terça-feira, março 22, 2022

1962



Há pouco, na RTP 1, passou um primeiro programa sobre a “crise” académica de 1962. Uma peça de Jacinto Godinho, com apoio num filme de Diana Andringa, de 1989.

Nesses tempos, eu andava então a meio do meu tempo do liceu. Não me consta que, lá por Vila Real, tivesse ouvido falar de que uns universitários engravatados lisboetas andassem a atazanar a vida do ditador, que já tinha tido mais com que se preocupar no seu “annus horribilis” anterior (desvio do Santa Maria pelo DRIL, revoltas em Angola pela UPA, tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, ataque a S. João Batista de Ajudá, desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa pela LUAR, ataque indiano ao Estado da Índia). 

Aliás, sempre achei algo irónico designar por “crise” as movimentações dos estudantes de Lisboa de 1962, seguidas depois por Coimbra. É que, se foi “crise”, foi para o regime, não para a oposição.

Ao olhar uma das imagens do programa, mostrando uma sala de aula da faculdade de Direito de Lisboa, com as placas com o números dos lugares, para os professores poderem registar os alunos em falta, do que é que eu me fui lembrar? De que, uns anos mais tarde, numa “ocupação” de um dos anfiteatros daquela faculdade, eu me havia locupletado com uma dessas placas, que ainda guardo - e de que aqui deixo a imagem.

E aproveito também para deixar uma história, que ouvi a Jorge Sampaio, um dos “heróis” desse ano de 1962, de que o filme me mostra vários amigos, como Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, José Vera Jardim, Maria Emília Brederode, Eurico de Figueiredo, Isabel do Carmo e António Correia de Campos.

Nesse ano de 1962, Jorge Sampaio foi de Lisboa a Coimbra, para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. 

Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à “República” onde vivia Carlos Candal, que ele não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que já ia “chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor muito antes do curso acabado. 

O ambiente, contou-me Sampaio, era, para ele, surpreendente, muito diferente do contexto homólogo lisboeta - desenhos humorísticos e eróticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da conhecida boémia coimbrã. 

Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço!". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão, saído do banho, indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal, já com o habitual charuto na boca. 

Nesse momento, disse-me o futuro Presidente da República, ele percebeu melhor aquela que era a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E também dos políticos oriundos de ambas, claro, embora isso fosse pano para outras mangas, que hoje não são para aqui chamadas…

2 comentários:

Maria Isabel disse...

Também vi e gostei
Maria Isabel

Lúcio Ferro disse...

Aposto que nunca roubou togas de coimbra e se fez passar por licenciado às tantas da madrugada numa queima das fitas, perto de um república, na alta da cidade, mas olhe que deveria. ;)

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