades durante a emergência sanitária? O tanas é que se levantou...
Estas questões são aliás perfeitamente acessórias nos objectivos de Ventura, tal como a conversa sobre o Marxismo Cultural o é para Nuno Melo. Melo procura é ir buscar os votos dos ressentidos pela perda do Império.
Também por isso, o combate deve fazer-se noutro terreno, o das soluções, sobretudo em matérias de cariz económico ou do financiamento de serviços públicos... Porque se Bolsonaro ou Trump servem de lição, é que em situações de crise como a que vivemos, os populistas só servem mesmo para lixar o povo...
E não apenas os de Direita. AMLO, no México, está a tornar-se parecido com Trump. Só que os mexicanos, que são um povo aparentemente mais inteligente ou mais cínico (ou as duas coisas) que os seus vizinhos do Norte, já não lhe ligam nenhuma...
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