sexta-feira, março 16, 2018

"Um Português brasileiro"

Faria hoje 100 anos Valentim dos Santos Diniz, um cidadão português a quem, em 2009, dediquei, no Brasil, um artigo, sob o título em epígrafe, no "Mundo Português" onde refleti um pouco sobre a comunidade luso-brasileira. Aqui o deixo reproduzido, pro memoria:

"Com a morte de Valentim dos Santos Diniz como que se atenua um pouco a imagem daquilo que Portugal representou para a formação do Brasil, de tudo quanto a matriz lusa contribuiu para marcar a identidade deste país.

Nestes tempos em que dom João e a sua corte por aqui são revisitados com curiosidade, o desaparecimento de um dos últimos grandes patriarcas portugueses no Brasil é talvez um momento adequado para reflectirmos um pouco sobre o que Portugal aqui ainda representa, para além da retórica das caravelas que pontua os discursos nas solenidades.

Passou já algum tempo desde o período áureo em que a comunidade portuguesa tinha uma forte expressão no Brasil – económica, social e até política.

Em particular no Rio de Janeiro e em S. Paulo, personalidades e instituições cuidaram sempre em manter bem alto o orgulho de terem feito parte de gerações que aqui construíram o seu futuro e que, simultaneamente, aqui construíram o seu próprio país.

Com a mudança dos fluxos migratórios portugueses para o espaço europeu, no final dos anos 60, o Brasil deixou de ser o destino prioritário de quantos, em Portugal, recusavam a modorra de uma sociedade fechada e partiam à busca de melhor sorte.

A teimosa ilusão colonial do Estado Novo fez mesmo com que fosse estimulada a migração para a África, que viria a provar-se muitas vezes sem futuro. Foi um erro que alguns pagariam em meados da década seguinte, tendo de sair à pressa de sociedades em convulsão política e social. O Brasil voltou então a ser, para muitos, o porto de abrigo seguro, como o foi para quantos então se sentiram ameaçados pela Revolução dos Cravos.

Essa era já, porém, uma imigração algo diferente da que, durante décadas, ajudara a construir a sociedade brasileira, lado a lado com outras nacionalidades que geraram o “melting pot” da brasilidade contemporânea.

Durante muitas décadas, das aldeias do Portugal profundo, partiram muitos jovens simples à procura do direito à esperança. Os “Brasis”, como a memória portuguesa celebra as Pasárgas de muitas dessas gerações, eram a terra prometida onde tudo era possível, para quem quisesse, com trabalho árduo, deitar a mão ao destino.

Para além da caricatura que o marcou, que sempre por aqui foi uma espécie de humor amargo que o descendente do colonizador originário teve de suportar com esforçada bonomia, creio patente que o imigrante português criou no Brasil uma imagem geral de labor e seriedade, de uma forma de estar na vida que caracteriza aquilo que se viria a decantar como o conceito de pessoa de bem.

Valentim dos Santos Diniz é um bom expoente dessa métrica pela qual se medem os homens de carácter. Empenhado, trabalhador e com uma seriedade à prova de bala, construiu um império de negócio, empregou milhares, ganhou e deu a ganhar dinheiro, foi um notável exemplo de sucesso com seriedade. Foi brasileiro na obra que erigiu, sendo sempre português na alma que estava por detrás desse empreendimento, na saudade da sua Beira natal e na sua crença num certo Portugal.

Encontrei-o algumas vezes, desde que cheguei ao Brasil. Pude expressar-lhe a minha admiração por tudo quanto ele representava para a memória da presença portuguesa neste país. Recordo-me de lhe ter dito que, como embaixador de Portugal, só esperava que os nossos compatriotas que agora iam aportando ao Brasil, com outras motivações e expectativas de vida, pudessem continuar a ser dignos da imagem de seriedade e respeito que os anteriores imigrantes portugueses haviam sabido construir e fixar por aqui.

Valentim dos Santos Diniz foi a prova mais concreta de que a melhor maneira de ser um bom português no Brasil é assumir este país em pleno, é ser e afirmar-se como um leal cidadão brasileiro."

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Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...