terça-feira, abril 05, 2022

Gambozinos

Há pouco, telefonou-me um amigo, zangado pelo facto de eu ter afirmado ontem à noite, na CNN Portugal, que os russos não têm direito ao benefício da dúvida. quanto à autoria do massacre de Busha. Esse amigo defende a tese de que tudo não passou de uma encenação feita pelos ucranianos, para explorarem a indignação da opinião pública internacional.

Acho que os órgãos de comunicação social devem continuar a dar espaço e tempo a quantos, nesta guerra, se sentem mais próximos da Federação Russa, alimentando uma atitude negativa face ao governo de Kiev. Pode ser chocante para muitos, mas continuo a pensar que o 25 de Abril se fez para que ouçamos todas as opiniões, mesmo as mais abstrusas. Quem não concordar com elas que as combata, no terreno das tomadas de posição pública. Contudo, silenciá-las, abrindo uma espécie de “caça às bruxas”, não me parece digno de um país de liberdade. A censura à imprensa existe na Rússia, não a admito em Portugal.

Voltemos ao massacre de Bucha. Ontem, o embaixador russo na ONU disse que os russos não são responsáveis pela morte de qualquer cidadão ucraniano, ocorrida na cidade. O MNE russo e outras figuras do regime disseram coisas basicamente idênticas.

A Rússia, que é a única entidade agressora neste conflito, à evidente revelia do Direito Internacional, não tem um passado recente que lhe permita reivindicar o estatuto de um Estado “de bem”, antes pelo contrário. Violou flagrantemente as leis internacionais em 2008, na Geórgia, voltou a fazê-lo em 2014, ao “empochar” a Crimeia e alimentar o secessionismo no Donbass, colocou a “cereja no bolo” ao invadir agora a Ucrânia. A Federação Russa não tem um histórico mínimo de credibilidade que faça com que possamos acolher, com qualquer benevolência, as suas teses. No caso de Busha, tudo indica que a culpa lhe pertence.

Nos tempos que correm, e à luz das evidências do passado, tendo a duvidar, por sistema, das afirmações de Moscovo. Há muito que deixei de acreditar em gambozinos.

15 comentários:

António disse...

Eu acho que a credibilidade, ou falta dela, é irrelevante para o caso. Isso pertence ao reino dos humores e das redes sociais. Devia-nos interessar mais o jornalismo. Espero que nenhum jornalista diga "eu não sei ao certo, mas não é credível, porque os russos fartam-se de mentir".

Lúcio Ferro disse...

'No caso de Busha, tudo indica que a culpa lhe pertence.' Pode o senhor embaixador elaborar, ou é só porque os exemplos que selecionou lhe dão a entender uma 'verdade' sobre esta ou outras matérias? E diz o senhor antes que 'A censura à imprensa existe na Rússia, não a admito em Portugal.' Está a brincar? Tente lá aceder à RT ou a outros meios e vamos ver se não existe censura em Portugal. Que o senhor não a pratique, acho muito bem, e é também por isso que o leio, mas não diga que não existe, porque ela está por toda a parte, porque a sua cnn (que credenciais) e as outras tvs são meras máquinas de propaganda, ao serviços dos interesses mais funestos que possamos racionalizar, e o senhor sabe disso, se prefere manter-se calado, pois aceito, mas não brinque Francisco Seixas da Costa, há censura e há censura às carradas, os ataques ad hominem a quem tem a mais pequena veleidade de contrapor, de contextualizar, são um festim, quem pensa diferente é putinista e é traidor, como se estivessemos em guerra (estaremos?), portanto, por favor, não brinque, pela consideração que lhe devo e pela admiração que sinto por si e pelo seu percurso. Obrigado.

Lúcio Ferro disse...

E se me permite o complemento, como o senhor afirma que gosta de ler aqueles com quem não concorda e como é um excelente diplomata de carreira, uma pessoa com alguma influência e alguns contactos, leia este texto e retire as ilações que bem entender.

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2022/04/verdades-cruas-e-falsas-virtudes.html?fbclid=IwAR36Y-mXnmj4_nq7WnE5LxXkbD6p-VTfBtkepmOPZ-bIY4CMuP3gcpMdDDU

Flor disse...

Boa tarde Sr. Embaixador. Eu não consigo conceber que haja gente que diz "a pés juntos" que tudo o que aconteceu em Bucha (?) foi encenação da parte da Ucrânia.:(

Luís Lavoura disse...

Afinal é Busha ou Bucha?

A transcrição correta do cirílico, para ortografia portuguesa, é Butcha.

Carlos Antunes disse...

Caro Embaixador
Grande malha!
Como eu me ri, com essa dos gambozinos!
O seu amigo, pró-Putin, é que não deve ter gostado nada e não lhe voltou a telefonar.~
cumprimentos

Luís Lavoura disse...

Deixa lá ver se eu percebo a opinião do Francisco.

A Rússia é um estado agressor, mentiroso e maléfico. Portanto, a acusação que lhe fazem, de ter massacrado civis em Butcha, só pode ser verdadeira - mesmo que não tenha sido provada.

Este tipo de raciocínios pode simplificar brutalmente muitos julgamentos. Tem muito potencial. Por exemplo: para quê perder-se tempo a avaliar a culpabilidade de Ricardo Salgado em diversos esquemas, quando se sabe que ele é um mentiroso e um escroque maléfico? Ele é, evidentemente, culpado de tudo e mais um par de botas! Xilindró com ele, já!!!

Luís Lavoura disse...

Lúcio Ferro

tente lá aceder à RT

Eu todos os dias acedo a ela (rt.com). Está perfeitamente acessível. Pelo menos na internet, em formato de jornal (não de televisão).

Não sei por quê, se calhar a Ursula von der Leyen é digitalmente analfabeta e não a conseguiu colocar offline. Ou então esqueceu-se, coitada.

Horacio disse...

Posso concordar com o teor, agora com a fundamentação... nem parece do Sr Embaixador.

Francisco Tavares disse...

Sobre a ausência do "histórico mínimo de credibilidade" e o empochar da Crimeia, e o bláblá do direito internacional: porque silencia o golpe de estado de 2014, alimentado pelos grupos pro-nazis da Ucrânia, que hoje ocupam postos fundamentais do Estado ucraniano. Golpe de Estado esse onde os EUA e outros estados europeus meteram muitos meios e dinheiro? Ou é da opinião que aquilo de perseguir e remover um presidente legal e democraticamente eleito foi uma revolução popular? Tão popular que Victoria Nuland, bem conhecida sombria personagem da diplomacia norte-americana (actualmente subsetrária de estado para Assuntos Políticos), andava em Kiev em Dez2013 nas manifestações organizadas pela extrema direita na praça Maidan. Independentemente, do que se possa opinar sobre Putin, porquê o dito Ocidente ("pessoa de bem") ignorou as suas propostas desde pelo menos 2007? Ou a aplicaçção do princípio democrático (ou mesmo um princípio da vida social) de que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro não vale porque nós somos os "bons" e eles "os maus". Quanto aos lamentáveis crimes praticados nesta (como noutras) guerra, haverá esperança de que possam ser devida e imparcialmente dilucidados?Hoje, ainda é possível encontrar pessoas responsáveis e jornalistas que falam com a maior das calmas dos bombardeamentos químicos e de hospitais (inventados e comprovadamente inventados) de Assad na Síria. Francisco Tavares

Reaça disse...

"E a verdade é só uma rádio-moscovo não fala verdade".

Era assim que nos garantia Salazar, embora este também nos enfiasse algumas petas.

Mas aqui ele nunca se enganava, e vendo agora, Salazar tinha olhinhos.

Sabia o que a casa gastava.

João Cabral disse...

Nem mais, senhor embaixador.

Erk disse...

A minha dúvida aqui não passa pelas barbaridades cometidas pelas forças armadas russas, primeiro com uma.invasao com justificações ridículas e infantis, e agora com este massacre obviamente perpetrado pelos mesmos.

Não, a minha dúvida é se na segunda guerra mundial também houve em Portugal quem tenha garantido a inocência ou exigido o benefício da dúvida para os nazis depois de se terem descoberto os campos de concentração polacos.

Joaquim de Freitas disse...

"A Rússia é um estado agressor, mentiroso e maléfico" E é por isso que a mídia russa, que há anos é espaço para analistas internacionais críticos , foi banida pelos Estados Unidos, União Européia , Reino Unido ) e outros aliados. A sua transmissão ao vivo,os seus canais no YouTube ) e todas as suas redes sociais. Sem qualquer decisão judicial.


O Google removeu o seu conteúdo anterior,a sua biblioteca de jornais do seu mecanismo de busca.

A mídia aplica censura estrita. Deixando – claro – alguns espaços de testemunho que justificam a sua falsa pluralidade.
Liu Sivaya, cientista político russo, enfrentou um bando no canal espanhol Cuatro . Denunciando os oito anos de bombardeio ucraniano no Donbass, disseram-lhe que eram "nuances irrelevantes":

Justamente por relatar a situação no Donbass, o jornal francês Le Figaro censurou uma reportagem da sua correspondente Anne-Laure Bonnel . O coronel espanhol Pedro Baños decidiu desistir de suas aparições na TV depois de receber sérias ameaças. O motivo: o tom neutro de suas análises do conflito .

O YouTube não apenas censurou a mídia e os jornalistas russos com milhões de assinantes . Também documentários como "Ukraine on fire", de Oliver Stone, feito há seis anos .

O Twitter classificou como "mídia afiliada ao governo russo" as contas de todos os jornalistas que colaboraram, em algum momento, com um canal público russo . É a "estrela amarela" com que os marca, profissionalmente, para o futuro .

Para a propaganda de guerra contra a Rússia na rede TikTok, Joe Biden convocou os 30 tiktokers mais influentes, dando-lhes uma mensagem clara a espalhar: o culpado da inflação nos Estados Unidos é Putin .

Facebook e Instagram suspenderam a proibição de postagens de ódio se forem contra a Rússia, permitindo apelos para matar os presidentes russo e bielorrusso e elogios ao regimento nazista ucraniano Azov .

As redes permitem e encorajam esse ódio anti-russo: políticos como a senadora norte-americana Lindsey Graham pediram no Twitter o assassinato do presidente Vladimir Putin, sem que a rede os limitasse ). Em "mídia séria", como a NBC News, um jornalista propôs um ataque da NATO a comboios russos, ou o que é quase o mesmo, o início da Terceira Guerra Mundial ). Nunca vi uma hsteria igual, quando os americanos


Oh Senhor Embaixador: os EUA - normalmente acolitados pelo RU e pela UE - exerceram mais de 200 invasões militares, guerras a outros países, etc., muitas das quais utilizando o seu instrumento militar, a NATO.

Muitas dessas invasões militares e muitas dessas guerras foram brutais, cruéis e desumanas, provocando uma destruição inquantificável e muitos milhões de mortos. Em todas elas, em claríssima violação do direito internacional e em muitas delas sem sequer obterem a eufemística cobertura da ONU.
A Líbia, o Iraque, a Síria, o Afeganistão e a Sérvia, são apenas a ponta do icebergue.
Em todas essas guerras cometeram horrendos crimes de guerra, sem qualquer justificação militar e milhares de alvos civis foram atacados, massacrados e destruídos, usaram armas proibidas, torturaram, prenderam (Guantánamo afinal é o quê?) e mataram.
Muitas outras vezes apoiaram, armaram, financiaram e suportaram golpes de estado, revoltas, emboscadas, massacres, etc., sem qualquer pejo ou rebuço.
Toda a curta história dos EUA é um vergonhoso rol de ações deste tipo, única e exclusivamente em prol dos seus próprios interesses e da dominação planetária.
Em todos esses miseráveis momentos, nós, europeus, assobiámos para o lado, encontrámos justificações, deixámos cair no esquecimento o sofrimento indescritível de milhões de seres humanos vilipendiados, torturados, mortos, humilhados, sem esboçarmos um tremor, ou sequer um laivo de indignação.

E quanto à censura, nunca a vimos no Ocidente contra estes campeoes da morte e da destruiçao.

José Alberto disse...

Estamos de acordo em que a Rússia nao é flor que se cheire. Foi uma herança do passado, do tipo árvore que nasce torta, tarde ou nunca se endireita. E os EUA serão um bom exemplo para alguém? A história do EUA está repleta de maus exemplos, por vezes mais subtis, mas não menos condenáveis do que os da Rússia. Onde entra a indústria de armamento, perigo de o dólar deixar de ser hegemónico nas transacções comerciais internacionais, recurso a reservas de matérias primas, etc, os países imperialistas farão tudo o que estiver ao seu alcance para manter os seus privilégios. Sem excepção. Rússia, EUA, China e o que mais se verá nos próximos anos.

Olhar os dias em quinze notas

1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Puti...