“Isso é quase em Lamas de Olo!”, dizíamos, na minha adolescência, quando queríamos significar um sítio que, embora relativamente perto de Vila Real, se tornava imensamente longínquo pelo muito difícil acesso, através dos péssimos e lamacentos caminhos que então serviam as aldeias das redondezas. E não era mais do que uma dúzia de quilómetros a distância que separava a aldeia de Lamas de Olo da cidade de Vila Real.
Mas que mundo de diferenças! Em Lamas de Olo (e algumas outras “Lamas de Olo” havia por esse país fora) não havia um médico, uma farmácia, um comércio decente. Também não havia saneamento básico, nem água canalizada, nem tratamento de lixos. Uma agricultura pobre e o comércio de gado era tudo quanto mantinha aquela gente por ali, até que a guerra colonial ou a ousadia da migração lhe viesse chamar os homens.
Nenhum de nós, à época, se tinha alguma vez aventurado a ir a Lamas de Olo, pelo caminho do Alvão. Mas imaginávamos o que seria, para os habitantes da aldeia, a saga de vir à cidade - por questões burocráticas, de saúde ou para as feiras. Aquela vida miserável e primitiva, então com todas as casas de habitação cobertas de colmo (como mostra uma imagem tirada hoje), com os animais a viver por baixo, teria talvez “graça” para os etnólogos e para os cultores urbanos do Portugal “pobrezinho mas contente”, que a ditadura mantinha.
Um professor primário que, de Vila Real, se deslocava regularmente a Lamas de Olo, falou-me muito da vida dessa gente. E disse-me da dificuldade de contar certas histórias às crianças de lá. Nesse tempo em que o único canal de televisão mal chegava a Vila Real e a “venda” da aldeia ainda não tinha um aparelho, era difícil fazer imaginar o que seria um comboio ou o mar - coisa que nenhuma delas tinha ainda visto e só podia adivinhar pelas imagens estáticas dos livros.
Parece que estamos a falar do século XIX, mas tudo isto se passava na segunda metade do século XX, já na transição dos anos 60 para 70, com os Beatles na moda e o homem na lua.
Depois, um dia, foi o 25 de abril.
Hoje, a aldeia tem turismo, dizem-me que perto há uma casa com belos petiscos. Passei por lá, há minutos, através de uma estrada aceitável de Mondim de Basto para Vila Real, pelo Alvão, com passagem por Lamas de Olo.
5 comentários:
Cliente habitual deste blogue, nem sempre concordo com o que escreve o que é saudável. Sem ser fundamentalista, acho que a afirmação de que existia um padre está "metida a martelo". Por outro lado comparam-se realidades com Meio Século de intervalo. Nessa época ir do Porto a Vila Real pela curvas do Marão também não era pera doce. Repare que um dos marcos de evolução que refere, é a existência de uma casa de petiscos, o que sendo alguma coisa sabe a pouco. Vive-se incomparavelmente melhor, mas um jovem de Lamas de Olo ou é criador de gado ou emigrante.
Se às portas de Lisboa muitas aldeias só conheceram a "luz elétrica", a "água da companhia", o "esgoto camarário" ou a estrada alcatroada já bem na década de 1970, em Lamas de Olo só poderia ser assim mesmo.
25 de Abril, Sempre!
a dificuldade de contar certas histórias às crianças de lá
A dificuldade de contar muitas histórias às crianças continua a existir. Aliás, é um problema cada vez mais agudo.
Atualmente, é muitíssimo difícil fazer compreender às crianças de hoje, das cidades de hoje, muitas das coisas que são supostas aprender. Por exemplo, nas disciplinas de história e em matérias de religião, há muitos conceitos que são estranhos e ininteligíveis para muitas crianças.
Basta mandar as crianças (ou jovens) ler Eça de Queiroz, deparam-se logo com conceitos como "adultério" que hoje em dia são difíceis de entender.
Em meados dos anos 50 na Beira Alta também era assim; depois, a emigração para França aliviou um pouco o viver daquelas gentes.
Curioso, é haver ainda muita gente que defende que nesse tempo é que era bom. E defendem que se deve manter a cultura dessas aldeias paupérrimas e sem quaisquer condições.
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