segunda-feira, abril 04, 2011

Mário Viegas

Alguém lembrou que acabam de passar exatamente 15 anos desde a morte de Mário Viegas. Viegas foi um grande ator e um excecional "diseur", a quem se fica a dever um trabalho muito importante na divulgação da poesia portuguesa. Vi-o pela última vez no curiosíssimo "Europa não, Portugal nunca", onde construía um diálogo criativo com a assistência e punha em causa algumas das coisas adquiridas do nosso quotidiano político.

Conheci pessoalmente Mário Viegas em 1973, durante o serviço militar. Recordo-me de ele ser já alferes, ao tempo em que eu era aspirante. Um dia desse ano, num juramento de bandeira na parada da EPAM, meses antes do 25 de abril, coube-me fazer o discurso às tropas, na minha qualidade de oficial de Ação Psicológica da unidade militar. O meu texto tinha sido construído de forma equívoca, com diversas ambiguidades, que tentavam compatibilizar a solenidade da ocasião com algumas mensagens que eu tinha por subtis (lido hoje, confesso que acho o discurso gongórico e algo pretensioso). No final, a figura militar que presidia à sessão levantou-se na tribuna e lançou, com voz forte: "Nosso aspirante, aproxime-se!". Lembro-me que fiquei gelado e lá avancei para o palanque. Afinal, era para me felicitar pela "elevação" do texto... Minutos depois, Mário Viegas comentou-me: "Quando o brigadeiro te chamou, achei que era para te dar voz de prisão". Eu também.

Aqui deixo o som de Mário Viegas no genial "Manifesto anti-Dantas", de Almada Negreiros.

6 comentários:

margarida disse...

A sua intervenção poética mareja-me sempre os olhos.

Anónimo disse...

E que som...

De rebeldia com fôlego de coragem;assertividade à boleia da sombra da própria imagem,de verdade nos arrufos da personagem,de sonho nas pausas da entoação!
Entoado nos murmúrios da firmeza segura em cada declamação.

De melodia de quem sabe eternamente deixar-nos o som em mente da justiça do passado em direcção ao futuro e patente no presente,em cordas vocais desde os senhores maiorais aos simples lúcidos jograis que nos velam desde sempre nas subtilezas que não vemos julgamos sem rei nem roque e que perduram em Alguéns que as evocam para dar sorte...

De crepúsculo e alvorada quer dizer tudo do nada nem lamechas ou piegas... que honra conhecer o Mário Viegas

Quem me dera...
Há dias e até horas de sorte
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Mario Viegas SEMPRE!!!!
abraço

Anónimo disse...

Meu caro Embaixador,
Uma palavra de saudação pelo seu blogue, de um leitor recente. Tive conhecimento do bloque através de um amigo e não passa um dia sem que o espreite. Com um curiosidade saudável, se lhe interessa!
Pela primeira vez, no entanto, "entro" neste jogo dos comentário, ainda que de forma anónima. Para de um modo simples lhe "agradecer" a lembrança (não gosto aqui da palavra evocação) de Mário Viegas. Num tempo em que o esquecimento vai imperando...
Ass: Um amigo e ex-colega de trabalho de M.Viegas

José disse...

A presença crítica, sempre interventiva, fazia-o passar do ontológico ao fenomenológico, com a insustentável beleza de "marejar sempre os olhos".

A participação dinâmica, visando uma sociedade descomplexada e atenta, gerou ideias de liberdade e comportamentos libertadores.

Anónimo disse...

Sobre o Mário Viegas, tenho muitas histórias passadas comigo, nós que éramos grandes amigos: desde pedir-me emprestados os sapatos para levar para os programas na televisão (uns, nunca mais os vi, pois os perdeu e eu não tinha dinheiro para comprar outros), até, nos mesmos programas, arrancar as folhas dos livros de poesia que eu lhe tinha emprestado. Em Barcelona, uma cidade que ele adorava e conhecia a pente fino, divertimo-nos à brava, havendo sempre nele um enorme sentido de humor sobre as pequenas coisas do quotidiano. Infelizmente, nas minhas andanças de teso mudando de quando em vez de quarto em Lisboa, perdi jóias preciosas como o seu primeiro disco de poesia, que me ofereceu. Era um tipo de uma generosidade rara, de uma "loucura" rara. Lembro-me de como me fartei de rir com ele a contar-me como, com uma grande piela, se pôs a fumar na cama e incendiou o colchão.Vieram bombeiros e vizinhos... um escândalo. Até a contar uma desgraça tinha um fino sentido de humor, sobre si e sobre os outros. Mas, como ninguém, era amigo dos amigos. Além disso, eu tinha a vantagem de conhecer o seu contexto familiar, o que me permitia "ver" muitas coisas com outros olhos. Ele era, ainda, familiar de uma das grandes e velhas "glórias" do seu Sporting, Sr. Embaixador. E, já agora, tive a ver com a sua especialidade na tropa e a sua ida para a EPAM, onde o Sr. Embaixador foi encontrá-lo. Talvez o Sr. Embaixador compreenda como, nesses tempos, anonimamente, íamos fintando o regime e a tropa, correndo alguns riscos.

25 de novembro