quinta-feira, março 31, 2022

Vai ser assim?

Devo ser eu, com certeza, quem está enganado, mas tenho a firme convicção de que António Costa, pessoa por quem tenho o maior apreço, e que merece todo o meu apoio neste seu início de novo mandato, comete um imenso erro ao deixar pairar a ideia da sua eventual candidatura, daqui a dois anos e meio, ao lugar de presidente do Conselho Europeu. 

Esse erro tem duas dimensões. 

Desde logo interna. Não se inicia um cargo, com esta exigência, com uma espécie de nuvem de dúvida sobre se cumprirá ou não, até ao final, o mandato, tão personalizado, que os portugueses lhe confiaram, sem a menor dúvida para uma legislatura de quatro anos. Quando António Costa foi a votos, estava implícita a sua disponibilidade pessoal de ficar até ao termo do mandato. Agora - a menos que venha a fazer, rapidamente, uma declaração formal, tipo “read my lips!”, de que não abandonará o “barco” - os portugueses vê-lo-ã como um primeiro-ministro “a prazo”. Isso afeta a sua autoridade, induz instabilidade na equipa governamental, vai abrir uma constante especulação e polémica sobre o nome que pode suceder-lhe. António Costa sabe, melhor do que ninguém, que isto não é favorável à governação do país.

A segunda dimensão é externa. Então o primeiro-ministro português vai passar a entrar nas reuniões do Conselho Europeu como um putativo candidato ao cargo de uma pessoa que acaba de ser reeleita para dirigir esse mesmo Conselho, que ali estará por mais dois anos e meio, na lógica implícita de que “quando saíres daí, vou eu para esse lugar”? Não é isto incómodo? Não se sentirão os pares de António Costa tentados, daqui até lá, de lhe fazerem sentir que “ou te portas bem e como nós queremos ou não votamos em ti”? E sabe-se lá, neste tempo político tão volátil, se os equilíbrios políticos internos em outros Estados não evoluem em termos que possam pôr em causa as “contas” que, a esta distância, parecem ser favoráveis ao desígnio atribuído a António Costa.

Perguntar-se-á: mas António Costa já disse que será candidato ao tal lugar? De facto não disse, mas eu, no meu entender, acho que ele devia deixar “crystal clear”, desde já, que não abandonará o cargo para que foi eleito em Portugal. Outros dirão: e se ele não quiser tomar essa atitude, pretendendo manter “abertas as portas”, com a legitimidade de quem tem o direito de vir a decidir da sua vida futura? Nesse caso, é muito simples: aplica-se aquilo que escrevi nos parágrafos acima.

Faço uma ressalva, com toda a modéstia: posso ser eu quem está a ver mal a questão.

14 comentários:

Anónimo disse...

Assim temos o Embaixador a fazer a vontade a MRSousa, embarcando na tradicional estratégia de criação de factos políticos desenhados de acordo com objectivos que ele saberá. Já foi assim com o OE. "Avisou" - diz. Avisou ou deixou o PC sem margem de manobra ? Consegue garantir-me que MRS não pretendeu provocar eleições antecipadas para dar uma hipotese ao seu delfim Rangel de materializar a "mudança de ciclo " que ele próprio anunciara na noite das autárquicas ? E vocelência em lugar de lhe criticar essa postura ( ou a participação publica em cerimónias pias...) ainda lhe dá corda? Lamentável !

MRocha

Luís Lavoura disse...

comete um imenso erro ao deixar pairar a ideia

Mas que pode ele fazer para que a ideia deixe de pairar?

Não foi ele quem pôs a ideia a pairar. Ele não tem culpa nenhuma de que ela paire.

"Não há machado que corte a raiz ao pensamento", dizia o poeta. Ninguém pode impedir que ideias pairem. Ideias são coisas imateriais, que pairam nas mentes de homens.

Luís Lavoura disse...

o mandato, tão personalizado, que os portugueses lhe confiaram

Erro. Os portugueses não confiaram mandato nenhum a Costa, a não ser o de deputado. Os portugueses somente elegeram deputados. Os portugueses não elegeram Costa.

Quem colocou Costa como primeiro-ministro foi a Assembleia da República, os seus deputados. Tanto o puseram a ele como poderiam ter posto outro. Ou poderão no futuro, com toda a legitimidade, pôr outro.

Luís Lavoura disse...

Recorde-se que depois das eleições de 2015 a direita defendeu que os portugueses tinham escolhido Passos Coelho para primeiro-ministro.
Mas isso era falso, tal como a esquerda demonstrou. Os portugueses somente tinham eleito deputados, e quem escolhe o primeiro-ministro são os deputados. Os deputados escolheram António Costa, e não Passos Coelho, para primeiro-ministro.
Da mesma forma, agora em 2022 os portugueses somente elegeram deputados. Quem escolhe o primeiro-ministro são os deputados. Estes tanto podem escolher Costa como, no futuro, daqui a uns anos, poderão escolher outro qualquer.

Miguel disse...

Dado o contexto actual, seria ainda mais sensato do que em circunstâncias normais António Costa tomar a iniciativa de anunciar ao país que não abandonará o cargo de primeiro-ministro por iniciativa própria antes do fim da legislatura.

Lúcio Ferro disse...

A propósito, ouvi há momentos o PR versão Martelo a dizer que 'o primeiro-ministro ficou refém do voto dos portugueses'. Como (um tipo até fica perplexo)? Nesse caso, também o PR está refém desse mesmo voto, e extrapolar das suas funções que não são mais do que decorativas não lhe compete; como diria o anterior rei de espanha, por que nó se cala?

Luís Lavoura disse...

Miguel

seria [...] sensato [...] António Costa tomar a iniciativa de anunciar ao país que não abandonará o cargo de primeiro-ministro por iniciativa própria antes do fim da legislatura

Mesmo que António Costa anunciasse isso solenemente, e prometesse e jurasse, qualquer pessoa seria livre de não acreditar nele e de continuar a especular em público que ele abandonará o cargo daqui a dois anos para ir para a Europa.

João Cabral disse...

Mas há alguma dúvida de que este governo não vai durar os quatro anos, senhor embaixador? Por tantos motivos.

Luís Lavoura disse...

João Cabral

se a guerra entre a Rússia e a Ucrânia prosseguir por alguns meses - e toda a gente, com exceção de algumas forças marginais como a Turquia e o Vaticano, está a torcer por que prossiga - então a inflação atingirá tal valor, a desorganização das cadeias de abastecimento será tal, e a carestia da comida e da energia será tal, que dificilmente o Governo português não cairá.

Vai ser penoso de observar.

Tony disse...

O rapaz, ainda ontem tomou posse, já, MRS teve que vir "martelar" na eventualidade, de poder zarpar, daqui a dois anos. O visado nunca, sobre essa possibilidade, disse nada. A comunicação social, por sempre procurar sangue, é que não se cala com o tema, desde há muito tempo. Por ser um não assunto, não achei bonito MRS, vir com o tema, e nunca mais largava o osso. Após a posse, voltei a ouvir MRS, numa entrevista de rua a repisar o assunto. Acho que por não ser assunto, consequentemente, AC, nada terá que dizer. Até lhe ficava mal.
Ontem, numa estação de televisão, numa entrevista ao recém eleito Presidente da Assembleia da República os entrevistadores, metralharam a pessoa da possibilidade de vir a candidatar-se à Presidência da República. Mas, o entrevistado, chegou para eles. O senhor tem muita pinta. Gostei.

FG disse...

Marques Mendes anda há muito tempo a repetir a ideia da ida de António Costa para um cargo europeu. Voltou à carga no último domingo.
Não há dúvidas de que o propósito seria o de fragilizar o primeiro-ministro. Criando instabilidade.
Quem quiser acredite nas "revelações" do tempo de antena dominical da SIC. Marcelo é que devia evitar entrar na campanha. Disse no começo do mandato que não existiriam "fontes de Belém". Não há recadistas?
Como se justifica que no começo de um governo em tempo de guerra, com toda a perturbação na economia e desafios imensos de âmbito social o presidente venha a destempo levantar uma questão que não se coloca?
Costa não devia responder para não alimentar a coisa. Aliás, Pedro Nuno Santos já disse o que havia a dizer.

S. Carvalho disse...

É isso João Cabral! A fé, mesmo que mazinha e ressabiada, é sempre a última coisa que se perde. Tenha fé, homem, tenha fé.

Luís Lavoura disse...

Excelentes comentários de FG e de Tony. Subscrevo.

Jaime Santos disse...

Parece-me que é o Sr. Embaixador que está a ver mal a coisa. António Costa não tem que se rebaixar e responder a boatos e a factos políticos criados pela comunicação social e repisados pelo analista-comentador que na Quarta-Feira substituiu o PR na cerimónia de tomada de posse...

O futuro