sexta-feira, março 23, 2018

As soluções e os rótulos


Com assinalável elegância, o deputado europeu do CDS Nuno Melo expressou ontem neste espaço a sua discordância com o que entendeu ser a minha perspetiva “federalista” sobre o processo europeu. E reagiu à “farpa” que eu lhe tinha endereçado, por virtude da sua atitude perante as propostas do primeiro-ministro português.

O senhor deputado está enganado. Nem eu sou federalista, nem a dicotomia europeia essencial, nos dias que correm, opõe os chamados federalistas aos que defendem outras perspetivas sobre o modelo futuro da União. No Parlamento Europeu, uma câmara onde as caricaturas mimetizam o mundo real, alguns desses mitos permanecem de forma retórica. Mas é preciso assumir que há muito mais Europa fora desse areópago viajante entre Bruxelas e Estrasburgo.

A Europa verdadeira já não é assim. Só alguns idealistas acreditam ainda que será possível chegar a uns Estados Unidos da Europa. Só uns escassos dependentes dos esquemas teóricos do passado estão convencidos de que o processo europeu caminhará para o modelo federal, no formato que “vem nos livros”. Os saltos e sobressaltos por que esse processo passou, nas últimas duas décadas, mostraram que o pragmatismo, mesmo no plano do desenho das instituições, é hoje a verdadeira regra do jogo. 

Por muito que isso desagrade a alguns, constata-se que a Europa, por estes dias, se dedica a uma navegação à vista. Os governos que se sentam à mesa do Conselho dependem, a nível nacional, de maiorias muito diversas, têm uma força relativa muito desigual, para além de serem democraticamente obrigados a ter de representar agendas de interesses ou preocupações muito díspares e, não raramente, contraditórias entre si. 

Por isso, os “mandatos” desses governos, autorizando-os a poderem agregar-se na defesa de políticas ou de desenhos institucionais ousados, são quase sempre muito limitados, muitas vezes gerados “à beira do abismo”, em situações limite de sobrevivência do projeto. Mas, por vezes, os países são mesmo confrontados com a necessidade de fazerem essas opções, se quiserem que a Europa realmente vá funcionando, na defesa daquilo que os protege.

Dentro em breve, ao que tudo indica, Portugal pode vir a ter de decidir se quer ou não vir a associar-se à criação de estruturas cumulativas às que hoje enquadram a gestão da moeda única. Elas acarretarão, naturalmente, novas partilhas de soberania. Também os efeitos do Brexit podem vir a justificar modelos criativos de financiamento do orçamento da União, essenciais para a sustentação de políticas que são vitais para os nossos interesses. É isso um salto federal? Confesso que, nos tempos que correm, estou bem mais interessado na eficácia soluções do que no peso semântico dos rótulos.

6 comentários:

Anónimo disse...

Sempre me julguei um idealista mas sem termo ou medida que o pudesse comprovar. Eis que surge agora pelas palavras do embaixador: só os idealistas acreditam numa Europa Federal: Cá estou eu: - acredito que é um fim intermédio da caminhada inexorável para a globalização. E mais: única forma de assegurar uma ponta de oportunidade de ter uma palavra a dizer sobre o futuro. Veremos aliás o que se vai passar com os disparatados ingleses que, para nossa inteira pouca sorte, porque ficamos mais dependentes dos alemães, decidiram suicidar-se.
João Vieira

Anónimo disse...

"Homem que fez reféns em França exige libertação de Salah Abdeslam
12:59 por M.B. 0
Após declarar lealdade ao Estado Islâmico, o atacante do supermercado em Trébes terá exigido a libertação do principal suspeito dos ataques de Paris, de 13 de Novembro de 2015."

Esta noticia vale por mil textos "correctos" sobre a UE.

Os ovos das víboras são chocados dentro da Europa.

Joaquim de Freitas disse...

Entre Confederação e Federação, « mon cœur balance » !


Muito simples : Os Estados soberanos, pela sua soberania, são livres de atribuir certas competências às instituições supranacionais. Atribuem somente competências, mas não a soberania! Criam assim uma confederação de Estados soberanos e não uma federação.

Certos Estados europeus são eles mesmos federações: a Alemanha, a Áustria, a Bélgica. Como os Estados unitários, estas federações atribuem competências à União europeia, mas não poderão, como Estados soberanos, fazer parte duma outra, ou maior, federação europeia.
Eis porque a União europeia é e será, uma confederação “supra federal”.



– -Mas para o momento, existe a Constituição Europeia, construída a partir de Tratados, uns mais nocivos que outros, que fizeram da EU um Bloco Militarista, cujo pilar essencial é a NATO, onde um país não europeu acciona todos os “cordelinhos”: os USA.

– - Uma União Europeia anti- democrática. Na qual não somente a Comissão faz o que ela quer, mais à direita que nunca, que deve respeitar o contexto ultra liberal da União.

– - Um governo de tecnocratas não eleitos, que dispõe de poderes legislativos, executivos mas também judiciários. Nas mãos de presidentes que por vezes é melhor esquecer… Montesquieu , perante uma tal acumulação de poderes, apanhava uma apoplexia !

-- A precariedade e a flexibilidade dos trabalhadores inscritas como valor supremo da União. Alguns não compreenderam que entre o “direito ao trabalho” e o “direito de trabalhar” existe uma diferença.

-- A taxação do capital é interdita. Isto é a primeira vez em que um parlamento eleito ao sufrágio universal deve respeitar a livre circulação dos capitais. Interditando, por exemplo a Taxa Tobin…Basta que o Luxemburgo se oponha para que esta Taxa não se aplique.

-- A concorrência transformada em dogma da UE : Os serviços públicos para a fossa !. Ah o tema da economia de mercado “aberta” e da “concorrência livre e não “traficada”!

-- Um Banco Central fora de todo e qualquer controlo…a mais oculta das instituições europeias subtraída, assim a todo controlo democrático. Mais liberal ainda que os Estados Unidos, pois que a FED depende ainda do controlo do governo americano. O que, se quisermos ser honestos é uma independência de fachada, porque nada impede os banqueiros centrais de receber as suas instruções do mundo dos negócios e dos lobbies financeiros…

Tenho uma idade em que na realidade tudo isto não me afecta realmente, mas o sistema é uma verdadeira camisola de força vestida pelos europeus por alguns decénios. Se nada se passa…

Mas como a outra Europa, a SOCIAL, ainda não se vê no horizonte, pode ser que um Maio 68 Europeu, um dia, faça derrocar todo este edifício; que sofre de tantas maleitas, diria em francês – “malfaçons” –, e os Europeus possam reconstruir a partir da base.

Anónimo disse...

@Freitas

So uma pequena ressalva, pois a maioria das pessoas ainda tem a ilusão que:

- a FED ou Reserva Federal dos eua é um banco da federação e nao sabe que é uma instituição privada

- o BCE ou banco central europeu é um banco da uniao e nao sabe que é uma instituição privada

- tal como o banco de inglaterra, banco central de italia ou o Banco de Pagamentos Internacionais

que imprimem dinheiro do ar e cobram juros por isso. Se um comum mortal imprimir dinheiro mesmo sem cobrar juros por isso vai preso.

E assim vivem felizes com entidadse que imprimem dinheiro do ar que depois emprestam com juros aos estados para estes injectarem nas suas economias que depois terao de pagar de volta com os juros.
Ou seja um desses bancos empresta 100 unidades monetarias com uma taxa de 10%.
Entao para salvar a divida terao de ser devolvidas 100 + 10 unidades monetarias.
Como so esse banco imprime o dinheiro e com juros as 10 unidades monetarias de juros so poderao ser pagas com mais dinheiro impresso por esse mesmo banco e sujeito a juros. Assim ficaam os estados, economias e cidadaos presos numa armadilha fraudulenta da divida.

apenas alguns exemplos

Divida
Russia
$451.5 billion (31 December 2017 est.)
$434.8 billion (31 December 2016 est.)

Divida
Portugal
$449 billion (31 March 2016 est.)
$447 billion (31 March 2015 est.)

Aqui saltamos para os trillion

France
$5.36 trillion (31 March 2016 est.)
$5.25 trillion (31 March 2015 est.)

United Kingdom
$8.126 trillion (31 March 2016 est.)
$8.642 trillion (31 March 2015 est.)

United States
$17.91 trillion (31 March 2016 est.)
$17.85 trillion (31 March 2015 est.)

Paises ricos estes ultimos. Mas ricos em que? Dividas concerteza

Joaquim de Freitas disse...

Anónimo das 23:51. Completamente de acordo com a sua ressalva. Limitei-me a sublinhar as grandes linhas do problema da UE.

Claro que a nossa sociedade é fundamentalmente absurda e profundamente injusta por causa dum sistema monetário que é, de facto, uma grande farsa.

Que o sistema monetário actual é baseado num golpe em grande escala, não há dúvida, mas é esta a causa fundamental dos males infligidos pelo capitalismo?

É óbvio que um Estado só pode ser independente se controlar completamente a sua própria moeda. Mesmo que não seja o único critério de independência.

O controle da criação Monetária implica controlar os bancos, ou seja, na prática, nacionalizá-los. Ouço jà ao longe os mesmos gritar ao "Marxista"...

Mas isso ainda não é suficiente para determinar a natureza social ou não da política seguida, das escolhas de gestão.

De acordo com uma regra económica básica, o dinheiro em circulação deve representar o valor global das mercadorias na capacidade de ser trocada.

O valor global dos bens não é nada de outro que o valor do trabalho social necessário à sua produção e acumulado neles.

É a lei da oferta e da procura, ou lei do mercado, que provoca ao memo tempo desequilíbrios e crises, permitindo aos capitalistas todas as manobras de especulação, dumping, etc...

É muito raramente que o mercado permite um equilíbrio real entre a oferta e a procura, fazendo coincidir o valor real e preço de mercado.

Além disso, no sistema capitalista, isto corresponde apenas a um equilíbrio entre a produção e a procura solvível ou seja, por parte daqueles que têm os meios financeiros, independentemente das suas verdadeiras necessidades sociais, e não relacionados com a medida das suas necessidades vitais.

O equilíbrio do mercado responde antes de mais às necessidades solvíveis e não às necessidades sociais.

É apenas um equilíbrio ilusório, entre duas crises, e isso deixa os mais pobres na fossa, de qualquer maneira.

Anónimo disse...

@Freitas

Totalmente de acordo, como vem sendo habito em relação as suas exposições.

O impressionante é que a grande maioria das pessoas nada se interessa em saber minimamente quem sao e como funcionam as instituições que teem o poder de fazer as suas vidas correr bem ou mal.
Preferem agarrar-se aos velhos e gastos dogmas e quem os ouse questionar e acusado de ser uma bruxa como na epoca da inquisicao.
Preferem continuar a viver de ilusoes e nem sequer se aprecebem o quanto e a que velocidade o mundo esta a mudar.
- Os ditos paises ocidentais ricos, endividados ate a ponta dos cabelos (os eua ja vao com 21 trillion (e a aumentar))
- as tensoes com a Russia, China, Coreia do Norte, Irao, Venezuela, Irao
- agora mais as guerras comerciais
- mais aquela palhaçada dos ingleses com o suposto envenamento do espiao a exigirem mais sancoes logo com o secretario da nato a ladrar ao lado da teresa may (o que me parece totalmente desporporcionado num caso destes)

Algo de muito errado se esta a passar e cada vez mais acelarado.
Palpita-me que esta para rebentar em breve e em grande.

Cumprimentos Freitas e um bom fim de semana




Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...