quarta-feira, abril 06, 2022

Viva o Brexit?

Com o traumatismo ucraniano, as instituições europeias podem ter encontrado um impulso para um salto federal, para um reforço da integração, coisa que, como é sabido, implica mais partilha/cedência de soberania. Se assim for, a ausência do Reino Unido facilita. Viva o Brexit?

terça-feira, abril 05, 2022

Gambozinos

Há pouco, telefonou-me um amigo, zangado pelo facto de eu ter afirmado ontem à noite, na CNN Portugal, que os russos não têm direito ao benefício da dúvida. quanto à autoria do massacre de Busha. Esse amigo defende a tese de que tudo não passou de uma encenação feita pelos ucranianos, para explorarem a indignação da opinião pública internacional.

Acho que os órgãos de comunicação social devem continuar a dar espaço e tempo a quantos, nesta guerra, se sentem mais próximos da Federação Russa, alimentando uma atitude negativa face ao governo de Kiev. Pode ser chocante para muitos, mas continuo a pensar que o 25 de Abril se fez para que ouçamos todas as opiniões, mesmo as mais abstrusas. Quem não concordar com elas que as combata, no terreno das tomadas de posição pública. Contudo, silenciá-las, abrindo uma espécie de “caça às bruxas”, não me parece digno de um país de liberdade. A censura à imprensa existe na Rússia, não a admito em Portugal.

Voltemos ao massacre de Bucha. Ontem, o embaixador russo na ONU disse que os russos não são responsáveis pela morte de qualquer cidadão ucraniano, ocorrida na cidade. O MNE russo e outras figuras do regime disseram coisas basicamente idênticas.

A Rússia, que é a única entidade agressora neste conflito, à evidente revelia do Direito Internacional, não tem um passado recente que lhe permita reivindicar o estatuto de um Estado “de bem”, antes pelo contrário. Violou flagrantemente as leis internacionais em 2008, na Geórgia, voltou a fazê-lo em 2014, ao “empochar” a Crimeia e alimentar o secessionismo no Donbass, colocou a “cereja no bolo” ao invadir agora a Ucrânia. A Federação Russa não tem um histórico mínimo de credibilidade que faça com que possamos acolher, com qualquer benevolência, as suas teses. No caso de Busha, tudo indica que a culpa lhe pertence.

Nos tempos que correm, e à luz das evidências do passado, tendo a duvidar, por sistema, das afirmações de Moscovo. Há muito que deixei de acreditar em gambozinos.

segunda-feira, abril 04, 2022

Luís Menezes Cordeiro

Há pouco, no “Público”, li que morreu Luís Menezes Cordeiro. Tinha 90 anos e foi embaixador.

Com muita pena minha, não consegui estar em Lisboa a tempo de ir prestar-lhe uma homenagem pessoal na basílica da Estrela, ao final da tarde de hoje.

Em 1977, Luís Menezes Cordeiro passou a chefiar uma repartição no setor económico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde eu já trabalhava, como jovem diplomata, desde há um ano, com o pelouro das relações com os países do Magrebe e do Médio Oriente.

Era um homem baixo, com um permanente sorriso, que nunca falava alto e que, desde o primeiro dia, introduziu uma gestão suave naquele serviço. Tinha, ao que lembro, um especial talento para falar com as senhoras, que pareciam sempre sensíveis - no bom sentido, entenda-se - ao seu charme pessoal.

Dei-me lindamente com o embaixador Menezes Cordeiro, durante os quase dois anos em que trabalhei sob as suas ordens. Depois, a vida separou-nos pelo mundo. Chefiou várias embaixadas, de Bissau a Varsóvia, de Abidjan a Santiago do Chile.

Um dia, num contacto ocasional que tivemos, fez-me uma confissão: “Quando fui chefiar o serviço em que o meu amigo trabalhava, isso foi considerado uma “missão de risco”. Porquê? Porque você e outro colega estavam colocados por lá! Nem imagina os alertas que recebi! Que eram dois comunistas, gente perigosíssima, que era preciso vigiar com muito cuidado!” Para logo acrescentar: “Mal eu sabia que não iria ter o menor problema, que vocês eram funcionários dedicados e cumpridores, que tudo ia correr às mil maravilhas!”

Vale a pela recordar que, nesses tempos conturbados do pós-PREC, algumas figuras do extremo conservadorismo das Necessidades identificavam quem fosse um pouco mais à esquerda com o labéu comunista. 

Não resisti a perguntar-lhe: “E quando é que concluiu que nós não éramos comunistas?”. A resposta foi deliciosa: “Eu, de início, não cheguei a perceber se vocês eram ou não eram comunistas. Mas posso dizer uma coisa: por essa altura, no contacto convosco, cheguei a pensar que se todos os comunistas fossem como vocês, então os comunistas não eram assim tão maus...”

O outro “comunista” era o Mário Jesus dos Santos, um grande amigo com que ainda há dias jantei e cujo último posto como embaixador - imaginem! - foi Kiev.

Já um dia contei por aqui a história que deixo de novo registada. Repito-a hoje, no dia em que desaparece mais um dos meus “chefes” - e tenho um imenso orgulho de ter ficado amigo de todos, repito, de todos eles.

Deixo um abraço de pesar à família do embaixador Luís Menezes Cordeiro, em especial à sua filha Ana Paula, que comigo trabalhou em Brasília e que aí me proporcionou o último encontro com o seu pai.

Todas as razões são boas para vir ao Porto

 


Todas mesmo, é de justiça dizê-lo! 

Há locais que nem deviam vir no mapa…



 … não vá o pessoal descobri-los!

… e não vi por lá o abade!

 


Ainda há sítios assim em Portugal...


… conservá-los é quase um dever patriótico.

domingo, abril 03, 2022

O congresso do CDS ou a prova de como pode haver vida para além da morte

O tempo e a paciência não dão para tudo e, devo admitir, estou num radical “blackout” às rádio e televisões, que se prolonga desde quinta-feira, tema da Ucrânia incluído, fase que só tenciono encerrar ao final da tarde de amanhã, segunda-feira. (O que, de quando em vez, vou lendo, nesta A4 mais pequena e mais grossa em que agora escrevo, chega-me e sobra). Por isso, não ouvi nem uma palavra do que terá sido dito no Congresso do CDS, embora, sempre que passo perto de televisores, note que por lá pulula a imagem desengravatada de muitos “centristas”. (Chega a ser irónico, e espero que não seja considerado insultuoso, nos dias de hoje, usar para esta designação para o CDS). O culto que os portugueses têm pela sua História coeva terá levado o nosso complacente jornalismo a dar uma atenção desmesurada ao encontro do CDS. (Li que alguém do CDS nele disse este “bon mot”: “Não interessa como aqui chegámos, o que interessa é como daqui saímos”. Imagino que em bons carros, mas há que convir que é uma bela “trouvaille”). Por mim, tendo andado este fim de semana pelo Minho, obviamente por outras razões bem mais lúdicas, algumas vezes me cruzei (e cumprimentei, ora bem!), em casas de restauração e hotelaria, de cartãozinho ao pescoço, gente amiga e outra só conhecida do CDS, a meio desta sua romagem ao berço da pátria (e de Freitas do Amaral, já agora, embora creia que a maioria se reivindique mais de Amaro da Costa), na busca de um derradeiro e salvífico sopro de existência cívica para o partido ainda do Caldas, se a Remax não tiver de ser ali chamada. (Achei muita graça a alguém que escreveu que este congresso do CDS é mesmo a prova provada de que “há vida para além da morte”). Aliás, constatei, sem a menor supresa, que os congressistas do CDS se sabem bem amesendar e aboletar. Se conseguirem, como resultado dessa reemergência, vir a “limpar o sebo” eleitoral ao pessoal do senhor Ventura e à nefasta nuvem liberal, que a mão nunca lhes doa. Nesse caso, diria, sinicamente (eu não escrevi “cinicamente”, notem bem!), que mil CDSs floresçam, em lugar de quem agora anda em S. Bento em seu lugar! Mesmo que, para isso, tenham de ter a polémica liderança que agora lhes saiu na rifa! Mas isso já são as minhas embirrações a darem nota de si!

Quem muito mente…

Se Putin e a Rússia, ao longo dos últimos tempos - na guerra, a mentira sobre factos é vulgar, mas não tem necessariamente de ser “de regra” -, tivessem habituado o mundo a ser quase sempre é verdade aquilo que afirmam, a sua desresponsabilização pelo massacre que terá ocorrido em Busha poderia ser ponderada. Assim…

Lygia Fagundes Telles


2005. Almoço no restaurante “Navegador”, no Rio de Janeiro. Dia da atribuição do Prémio Camões à escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. À minha direita, estava sentada a homenageada. À minha esquerda, tinha Agustina Bessa Luís.

Eu (confesso!) tinha lido então muito pouco de Lygia Fagundes Telles, mas agarrei aquilo que dela conhecia para ancorar a conversa. (Em voz não muito baixa, minutos antes, Agustina tinha sido franca: “Não gosto muito do que ela escreve!”). 

Lygia era uma figura pessoalmente muito interessante, com alguma doçura, nos 82 anos que então já tinha. Disse-me coisas muito simpáticas sobre Portugal e os seus amigos portugueses, que eram muitos. E, nunca mais o esqueci, repetiu uma frase que ouviu um dia ao seu pai, sumariando a sensação que ele tivera, numa viagem de barco a Lisboa: “Ir a Portugal é como atravessar a rua para ir visitar um parente”.

Lygia Fagundes Telles morreu hoje, aos 98 anos.

Acordar assim

 


sábado, abril 02, 2022

Lata 2

É fantástica a “lata” da Federação Russa: destroi, a ferro e fogo, infraestruturas por toda a Ucrânia e, em face de uma isolada ação militar de retaliação de Kiev sobre uma instalação russa, afirma que isso põe em causa o processo negocial. Se isto não fosse trágico era apenas ridículo!

Lata 1

No “Expresso da Meia Noite”, assistiu-se a um espetáculo extraordinário: o assessor (português) de Viktor Orbán, que se distinguiu a promover a candidata búlgara contra António Guterres, na defesa “patriótica” da ida de António Costa para a Europa. E ninguém lhe lembrou o passado!

sexta-feira, abril 01, 2022

Assim, é fácil…

Gente que combateu ferozmente e disse “cobras e lagartos” de António Costa como primeiro-ministro, surgiu, prestimosa, a elogiar as suas qualidades para altos voos europeus, mas apenas quando constatou a quase impossibilidade de isso vir a acontecer a curto prazo.

Entretanto, em Cartago…

Enquanto o mundo se distrai com a Ucrânia, há quem não perca tempo. O novo ditador tunisino deu a última machadada na representação democrática e assumiu todos os poderes. Quando alguém referir as “primaveras árabes”, que esqueça a Tunísia.

Lembrar

O presidente da República tem uma visão muito própria dos seus poderes - e julgava que isso tivesse já fosse óbvio. O sistema político português, para quem o tenha esquecido, é semi-presidencialista. Com Marcelo, quem tente sublinhar a vertente parlamentar não terá muita sorte.

Brasil

Sérgio Moro e João Dória desistem das candidaturas à presidência do Brasil. Moro corria quase por si próprio. Dória fora eleito numas primárias do declinante PSDB. Estará a criar-se o ambiente para o surgimento de uma nova candidatura de “terceira via” - nem Lula nem Bolsonaro? 

quinta-feira, março 31, 2022

“A Arte da Guerra”


A evolução da situação na Ucrânia, as eleições presidenciais francesas e a crise no Partido Popular espanhol, na edição desta semana de “A Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico”, uma conversa minha com o jornalista António Freitas de Sousa. 

Pode ver clicando aqui.

Vai ser assim?

Devo ser eu, com certeza, quem está enganado, mas tenho a firme convicção de que António Costa, pessoa por quem tenho o maior apreço, e que merece todo o meu apoio neste seu início de novo mandato, comete um imenso erro ao deixar pairar a ideia da sua eventual candidatura, daqui a dois anos e meio, ao lugar de presidente do Conselho Europeu. 

Esse erro tem duas dimensões. 

Desde logo interna. Não se inicia um cargo, com esta exigência, com uma espécie de nuvem de dúvida sobre se cumprirá ou não, até ao final, o mandato, tão personalizado, que os portugueses lhe confiaram, sem a menor dúvida para uma legislatura de quatro anos. Quando António Costa foi a votos, estava implícita a sua disponibilidade pessoal de ficar até ao termo do mandato. Agora - a menos que venha a fazer, rapidamente, uma declaração formal, tipo “read my lips!”, de que não abandonará o “barco” - os portugueses vê-lo-ã como um primeiro-ministro “a prazo”. Isso afeta a sua autoridade, induz instabilidade na equipa governamental, vai abrir uma constante especulação e polémica sobre o nome que pode suceder-lhe. António Costa sabe, melhor do que ninguém, que isto não é favorável à governação do país.

A segunda dimensão é externa. Então o primeiro-ministro português vai passar a entrar nas reuniões do Conselho Europeu como um putativo candidato ao cargo de uma pessoa que acaba de ser reeleita para dirigir esse mesmo Conselho, que ali estará por mais dois anos e meio, na lógica implícita de que “quando saíres daí, vou eu para esse lugar”? Não é isto incómodo? Não se sentirão os pares de António Costa tentados, daqui até lá, de lhe fazerem sentir que “ou te portas bem e como nós queremos ou não votamos em ti”? E sabe-se lá, neste tempo político tão volátil, se os equilíbrios políticos internos em outros Estados não evoluem em termos que possam pôr em causa as “contas” que, a esta distância, parecem ser favoráveis ao desígnio atribuído a António Costa.

Perguntar-se-á: mas António Costa já disse que será candidato ao tal lugar? De facto não disse, mas eu, no meu entender, acho que ele devia deixar “crystal clear”, desde já, que não abandonará o cargo para que foi eleito em Portugal. Outros dirão: e se ele não quiser tomar essa atitude, pretendendo manter “abertas as portas”, com a legitimidade de quem tem o direito de vir a decidir da sua vida futura? Nesse caso, é muito simples: aplica-se aquilo que escrevi nos parágrafos acima.

Faço uma ressalva, com toda a modéstia: posso ser eu quem está a ver mal a questão.

Aviso à navegação

Não concordo com quantos acham inadequado o aviso feito pelo presidente da República de que não deixará que esta maioria venha a gerar um outro primeiro-ministro, em caso de saída do atual, a meio do mandato. É bom que o presidente diga agora o que poderá vir a fazer então. O país e os seus agentes políticos ficam a saber, com frontalidade, com o que podem contar. Isso já aconteceu no OGE e, contrariamente a outros, a mim não me pareceu nada mal que o presidente tivesse avisado a tempo o que faria se ele não fosse aprovado - e fez. Nas últimas eleições, votei no PS na convicção de que iria ter António Costa, e não qualquer outra pessoa, como primeiro-ministro, pelos próximos quatro anos e meio. Não votei para vir a ter uma surpresa.

quarta-feira, março 30, 2022

Capelões, capelas e capelinhas

Para além da óbvia demissão, pela hierarquia do ramo militar respetivo, de um capelão que, pelos vistos, parece achar que uma provocação e alguns copos podem justificar um assassinato, estou muito curioso em saber qual vai ser a reação de uma outra hierarquia a que o tal capelão também está subordinado. Essa mesma!

terça-feira, março 29, 2022

Outros mundos

Hoje, num certo contexto, fui convidado a abordar a situação interna e a futura liderança no Partido Popular espanhol, o congresso desse partido e a importância disso para os equilíbrios políticos da nossa vizinhança. Amanhã, numa rádio, vou participar num debate sobre as eleições presidenciais francesas. Mais tarde, num jantar de trabalho, vamos analisar o ano político que o Brasil está a atravessar. Serve isto apenas para lembrar que, apesar de tudo, há mais vida para além da (pobre) Ucrânia.

Inteligência

Não votei nele, mas gosto de ver Rui Tavares eleito para a Assembleia da República. Embora saiba que isto pode ser bem menos consensual, quero dizer que, num outro tempo, também vi com gosto a eleição de Francisco Louçã. A inteligência ajuda sempre a que o futuro seja melhor.

CDS

Sou, de facto, um saudosista. Confesso que me fez falta ouvir a voz do CDS, na sessão de abertura desta legislatura da Assembleia da República. 

Conservo a memória daqueles que sempre tive como adversários de estimação.

Parlamento

Grande discurso de Augusto Santos Silva, a abrir o seu mandato como novo presidente da Assembleia da República. 

Muito adequado e justo foi aquilo que começou por dizer sobre o seu antecessor, Eduardo Ferro Rodrigues.

segunda-feira, março 28, 2022

Biden

Recorde-se que o discurso de Biden em Varsóvia foi anunciado como devendo conter um importante anúncio. Ora nada de marcante surgiu. Pelo contrário: a julgar pelas vezes que Washington já teve de vir a jogo para explicar a referência à “saída” de Putin, houve ali um óbvio erro.

Violência pública

Sei que a questão é incómoda, mas estou convicto de que a relativa compreensão com que foi acolhida a bofetada dada por um ator a um apresentador, que teria ofendido a sua mulher, durante a cerimónia dos Óscares, não aconteceria se a cor de pele dos intervenientes fosse diferente entre si.

O discurso

O tom das intervenções de Zelensky permite ir aferindo a confiança decorrente da evolução da situação no terreno e do nível de expetativa do apoio internacional.

Ucrânia

A quase ausência de referências à situação na Ucrânia, na cerimónia de entrega dos Óscares, deve ser lida, pelos europeus, como um sinal evidente de que, do outro lado do Atlântico, a opinião pública tem uma diferente ordem de prioridades.

domingo, março 27, 2022

A generosidade tem limites!


O “Clube de Lisboa / Global Challenges”, uma estrutura de reflexão e debate sobre temas e desafios globais, a cuja direção, desde há alguns anos, tenho a honra de presidir, “cedeu” dois membros da sua direção ao futuro governo: Helena Carreiras, como ministra da Defesa, e Bernardo Ivo Cruz, como secretário de Estado para a Internacionalização. 

Mas a nossa ”generosidade” acaba aqui! Não ”sai” mais ninguém da nosso Conselho Diretivo!

Agora a sério, em nome do Clube, e sabendo que represento nestes meus votos a mais de uma centena dos nossos associados, quero transmitir um forte e amigo abraço de parabéns à Helena e ao Bernardo, com desejos de um ótimo desempenho nas suas novas funções.

Já agora, quem quiser saber algo mais de nós, acompanhar as nossas atividades ou mesmo candidatar-se a sócio do Clube, pode ver aqui: https://www.clubelisboa.pt .

O Porto sem ministro


O Porto não tem ministros no novo governo. Vozes do Norte reclamam pelo facto de a segunda cidade do país, com a saída de Santos Silva, não ter quem a “represente”. É um governo “de Lisboa”, dizem alguns. Outros dirão que uma “figuração” regional já não se justifica, nos dias de hoje. Sei lá quem tem razão…

Ou melhor, sei. Pode ler aqui.

sábado, março 26, 2022

Não me conformo!


Esta mudança de hora, em que perdemos 60 minutos (já sei que eles voltam no outono, mas não é a mesma coisa!), nunca me convenceu! Não me parece justa! 

Reler Biden

Depois do discurso em Varsóvia, em que Biden, a propósito de Putin, disse “This man cannot remain in power!”, a Casa Branca esclareceu: "He was not discussing Putin’s power in Russia, or regime change." 

Claro que não! Então não se estava mesmo a ver? Nós é que ouvimos mal…

CNN Portugal

Com o prévio “disclaimer” de ser colaborador da CNN Portugal, quero dizer que considero notável e ímpar o trabalho que está a ser feito pelo canal na cobertura da guerra na Ucrânia, nomeadamente através dos enviados especiais no terreno, muitas vezes em zonas de elevado risco.

A Oeste, algo de novo

O ataque russo a Lviv, quase simultâneo com o discurso de Biden em Varsóvia, mostra a crescente relevância estratégica da zona ocidental do país, mais próxima das fronteiras países NATO, por onde chega o essencial do apoio, militar e outro, à Ucrânia.

“Regime change”

Biden diz que Putin não pode continuar no poder. Resta agora saber o que os EUA estão dispostos a fazer para concretizarem esse objetivo, que pode ter muito a ver com o conceito de “regime change”.

O fim dos princípios?

Nada como a emergência energética e as urgências geopolíticas para porem a salvo de pressões as autocracias medievais do Golfo e alguns países europeus, até aqui visados pela inobservância das regras democráticas e do Estado de direito. Os princípios valem enquanto derem jeito.

Refugiados

A Polónia é um país que tem feito um esforço extraordinário, no acolhimento de refugiados ucranianos, embora sem tradição nesse âmbito. É muito justo que o mundo assegure, com rapidez, um “burden sharing” equitativo, sem o que será difícil a Varsóvia sustentar essa atitude.

“Quando”?

Todos sabemos que Biden é “gaffe prone”. Porém, ficou-me no ouvido aquela sua frase, há horas, aos soldados americanos na Polónia, de que “quando” estivessem na Ucrânia iriam poder testemunhar a coragem das populações face ao invasor russo. “Quando”? O que foi aquilo?

O sol e a guerra

Lembrando o mês de conflito, o céu na Ucrânia foi sempre cinzento, como nos habituámos a imaginar o que “deve ser” o tempo numa guerra. Há pouco, ao olhar o belo sol sobre Mariupol, cidade devastada e sob fogo, o contraste pareceu-me quase chocante. Ali, é já o sul a chegar.

O tempo e o modo

O grande teste à liderança e autoridade política interna de Zelensky será a sua capacidade de definição do “timing” certo para um eventual compromisso com Putin - e em que termos. Como a História nos ensina, só com alguma perspetiva temporal isso pode vir a ser avaliado.

E a China?

A próxima ida de Lavrov a Pequim, depois da conversa de Biden com Xi Jin Ping, pode querer significar que, depois de alguns peões menores em busca de relevância negocial, um peso pesado pode facilitar um compromisso. Acaso ouvimos alguma vez Zelensky criticar fortemente a China?

Cretinices

Até que enfim Putin disse uma coisa com a qual toda a gente sensata deve estar de acordo. Proibir e censurar obras musicais ou literárias de autores russos é uma imensa cretinice. Quando a cultura de dimensão universal começar a ser condicionada é sinal de que está tudo doido!

Nós e a Ucrânia

Entendo que as autoridades portuguesas não devem preocupar-se com as valorações ucranianas da sua atuação. Portugal deve continuar a fazer aquilo que, nas várias frentes, considera que deve ser feito, à luz dos seus compromissos. E, até agora, Portugal tem sido impecável.

Donbass

Parece-me uma evidência - mas é legítimo que haja quem pense o contrário - que a declaração russa de que “o importante é o Donbass” é uma óbvia posição de recuo de Putin, perante a constatação de que outros objetivos não são alcançáveis.

Dormir com o inimigo

Biden referiu que, nos últimos anos, as autocracias se têm espalhado mais do que as democracias. Imaginando que estas, para imporem a sua superioridade moral, não tencionam desencadear uma guerra armada contra as primeiras, para as “convencer”, não seria de parar para pensar?

E a globalização?

Vivemos algumas décadas em que certos teóricos nos vendiam que a globalização era o remédio santo para os males do mundo. Os “descontentes” de que Stiglitz nos falava já há 20 anos, eram então descartados como “colateral casualties”. Hoje, algumas portas fecham-se de novo, não é?

Olhó mercado!

Na China, ficou provado que a vitória do capitalismo (de Estado) não favoreceu o surgimento da democracia. Na relação da Rússia com a Europa, constata-se que o estabelecimento de uma mútua dependência económica não desenvolveu uma cultura de distensão, conducente à paz “eterna”.

America, America

A América revela uma assinalável liderança nos esforços para reagir à agressão russa à Ucrânia. Sem ela, a Europa estaria muito menos coesa. Agora, resta aos EUA mostrar que não pretendem aproveitar para beneficiarem da situação nos negócios da energia e das vendas de armamento.

Wehrmacht

A Alemanha está a mudar de política, em matéria de defesa. Alguns dirão: o mundo mudou, essa política tinha de mudar. Não consigo deixar de pensar que, quando a poeira ucraniana assentar, nem todos, do lado de cá, olharão para essa opção de Berlim com bons olhos. E mais não digo.

Refugiados

Os refugiados são trágicas vítimas das guerras. É dos livros que, no início, convocam imensa compaixão. É também da História que, com a fadiga do tempo, com crises económicas, com contrastes sociais e outros, a solidariedade tende a esvair-se. Lamento, mas temos de pensar nisto.

Interlúdio

A questão pode ser desagradável, mas acho que devemos pensar nela: Trump foi um interlúdio mau na história da América ou a presidência Biden é, afinal, um mero e fugaz intervalo até que Trump, ou alguém parecido, volte a reinar em Washington, onde tudo continua a ferro e fogo?

sexta-feira, março 25, 2022

Ainda 1962


Foi ontem. Foi num debate organizado pelos estudantes da Universidade Autónoma de Lisboa, para debater a situação na Ucrânia (“what else?”), com os professores Ana Isabel Xavier, Carlos Gaspar, Luís Tomé e Filipe Vasconcelos Romão, com uma sala que ficou cheia, com muita gente por zoom. 

Na primeira ocasião em que me coube intervir, não me contive de começar por lembrar que estávamos no dia 24 de março, uma data em que, há 60 anos, precisamente nesse dia e mês, o mundo universitário lisboeta havia sido abalado pela chamada “crise académica”, um sobressalto cívico e político que acabou por ter fortes impactos, mesmo no seio da ditadura. 

Não faço ideia se a maioria dos alunos que ali estavam (e que, no final daa nossas intervenções, fizeram inteligentes e pertinentes perguntas sobre o tema em debate) tinham consciência de que aquela data, com seis décadas, tinha alguma coisa a ver com a liberdade em que agora vivemos. Eu, pelo sim pelo não, lembrei isso.

quinta-feira, março 24, 2022

“A Arte da Guerra”


No podcast do Jornal Económico, no “A Arte da Guerra” desta semana, à conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, trato da evolução do conflito ucraniano, das surpresas sobre o estado das forças convencionais russas, dos novos desafios colocados à ONU, do regresso do debate sobre as armas nucleares, do futuro da NATO e da segurança e defesa europeias neste novo contexto.

Pode ver aqui.

O novo governo

Do que gosto mais, no novo governo?

Desde logo, acima de tudo, da continuidade de Marta Temido na Saúde. A competência, a pertinácia e a frontalidade premeiam-se. Esteve muito bem António Costa nesta decisão. Mal conheço, pessoalmente, Marta Temido, mas tenho uma imensa admiração pelo seu trabalho.

Depois, gosto muito de ver João Gomes Cravinho nas Necessidades (e como nº 3 do governo), onde vai substituir aquele que foi um excelente chefe da diplomacia nos últimos sete anos, Augusto Santos Silva. A experiência que traz da Defesa, onde revelou coragem e muita competência, além do seu profundo conhecimento de todas as dimensões da ação externa, são uma sólida garantia para o país.

Acho magnífica a escolha de Helena Carreiras para substituir João Gomes Cravinho na Defesa. Brincando, diria que a diretora do Instituto de Defesa Nacional nos vai fazer falta como vice-presidente do Clube de Lisboa / Global Challenges, mas o seu contributo para o executivo está primeiro! É uma pessoa determinada, que sabe muito da matéria e tem ideias muito claras.

Fernando Medina assume uma pasta muito difícil, mas não tenho a menor dúvida sobre a sua capacidade para a conduzir com êxito. É uma retribuição muito justa àquele que foi, na minha opinião, um excelente presidente da Câmara de Lisboa, embora reconheça que uma conjuntural maioria dos lisboetas não teve o mesmo entendimento do que eu. Pessoalmente, fico muito satisfeito ao ver Fernando Medina com este tipo de responsabilidades, que prenunciam outras.

Deixo um forte abraço de felicitações e votos de bom trabalho para três outros amigos que, pela primeira vez, assumem funções a nível ministerial: Ana Catarina Mendes, João Costa e José Luís Carneiro. 

Ótimas escolhas, a meu ver, são, igualmente, as de António Costa Silva (vão ouvir falar muito dele, podem crer!), de Pedro Adão e Silva (uma surpresa que vai fazer comichão a muita gente) e de Catarina Sarmento e Castro (veio-me à memória o seu pai, um amigo e colega de governo que há muito se foi).

Do que gosto menos neste novo governo? De pouco. Mas, num dia como este, nem às paredes confesso.

terça-feira, março 22, 2022

Ouvir

Eu também acho que a ação de Putin é criminosa, que a Rússia se transformou numa mera ditadura e que a invasão da Ucrânia é uma grosseira violação do Direito Internacional, que deve ser punida. Só que, ao contrário de muitos, quero continuar a ouvir e ler quem não pensa como eu.

… e, na vida, também há isto!

 


Pela primavera

O número no telemóvel, para que tinha olhado, depois de o sentir vibrar no bolso, não era conhecido. Mas, claro, atendeu.

O jantar, no restaurante, mal tinha começado, e começara bastante tarde. O Duarte já tinha trazido as tradicionais empadas para a mesa. O Pedro pediu desculpa aos convivas, levantou-se da mesa, trocou um olhar rápido com a mulher, desceu as escadas e foi atender lá fora. Com a precipitação, até tinha atravessado a sala sem pôr a máscara! Corria um vento húmido, naquela rua de Alvalade.

A conversa foi rápida. “O primeiro-ministro vai telefonar-lhe, daqui a minutos”. A voz era bem conhecida, com poder. 

A notícia não era inesperada: desde há dias que lhe tinha chegado, depois de uma discreta sondagem, a indicação de que o primeiro-ministro o poderia vir convidar para um lugar ministerial, ligado à sua especialidade. A circunstância da imprensa nunca ter falado no seu nome seria mesmo bom sinal. Nem o Marques Mendes! “Leite de Noronha: a grande surpresa”, era, com certeza, o que sairia. Mantivera-se mil por cento discreto. E respondeu, com voz que, sem querer, lhe saiu um tanto embargada: “Ele pode ligar quando quiser”. Arrependeu-se de não ter sido mais firme e afirmativo na breve conversa. Afinal, ia ser futuro colega da pessoa que lhe estava a ligar.

Pedro Leite de Noronha regressou à mesa. Pelo caminho, tinha desligado do silêncio o aparelho e colocou o som no máximo. Ensaiou mentalmente o que ia dizer, quando a chamada chegasse: “Muito obrigado pelo seu convite. Terei o maior gosto em integrar o governo e, pode crer, farei o meu melhor”. Ou qualquer outra coisa assim. Sentou-se, recostou-se, olhou para a mulher e fez-lhe, com a cabeça, um leve sinal. A Susana percebeu. Sorriu apenas q.b..

A conversa ia correndo. Era sobre o cerco russo de Mariupol. Os dois outros casais rivalizavam em insultos ao Putin. Ele fez alguns comentários genéricos. Sorriu intimamente: já se sentia a falar com tom de Esrado. Já estava noutra e quase desligou da conversa. 

Será que lhe iam impingir alguém do partido como secretário de Estado? Ele tinha o nome de Augusto, uma pessoa com quem trabalhara muitos anos, alguém que gostava de vir a ter a seu lado. Ambos eram independentes. O Augusto - que se chamava Augusto Maria de Saa - fazia muita questão de escrever o apelido com dois “as”: “Saa”. Era uma tradição de família, ligada a um tal Mário Saa, parece que dado às artes. Às tantas, os socialistas eram capazes de preferir que ele assinasse “Sá”, como era costume. Logo se veria! O Augusto seria talvez “um bocadinho PPD de mais”, como ele próprio confessava, mas o primeiro-ministro não parecia ser uma pessoa sectária. Deveria falar-lhe já no nome? Não, tinha de conversar prineiro com o Augusto, que estava a milhas da ideia de ser chamado para governante. Mas que ia adorar! 

Pensando bem, era insensato, logo nessa primeira conversa com o primeiro-ministro, tocar no assunto de um “ajudante” (lembrou-se da designação do Cavaco…). Talvez fosse de abordar no dia seguinte, com outra pessoa. Mas com quem? Ou seria cedo? Logo se veria. Caramba! Dava conta de que, apesar de ter passado já a meia centena de anos de vida, era mesmo um novato na política. Ia aprender, rápido, tinha a certeza. Confiança em si mesmo era o que não lhe faltava. A profissão, com sucesso, dera-lhe largo traquejo. E nome, como agora bem constatava.

O jantar foi longo, mais de duas horas. Passava já da meia-noite. Para o Pedro, o tempo foi-se tornando tudo cada vez mais pesado. O telefone não tocava. Na altura da partilha da conta, fez um esgar de desagrado à Susana. Que percebeu que algo estava a correr menos bem.

Já de pé, o Gaspar, que estava a ler o “Público” on line, exclamou: “Já há governo. Diz aqui que o Costa fez esta noite os últimos convites e já deu a lista a Belém. Parece que o Marcelo até fez uma graça e disse que ‘a primavera trouxe um governo novo!’. O tipo é imparável!”

O grupo despediu-se. Entraram os dois para o carro. “Então?”, disse a Susana, com cara fechada. “Disseram para eu esperar uma chamada do Costa, mas nada!”, respondeu o Pedro, com um suspiro, com uma cara cuja palidez a noite não deixava ver.

“Tinhas bateria no telemóvel?”. O Pedro sacou, à pressa, o iPhone 13 Pro do bolso. Estava sem carga. E ele sem cargo.

Mundos


Acabo de receber o último número da “Foreign Affairs”. É minha impressão ou isto já parece de outro mundo?

Isto

É nestes tempos estouvados do mundo que talvez devêssemos parar um pouco e pensar que, afinal, o nosso modelo democrático, “burguês”, com todos os seus defeitos e insuficiências, é, afinal, um porto seguro de bom senso institucional que deveríamos apreciar mais e defender melhor.

O dilema

O mundo está perante um dilema inédito: o que é que é possível fazer para contrariar a ação de um país que disponha da arma nuclear e que, afirmando-se disposto a usá-la em último recurso, pratique flagrantes violações da ordem mundial para impor o que considere serem os seus interesses, mesmo que eles não sejam reconhecidos como legítimos pela generalidade da comunidade internacional?  

Por uma vez, pelos “Blues”!


Vivi, por alguns anos, não muito longe de Stamford Bridge, o estádio do Chelsea. Creio que apenas duas vezes, nesses meus saudosos (assumo) tempos londrinos dos anos 90, comprei bilhetes para ver por lá jogos: uma vez contra o Tottenham, outra contra o “meu” Arsenal, os “Gunners”, grupo a que, desde há décadas, me ligam afinidades políticas (também confesso) e desportivas. 

Nunca fui adepto do Chelsea, tive sempre mesmo uma escassa simpatia pelo clube de Fulham Road, situado, porém, numa das zonas londrinas que mais aprecio e onde, para além de Hampstead, se pudesse daria o que não tenho para lá viver, se acaso Lisboa não existisse.

O Chelsea, como é sabido, por ter sido propriedade de um multimilionário (se me apanharem a dizer oligarca, internem-me, porque é sinal de que me deixei apanhar pela moda mediática) russo, que o facilitismo legislativo, soprado pelo politicamente correto e pelo “l’air du temps”, deixou um dia que obtivesse nacionalidade portuguesa (diz muito de um país ter sido necessário Putin andar na berlinda para o escândalo estourar e ser “instaurado um rigoroso inquérito”!), anda hoje pelas portas da amargura, em termos financeiros. Nem para as viagens parece haver dinheiro, nem pode vender bilhetes.

Como se aquela multidão de fãs, gente que vive e poupa uma semana para ir berrar e cantar no estádio o seu amor ao clube, merecesse ser punida, na sua fidelidade àquela camisola, pelas eventuais patifarias daquele que por alguns anos foi seu dono! 

Como se aquele excelente grupo de jogadores, que demonstra uma admirável determinação contra o infortúnio que lhes bateu à porta, fosse obrigado a arrostar com as culpas daquele calaceiro com ar sonolento, sempre rodeado de grandes pequenas à cata das ”pounds”, porque o rublo da privararia dos tempos de Ieltsin já deu o que tinha para dar!

Podem chamar-me tudo, até “putinista”, mas, no sábado passado, em face daquela flagrante injustiça, “fui“, por uma vez, do Chelsea. 

E da minha bancada almofadada lisboeta, em frente à televisão, tendo à ilharga um Earl Grey do Fortnum and Mason, ”the mother of all teas”, embora sem scones, puxei o que pude pelo clube, até o ver derrotar o Middlesbrough, para a taça lá do sítio. 

E olhem que não é fácil, por estes tempos e por razões que eu cá sei, alguém me ver a apoiar os “blues”!

Nojo

O caso da decisão judicial sobre o nazi Mário Machado é tão mas tão nojento que, para evitar infringir as regras básicas das redes sociais, fico-me por aqui.

Justiça, só isso!

Rapidez na administração da justiça, denúncia imediata de qualquer corporativismo oportunista e ausência de falhas processuais que possam servir de pretexto a um futuro mundo de recursos por juristas espertalhotes, é tudo o que se pede no caso do polícia morto por um militar.

1962



Há pouco, na RTP 1, passou um primeiro programa sobre a “crise” académica de 1962. Uma peça de Jacinto Godinho, com apoio num filme de Diana Andringa, de 1989.

Nesses tempos, eu andava então a meio do meu tempo do liceu. Não me consta que, lá por Vila Real, tivesse ouvido falar de que uns universitários engravatados lisboetas andassem a atazanar a vida do ditador, que já tinha tido mais com que se preocupar no seu “annus horribilis” anterior (desvio do Santa Maria pelo DRIL, revoltas em Angola pela UPA, tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, ataque a S. João Batista de Ajudá, desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa pela LUAR, ataque indiano ao Estado da Índia). 

Aliás, sempre achei algo irónico designar por “crise” as movimentações dos estudantes de Lisboa de 1962, seguidas depois por Coimbra. É que, se foi “crise”, foi para o regime, não para a oposição.

Ao olhar uma das imagens do programa, mostrando uma sala de aula da faculdade de Direito de Lisboa, com as placas com o números dos lugares, para os professores poderem registar os alunos em falta, do que é que eu me fui lembrar? De que, uns anos mais tarde, numa “ocupação” de um dos anfiteatros daquela faculdade, eu me havia locupletado com uma dessas placas, que ainda guardo - e de que aqui deixo a imagem.

E aproveito também para deixar uma história, que ouvi a Jorge Sampaio, um dos “heróis” desse ano de 1962, de que o filme me mostra vários amigos, como Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, José Vera Jardim, Maria Emília Brederode, Eurico de Figueiredo, Isabel do Carmo e António Correia de Campos.

Nesse ano de 1962, Jorge Sampaio foi de Lisboa a Coimbra, para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. 

Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à “República” onde vivia Carlos Candal, que ele não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que já ia “chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor muito antes do curso acabado. 

O ambiente, contou-me Sampaio, era, para ele, surpreendente, muito diferente do contexto homólogo lisboeta - desenhos humorísticos e eróticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da conhecida boémia coimbrã. 

Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço!". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão, saído do banho, indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal, já com o habitual charuto na boca. 

Nesse momento, disse-me o futuro Presidente da República, ele percebeu melhor aquela que era a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E também dos políticos oriundos de ambas, claro, embora isso fosse pano para outras mangas, que hoje não são para aqui chamadas…

segunda-feira, março 21, 2022

Dia rimado

Sem me ter dado conta de que hoje é (já quase foi) o dia internacional da poesia, aconteceu-me acabar de ler, por uma hora, Jorge de Sena. Ainda dizem que “não há coincidências”, mas eu “sei lá!”.

Estados e regimes

A maioria dos 193 países existentes no mundo, reconhecidos como tal pela ONU (outros há que não o são), não são democracias. Nem por isso o seu estatuto deixa de ser idêntico à luz do Direito Internacional, que diz respeito a Estados e não aos seus regimes.

Ditaduras e democracias

A Ucrânia não é uma ditadura, embora o regime ucraniano esteja longe de ser uma democracia sem falhas, “to say the least”. Mas mesmo que a Ucrânia fosse uma ditadura - e não o é, repito - não teria menos direito do que uma qualquer democracia de ver a sua soberania plenamente respeitada.

Adjetivos

Durante a guerra civil em Angola, o ambiente mediático oficioso obrigava a fazer anteceder a expressão “sul-africanos” da palavra “racistas”. Um dia, um locutor foi ao ponto de falar em “aviões racistas sul-africanos”! Alguma adjetivação “obrigatória” que aí anda lembra-me isto.

Estratégia

A UE teve a “sorte” de lhe ter “caído no colo” uma crise grave de segurança, a montante da aprovação do seu novo documento estratégico, hoje pré-aprovado (a aprovação formal será no Conselho Europeu). O texto não corre, assim, o risco de ficar datado. Foi bom que isso acontecesse.

Direitos

É nestes cenários de guerra que o cidadão comum entende, com mais facilidade, que, salvo situações excecionais, o Direito Internacional “não é bem” um direito e que a sua capacidade de imposição é mais limitada do que a generalidade dos outros direitos.

Rendição

A não rendição das forças ucranianas que defendem Marioupol tem um forte significado político: a ter acontecido, representaria um precedente que as autoridades de Kiev procuram evitar a todo o custo.

“The powers that be”

Biden tem hoje uma conversa à distância com os líderes da Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Este não deve ser um dia bom para a diplomacia de Madrid e de Varsóvia. Mas é a vida! Um poder não é aquele que afirma sê-lo, é aquele que os outros reconhecem como tal.

Democratas, ma non troppo…

Ontem, o governo ucraniano decidiu proibir 11 (onze) partidos de esquerda da vida política no pais. Lembrei-me de republicar um texto que aqui coloquei há cerca de sete anos, em abril de 2015. O mundo, afinal, muda pouco

“A decisão ontem anunciada pelas autoridades de Kiev de proibir os símbolos comunistas no país (presumo que com a exceção prática das províncias do Leste) é, com toda a certeza, o primeiro passo para a interdição do próprio Partido Comunista do país. Não me parece que isso seja um bom sinal para a Ucrânia.

Nada, aliás, que seja estranho na antiga União Soviética. Vai para mais de uma década, visitei um determinado país da Ásia Central, integrado numa delegação de cinco embaixadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), idos de Viena. Entre os diversos encontros que nos foram proporcionados na capital do país figurava uma mesa-redonda com representantes dos partidos políticos locais.

À volta da mesa, estavam representados aí uns seis ou sete partidos. Cada um deles apresentou-se e definiu o respetivo perfil, ficando claro que estávamos perante um imenso "trompe l'oeil", como o delegado da OSCE já nos tinha alertado. Todas essas formações estavam representadas no parlamento, mas nenhuma delas fez a menor observação crítica ao governo em funções, relativamente ao qual não tinham qualquer objeção visível. Deixámo-los fazer o seu "número" e foram-lhes depois colocadas algumas perguntas por cada um dos visitantes, todos oriundos de democracia ocidentais. Quando chegou a minha vez, não hesitei:

- O representante do Partido Comunista não pôde vir?

Os locais olharam perplexos entre si. Então aquela República tinha-se "libertado" do comunismo e os embaixadores ocidentais, todos de países NATO, onde o comunismo estava bem longe do poder, perguntavam pelos comunistas locais? Imagino se não se perguntavam por que diabo queriam ali comunistas quando o sentido da Guerra Fria fora precisamente derrotá-los.

O "controleiro" da delegação, representante do governo que dirigia a "peça", quebrou o embaraço coletivo e, fixando-me, respondeu com evidente surpresa e não menor firmeza:

- O comunismo acabou neste país. O Partido Comunista foi proibido.

- Peço desculpa, mas tem-nos vindo a ser dito que este país vive hoje em democracia. Como é que podem afirmar isso se não autorizam que uma corrente de opinião como os comunistas se pode organizar e afirmar no vosso sistema constitucional? Os comunistas desapareceram aqui de um dia para o outro? Onde estão? A democracia faz-se precisamente para que todos possam ter o direito à representação política, por muito que não concordemos com eles. Pela minha parte - mas não posso falar pelos meus colegas, naturalmente - tenho de concluir que o vosso regime tem uma falha democrática grave. Tomo nota disso e não deixarei de ter isso em conta no meu regresso a Viena.

Os restantes embaixadores ocidentais que integravam o meu grupo não me pareceram ter ficado muito agradados com a frontalidade da minha tomada de posição. Mas o incómodo foi bem maior entre as figuras locais. No resto da nossa estada nessa "democracia" da Ásia Central fui olhado sempre de soslaio pelos nossos anfitriões. E, regressado a Viena, notei que o respetivo embaixador junto da OSCE tinha esfriado as suas relações comigo. 

No plano económico, o único que poderia suscitar da minha parte alguma contenção em sede de cinismo de "realpolitik", Portugal não tinha o menor interesse nesse distante Estado. E, como costumo dizer, a grande vantagem de um país como o nosso é que, como não tem grandes interesses, pode dar-se ao luxo de ter grandes princípios...”

domingo, março 20, 2022

A guerra

Bombardeamento semântico. Aqui

É de Homem!


Há semanas, foi anunciado que António Sousa Homem, um discreto advogado reformado (esta é a única fotografia que se lhe conhece), de idade bem avançada, que vive no Moledo e que, no “Correio da Manhã”, publicava, com regularidade, crónicas que eram muito apreciadas pelos leitores do jornal (e por outros, que o não sendo, como é o meu caso, lá o procuravam pela sua excelente prosa), decidira colocar um ponto final nesses textos. Como conhecedor que sou da opera omnia escrita do velho causídico, que tinham já dado origem a vários volumes, fiz parte de quantos tinham ficado tristes com a notícia daquela súbita paragem. Disse isso a Francisco José Viegas, um escritor e editor que sabia ser próximo do cavalheiro. E ainda há dias, numa conversa com uma figura da alta investigação policial nortenha, cujo nome não vem a caso, mas que, num agosto passado, tinha visto a tomar café com Sousa Homem numa esplanada em Caminha, eu tinha repetido idêntica observação. Muitas outras pessoas o terão feito, ao que agora apuro. E hoje, para me alegrar este domingo chuvoso, constato que o Dr. António Sousa Homem regressou ao periódico, imagino que “a pedido de várias famílias”, como antes a imprensa dizia, quando entendia dever corresponder a um expressivo sentimento quantitativo dos leitores. A sua coluna chama-se “Em certos aspectos”, com a palavra escrita com “c”, porque o senhor é de outros tempos e não vai em modas ortográficas. Seja muito bem regressado, caro Dr. Sousa Homem! Peço ao Francisco que lhe transmita os meus respeitos.

A Ucrânia e os seus partidos

Numa decisão ontem tomada, o presidente Zelensky, determinou a dissolução dos restantes onze partidos de esquerda que ainda existiam na Ucrânia.

O passado, lá no alto

 


Em Kiev, há poucos anos.

Gastão Cruz (1941-2022)

 


Geopolítica na areia

Vai ser muito interessante perceber - e não deve demorar muito - a razão pela qual o presidente do governo espanhol decidiu fazer o gesto que fez, ao favorecer as pretensões marroquinas na questão do Saara Ocidental. Sanchez habituou-nos a nunca dar ponto sem nó.

Lá se vai o mito…


Havia uma velha tese de sociologia política empírica que dizia que dois países que tivessem lojas da McDonald’s nunca entrariam em guerra entre si. Foi arquivada.



Diz o Provedor do “Público”

 


Bateu uma saudade…


O Acordo Ortográfico, visão IKEA

 


Moldova, claro

 


Heróis da terra

Nunca a famosa frase de Marx de que “a História ocorre uma vez como tragédia e se repete como farsa” (ou coisa parecida) se aplicou melhor do que à comparação entre os “viriatos” fascistas e os revolucionários lusos de esquerda que foram para a guerra civil de Espanha e os sete voluntários “nacionalistas” portugueses que se ofereceram para a Ucrânia mas que, afinal, decidiram vir de volta, quando perceberam que aquilo era mesmo “a doer”.

Este tipo é um pouco estranho!

Há dias, num jantar, referi, perante um grupo de amigos, que havia um ministro do atual governo cuja voz eu nunca tinha escutado. (Enganei-me: afinal, são dois).

E também disse que, desde o início da pandemia, nunca (repito, nunca!) tinha ouvido o mais pequeno comentário de qualquer especialista, político ou jornalista sobre o tema: a Covid é uma questão a que me mantenho, em absoluto, alheio em matéria informativa, desde março de 2020. Creio, aliás, que raramente alguém ouviu da minha boca a menor referência ao assunto, muito menos qualquer comentário nas redes sociais. Tomei os cuidados recomendados, vacinei-me e foi tudo.

Finalmente, também esclareci, para espanto geral dos circunstantes, que, praticamente desde há dois anos, havia deixado de ver noticiários nas televisões portuguesas. Essa assumida “abstinência informativa” em língua portuguesa, havia sido, aliás, uma das razões que me tinha levado a abandonar, a meio do meu mandato de seis anos, o lugar que ocupava no Conselho Geral da RTP (embora eu continuasse a ver alguns outros programas). Como recente exceção, admito que tenho assistido (com agrado, mas moderação quantitativa), na CNN Portugal, a alguma informação sobre a guerra na Ucrânia: informação, raramente comentários. Mas, às vezes, confesso, faço uma leve cedência e ouço aquilo que eu próprio lá vou dizer, como comentador contratado que sou…

Disse o que disse, nesse jantar, sob palavra de honra, com a minha mulher como fiel garante da veracidade. “Mas, então, como é que faz para se manter atualizado?”, perguntou uma amiga, presente nesse jantar. É muito simples: excetuada essa tal coisa da pandemia (tema do qual persisto em me manter persistentemente alheado), noto que há muitos bons canais de televisão em outras línguas e que a internet me dá, nos dias de hoje, sobre tudo quanto me importa, toda a informação de que necessito. E vivo lindamente assim!

Este tipo é um pouco estranho, devem estar alguns a pensar…

sábado, março 19, 2022

O Joel e o Carlos


Conhecer-se-iam, o Joel e o Carlos? Apostaria que sim.

Ambos morreram ontem, marcados por graves doenças que os tinham incapacitado, desde há anos.

Eram dois estilos muito diferentes de pessoa, embora unidos pelo constante sorriso, pela ironia inteligente, pela sabedoria, pela cultura, pelo culto da conversa. E por um imenso espírito solidário.

O Joel Hasse Ferreira era pausado e calmo. Transportava serenidade. 

O Carlos Pinto dos Santos era agitado e nervoso. Era o movimento em pessoa.

O Joel olhava as coisas da política com moderação.

O Carlos teve sempre a Revolução dentro de si. 

Em comum, tinham também a circunstância, que me era importante, de serem ambos meus amigos. 

Que dias, estes!


sexta-feira, março 18, 2022

Tropa


Já não nos juntávamos há mais de dois anos. É a minha tertúlia de “implicados no 25 de Abril”. Estava lá gente do Exército, da Marinha e da Força Aérea, entre os quais um general, um almirante e até um tenente na reserva fardado com uma camisola da cor dos cravos. Foram mais de duas horas magníficas, de histórias e de opiniões. Curiosamente, à saída, dei-me conta de que a política portuguesa e a guerra na Ucrânia não foram temas que viessem à conversa.

Revisas

A Rússia tem vindo a ser acusada de “revisionismo” da ordem política internacional, isto é, de tentar rever os equilíbrios a que, num certo momento, nem que fosse pela força das coisas, dera sinais de se ter acomodado. (Mas, por favor!, peço que não abramos uma discussão sobre isto, porque esse não é o objeto deste texto.)

Há dias, ao ouvir numa televisão um consagrado especialista em questões internacionais utilizar o termo, claramente nesse sentido, contra a política atual de Moscovo, tive um “déjà vu”. 

É que eu já tinha ouvido aquela mesma pessoa a utilizar esse exato termo, mas com outro bem diferente sentido, embora também com um caráter pejorativo, face ao governo de Moscovo. 

Mas isso tinha sido há 50 anos! 

Essa pessoa era, então, maoísta. Acusava, por esse tempo, o Partido Comunista da União Soviética, de que o “nosso” PCP era então um discípulo fiel, de se afastar da leitura ortodoxa do marxismo, deslizando para a “social-democracia” de figuras como Kautsky e Bernstein, então diabolizada por aqueles que Cunhal considerava estarem afetados pela “doença infantil do comunismo”. Para esses radicais maoístas dos anos 70, a URSS e o PCP eram então “revisionistas”. Na linguagem de café dessa época, o pessoal do PCP não passava de “um bando de revisas”! “Revisa” era uma abreviatura depreciativa em voga…

Uma coisa é certa: Moscovo, por uma medida ou por outra, está condenada a ser “um bando de revisas”!

quinta-feira, março 17, 2022

Vai e vem

Ao anúncio, ontem, no FT, de cedências ucranianas face aos russos, sucede, hoje, uma notícia noutro sentido, no Guardian, moderando as expetativas. De facto, o tom do presidente Zelensky no Congresso dos EUA e o novo pacote de ajuda militar de Biden não rimam com aquele anúncio.

Kremlinologia

Chegam sinais da Rússia de que as divergências em setores do regime que se opõem à guerra na Ucrânia estão a testar os nervos do presidente Putin. A “kremlinologia” dos nossos dias é fraca, pelo que se não sabe se isso pode vir a abalar o poder vigente. “À suivre!”

Da série: “Preparemo-nos! Ide!”

Repetindo o que alguém disse algures, os países ocidentais, que estimularam até ao limite o desejo das autoridades ucranianas de integrarem as instituições europeias e de segurança transatlântica, já deixaram muito claro que defenderão a Ucrânia até ao último soldado… ucraniano!

Bond, volta Bond!


Agora que isto está a ferro e fogo com a Rússia é que decidiram acabar com o James Bond! Esta malta não as pensa!

Ucrânia


Por mais uma semana, o podcast ”A Arte da Guerra”, a minha conversa com o jornalista António Freitas de Sousa para o “Jornal Económico”, tem o tema da Ucrânia no centro. A esse propósito, falaremos das margens de compromisso que se desenham, do papel da China e dos impactos na política interna americana.

Pode ver aqui.

quarta-feira, março 16, 2022

Uma coisa é a Ucrânia, outra coisa são as sanções

A Rússia pode vir a obter uma abdicação parcial da soberania da Ucrânia (aceitação da não entrada na NATO, estatuto diferente para os territórios no Donbass, talvez um passo institucional favorável aos seus interesses na Crimeia, admissão de um período de continuidade de presença militar no país, etc). 

Porém, mesmo na hipótese desse compromisso vir a ser obtido, o que representará sempre uma relativa rendição da Ucrânia, nunca conseguirá que o mundo ocidental venha a levantar a esmagadora maioria do pacote de sanções.

É que as sanções à Rússia, se foram claramente espoletadas pelo ataque à Ucrânia e para o punir, vão, de futuro, ter um outro objetivo: conseguir conter, enfraquecendo-a, a capacidade económica e estratégica de um ator político-militar que revela ser um poder que põe em risco a perspetiva ocidental da segurança europeia.

O objetivo

A Rússia nunca terá encarado outro cenário que não fosse executar uma invasão militar da Ucrânia. Sabia que o ocidente nunca aceitaria as “condições” formais que apresentou e usou um imaginário “genocídio” no Donbass como pretexto puramente artificial. O objetivo da Rússia era destruir as infraestruturas ucranianas, militares e estratégicas, e garantir que a Ucrânia se acomodava a um estatuto de soberania limitada. Conseguiu o primeiro objetivo e pode estar prestes a obter o segundo. Terá, no entanto, de avaliar se o preço que está, e vai continuar a pagar, terá compensado o que obteve ou obterá.

Linguagem e expressão

Eu uso, com toda a clareza, a expressão “agressão militar russa à Ucrânia” e acrescento, quando acho necessário e me apetece, que tal foi feito feito “sem qualquer provocação” e “sob falsos pretextos”. Mas também admito, sem o menor problema, que outros usem uma linguagem diferente, que tenham outra e até oposta perspetiva, e que a exponham na comunicação social. A liberdade em que gosto de viver é isso mesmo.

Ide!

Na minha terra, em 1961, aquando da partida das primeiras tropas para a guerra colonial, ficou famosa a exortação de um capelão aos "bravos rapazes": "Preparemo-nos para a guerra! Ide!" 

Ao ver o afã com que alguns apelam para que "se" avance para combate na Ucrânia, lembrei-me disso.

Odessa


A fotografia é da famosa cena do massacre na escadaria de Odessa, no filme mudo ”O Couraçado Potemkin”, de Serguei Eisenstein, de 1925. 

Vi o filme, creio que no Cinema Império, 49 anos depois de ter sido produzido. A cena é longa, mais de 10 minutos. Na parte final, a que a imagem se refere, um carrinho, com uma criança dentro, desce, descontrolado, através dos degraus, depois da mãe da criança ter sido alvejada. Lembro-me de que Eisenstein pontua o percurso do carrinho com imagens das pessoas abatidas.

A cidade ucraniana de Odessa, por essa e por outras razões de memória pessoal e da História da Europa, é uma das localidades do mundo que sempre me apeteceu conhecer - e que nunca visitei. Agora, vai ser difícil.

terça-feira, março 15, 2022

O tempo

Este texto é para gente com alguma idade.

Lembram-se do 25 de Abril? Claro que se lembram! O tempo que já passou depois dessa data, não é? Vai para quase meio século. Só gente com mais de 60 anos tem memórias sólidas desse tempo de transição entre a ditadura - que começou nos militares do 28 de maio, depois seguiu com Salazar e caiu com Caetano - a democracia dos cravos vermelhos.

E agora pensem: só daqui a dois dias é que o período democrático, inaugurado pela Revolução de Abril, irá igualizar, em tempo, o período do regime ditatorial inaugurado em 28 de maio de 1926.

Já pensaram bem no que isso significa? Portugal viveu uma das mais longas ditaduras do mundo - e não venham com versões edulcoradas de um regime que censurou, excluiu, prendeu, torturou e matou gente!

Esqueçam!

Desde há meses que os promotores de um blogue pró-russo, de extrema direita, deixam, em tentativas de comentário, quase todos os dias, e sob vários heterónimos, consecutivos links para publicações feitas nessa plataforma. Fazem-no, quase sempre, embrulhando essas ligações em insultos de vária ordem, com expressões racistas, anti-semitas, anti-europeias e, claro, muito anti-americanas. Mal eles sabem que o botão “delete” terá sido inventado para dar o destino devido às suas coisas! Nunca abro as coisas oriundas dessa gente! E gabo-lhes a paciência de continuarem a escrever, talvez na esperança de que eu, um dia, me distraia e ajude à sua propaganda. Se assim é, esqueçam!

Sarilhada

Vou dizer o que pode ser tido como uma banalidade, mas que é o que sinceramente sinto: as decorrências do ataque russo à Ucrânia estão a começar a deslizar para o que pode ser uma grande sarilhada à escala global. Desejo estar a ser pessimista.

Ucrânia


Ao final da tarde de ontem, tive um grande gosto em participar, conjuntamente com o professor Azeredo Lopes, numa palestra organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, dedicada à guerra na Ucrânia.

Foi interessante observar como o tema pode, na serenidade de um ambiente académico, por iniciativa dos estudantes, ser tratado de uma forma rigorosa, sem que as emoções empurrem o debate para um qualquer radicalismo argumentativo. Que diferença face ao modo crispado, às vezes algo censório, como o assunto tem vindo a ser abordado por aí!

Jorge Silva Melo (1948-2022)

 

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...