Li há pouco no site do "Expresso" um artigo sobre um tema curioso: o crescente desinteresse, detetado em qualificados quadros profissionais das gerações mais novas, em assumirem cargos de chefia. Segundo o texto, um pouco por todo o mundo desenvolvido, cada vez surgem mais pessoas que, ao contrário da lógica prevalecente em épocas anteriores, optam por não aceitar responsabilidades de natureza hierárquica. Chamam a isso "conscious unbossing".
O seu bem-estar e comodidade pessoais, o grau medido de satisfação profissional que pretendem ter, o tempo para o lazer e para a família são por essas pessoas colocados acima do tradicional carreirismo. Essa atitude, segundo o artigo, está a acarretar, para muitas empresas, um tempo diferente e mais exigente na gestão laboral.
Ao ler aquele texto, veio-me à memória um episódio com cerca de três décadas. O tema não é exatamente o mesmo, mas tem algumas similitudes.
Eu tinha acabado de assumir funções governativas, no seio de um ministério para onde entrara 20 anos antes. Era uma experiência muito diferente daquela que é mais comum: a maioria das vezes, os membros dos governos surgem de fora do setor da Administração Pública que vão tutelar. Para aquilo que aqui interessa, no meu caso era assim.
Um dia, veio à conversa o nome de um determinado colega da carreira diplomática. Era uma pessoa de um tempo profissional algo distante do meu, cujo percurso eu tinha perdido de vista. Acontece muito na nossa carreira: cada um vai para o seu lado, por várias partes do mundo, e é vulgar darmos por nós a perguntar: "que é feito de fulano?" Apenas sabia que, naquele caso, ele se tinha atrasado bastante na carreira, que falhara várias promoções.
Estranhei a situação. Tinha-o conhecido razoavelmente bem, sabia-o uma pessoa inteligente, capaz, culta, com bom senso e de uma excelente relação pessoal. O que é que teria corrido mal na sua carreira? Algum episódio menos agradável? Uma perseguição por parte de alguém influente? Ou tratava-se apenas de um mero azar?
Chamei-o ao meu gabinete. Começámos, como é da natureza destas coisas, por falar de gente e de factos que tínhamos em comum. A certa altura, já não sei bem como (sou muito inábil para conduzir conversas delicadas), tive a coragem de dizer-lhe da estranheza com que via a sua situação profissional, que me parecia francamente imerecida. E adiantei que talvez ainda fosse possível vir a corrigir esse estado de coisas. Sem lhe prometer nada, inquiri se podia fazer algo por ele, se havia alguma função que ele ambicionasse.
A resposta daquele meu colega desarmou-me. Em síntese, deu-me a entender que tinha "desistido", que não procurara nunca grandes lugares de chefia, que se acomodara às ocasiões profissionais que lhe tinham sido sugeridas, sem nenhuma especial ambição, e que, em síntese, vivia cómodo dessa forma. Não desejava, em definitivo, assumir responsabilidades profissionais acrescidas. Agradecia muito a amizade do meu gesto, mas dispensava e achava desnecessária qualquer intervenção da minha parte. E assim ficámos.
Quando ele saiu do meu gabinete, dei por mim a pensar que, se calhar, cada um de nós acaba por encontrar o seu modo de ser feliz ou, o que é capaz de ser ainda mais verdade, uma forma hábil de conseguir não ser infeliz. E não será isso mesmo, afinal, a felicidade?
3 comentários:
Também tive colegas assim, que recusavam quaisquer cargos de direção, queriam ser livres, não terem de estar sempre a atender o telefone.
Curioso é que hoje conheço muitos jovens que recusam cargos que os “prendam”, querem ter tempo livre para fazerem “outras coisas”. E eu, olhando para trás, concordo com eles. A felicidade também pode ser isso, fazer “outras coisas”.
J. Carvalho
É mas é o lado desambicioso, cobarde e acomodado que cada um tem. E, além disso, esta opção esconde quase sempre uma "dorzinha de cotovelo" pelo brilho do semelhante...
Interessante.
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