sexta-feira, maio 08, 2020

A China vai dominar o mundo?


No mundo antes do surgimento do novo vírus, a afirmação geopolítica da China vinha, desde há muito, a suscitar uma forte preocupação americana, desde logo pela perceção de que isso representava uma crescente ameaça direta à sua preeminência à escala económica global. Ao contrário de Obama (e do que poderia ter sido uma administração Clinton), que tinha apostado num “cerco” de parcerias económicas, envolvendo os seus aliados vizinhos da China, a linha de Trump apontou para um diálogo bilateral tenso, apostando em como Beijing não se arriscaria a um confronto económico-financeiro no qual teria muito a perder.

No imediato, a China contemporizou, Trump ganhou tempo e procurou levar os europeus para uma frente comum contra o perigo chinês. A Europa, que começa a encarar a China como um poder adversarial, não parece assumir ainda uma linha comum que permita uma sua antagonização aberta. Porém, o modo como aliados europeus dos EUA aceitaram incluir uma inédita referência à questão chinesa no comunicado da última cimeira da NATO prova que a porta, para um futuro entendimento entre americanos e europeus, não está totalmente fechada. A acontecer, isso só poderia ser feito desde que Washington optasse por uma postura de razoabilidade, pouco provável com a administração atual.

A preocupação europeia pela tomada de posições do capital chinês em ativos seus já não é de hoje, mas a verdade é que, num mercado aberto, quem tem meios disponíveis para aproveitar as oportunidades dificilmente pode ser travado por procedimentos administrativos. A Europa queixa-se de que países como Portugal alienaram ativos para mãos chinesas? E alguém dessa Europa se “chegou à frente”, no momento certo, para o evitar? Além de que convém notar que o nosso país, ao contrário do que alguns pensam, está muito longe de ser o maior hospedeiro europeu de capitais chineses.

A pandemia trouxe novos dados a esta equação. De um dia para o outro, a Europa parece ter acordado para a imensa dependência que, ao longo de décadas, criou face à China. E logo teve um reflexo “nacionalista”, protecionista, a que até o nosso primeiro-ministro foi sensível no seu discurso europeu. Há aqui, porém, um forte equívoco: o “made in Europe” não dá garantia estratégica absoluta a ninguém, como os italianos bem perceberam no auge do seu estado de necessidade. Além de que a China, passada a pandemia, vai regressar como um mercado essencial para a recuperação da indústria europeia, por muitas preocupações geopolíticas que Bruxelas possa suscitar.

Já se percebeu que os EUA optarão por alimentar cada vez mais teorias conspiratórias contra a China, que dêem a Trump a um inimigo externo que o ajude a renovar o seu poder interno. Não parece, contudo, que esse caminho possa vir a ter muitos seguidores, num mundo ansioso por capitais que o, embora limitado, crescimento chinês proporcionará. O futuro económico global não é muito risonho, mas nada indica que nele a China não possa continuar a sorrir.

(Artigo publicado a convite da revista “Visão”)

7 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Ola:- Acredito mesmo que assim seja.
.
Bom fim de semana
Cuide-se

Anónimo disse...

Portanto, não se faz nada. Brilhante!

Anónimo disse...

Será que o sonho de muitos portuguêses, europeus, norte americanos, canadianos, australianos ... é serem governados, directa ou indirectamente, por um sistema comunista, ainda por cima chinês?.
Hong-Kong, Taiwan são exemplos de quem conhece de perto, e abomina, aquela realidade.
Ainda vai haver muita saudade "do Trump".

Joaquim de Freitas disse...

Anonimo das 22:53: Escreve: "Ainda vai haver muita saudade "do Trump".

Mas claro, como hà jà hoje em Portugal e algures, muita saudade de Salazar,de Hitler, e noutros paises de Franco, de Bush e mesmo de Mussolini. E como haverà um dia de Bolsonaro. Dans la vie on ne fait pas ce que l'on veut mais on est responsable de ce que l'on est.

AV disse...

E no entanto ...

jj.amarante disse...

A propósito destas frases
«A Europa queixa-se de que países como Portugal alienaram ativos para mãos chinesas? E alguém dessa Europa se “chegou à frente”, no momento certo, para o evitar?»
lembro-me de inúmeros exemplos em que países mais desenvolvidos e com grande capacidade produtiva financiam a compra dos seus produtos emprestando dinheiro a países com menor capacidade produtiva que por vezes se endividam em demasia. Nessa altura os países credores, embora possam ter alguma dificuldade em recuperar o dinheiro que emprestaram, costumam ter boas oportunidades de comprar activos dos países devedores.
No tempo de Passos Coelho, na alienação da parte do sector eléctrico de Portugal ainda detida pelo Estado português, existiam companhias alemãs interessadas na compra mas os chineses fizeram uma melhor oferta. A um alemão que me observou que éramos doidos em vender este tipo de empresas aos chineses eu na altura respondi que para garantirmos a independência de Portugal precisávamos de fazer uma gestão cuidadosa das nossas dependências, não podíamos ficar dependentes exclusivamente de uma só potência.

Anónimo disse...

Quem não é (300%) a favor de Joaquim de Freitas e dos seus ídolos ...

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...