"Podias fazer de recoveiro e trazer-me isso de Paris", pediu-me, há pouco, um amigo que sabe que vou hoje a Lisboa.
Só alguém com uma certa idade, e "da província", se lembraria do conceito de "recoveiro", uma figura da minha infância que se deslocava de terra em terra, normalmente de comboio, e que, na sua mala, trazia e levava "coisas", por um módico custo, num tempo em que o transporte de objetos pelo correio não ainda era muito vulgar.
Só alguém com uma certa idade, e "da província", se lembraria do conceito de "recoveiro", uma figura da minha infância que se deslocava de terra em terra, normalmente de comboio, e que, na sua mala, trazia e levava "coisas", por um módico custo, num tempo em que o transporte de objetos pelo correio não ainda era muito vulgar.
O meu pai contava-me que era o recoveiro quem trazia, "do Porto", no final dos anos 40, a então muito rara penicilina, que permitiu "safar-me" de uma doença grave, que me ia levando desta para melhor. Desde então, tenho uma gratidão eterna para com os desaparecidos recoveiros.
Por isso, hoje, farei, com gosto, o papel de recoveiro aéreo para esse meu amigo.
17 comentários:
Deve ser um termo. como você diz, "da província". Nunca o tinha ouvido.
Desaparecidos recoveiros?
Tenho bem a impressão que ainda devem existir.
Desaparecidos recoveiros?
Talvez ainda subsistam, pelo menos aqui bem perto de mim.
Senhor Embaixador, desculpe mas vou contar uma história em dois episódios.
O primeiro, no tempo, data dos anos sessenta. O meu padrinho tinha um estabelecimento comercial ali junto do Mercado do Bolhão. Por alturas de muita clientela eu ia lá "dar uma mãozinha", sobretudo por alturas da Páscoa e do Natal. Quando havia uma encomenda para um cliente entre Valongo e Amarante, lá mandava um dos empregados levá-la ao Recoveiro.
Durante anos vivi fora do Porto. Outras terras e outros costumes. Esqueci os recoveiros, os aguadeiros, as vendedeiras de "limões ou alhos"...
De regresso, fui vender horas contra "recibos verdes" para a Instituição, ali para os lados de Alferes Malheiro.
Um dia, passando em Fernandes Tomás, fiquei surpreendido ao ver um furgão com o dístico de "Recoveiro".
Por isso posso afirmar que há coisa de cinco anos ainda existia pelo menos um recoveiro na segunda cidade do nosso país. Os Fedex e os Chronopost ainda não tinham acabado com eles.
Não ficaria admirado se alguém me viesse dizer que o mesmo tipo de serviços existia entre a região parisiense e algumas vilas beirãs.
Senhor Embaixador,
Os recoveiros avivam-me a memória do porto da minha infância.
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O princípio de minha vida, aos 11 anos, de marçano na rua do Loureiro (Queijaria Arcozelo e Confeitaria Serrano) do lado oposto da Estação de S.Bento, havia os recoveiros que diariamente chegavam das terras do Douro e mais acima que traziam e levavam pequenas encomenda de comboio.
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Por norma o depósito desses haveres eram as pensões ou tascas. Tanto poderiam ser mulheres ou homens, que mereciam toda a confiança.
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Quando cheguei ao Porto (de bosta de bois nas ruas), em 1946, chegou então a penicilina e foi abrandar as mortes das pessoas afectadas pela tuberculose.
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Era terrível ver as pessoas amarelitas, corcuvadas, a caminhar, tossir pela rua do Loureiro acima, Corpo da Guarda, Cativo e Cimo de Vila.
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Quase não havia família em Portugal que não tivesse um caso desta doença.
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Certamente a penicilina que o foi “safar” de uma doença grave e levada do Porto por recoveiro, foi comprada na Farmácia Barros, estabelecida antes da travessa da rua do Loureiro.
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O velho farmacêutico senhor Barros de bigode branco e farfalhudo era um samaritano que na farmácia injectava penicilina, no rabo, de não sei de quantos milhões de unidades, aos homens com a gonorreia contagiados nas casas de porta aberta da Sé ou na cova da onça da Serra do Pilar.
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Também gramei uma picadela do sr. Barros cuja o tamanho da agulha era mesmo para doer e juntava à dor o liquido leitoso, a entrar na carne, que antes tinha sido misturado um pó com um líquido branco.
Saudações de Banguecoque
José Martins
Re coveiro!!!?...
Credo...
Soa a 5º Segredo...
Hum que cheirinho a sigilo disponível...
Agora a malinha... Sem monograma é linda...
Sei de uma amiga que tem numa assim roupa interior inimaginável tipo "recoveira"... Mas escaparate
Nada disso é inocente...
Outra dimensão...
Das campanhas...
Digo já que a mim não me enganam...
Isabel Seixas
Viva sr.Embaixador,
ainda na semana passada ao chegar do serviço a casa ouvi 2 vizinhas desavindas e uma dizia p a outra:"TU ÉS UMA RECOVEIRA,se n fosse o rend. minímo n tinhas vagar de andar no leva e traz..."
Ora aqui está 1 (mau) exemplo!
arm.
Abençoado recoveiro! Bendita penicilina por ter chegado a tempo:)!
Curioso. No meu tempo, em Santarém, também existia essa actividade. Mas chamavam-hes "estafetas". Além de trazer/enviar encomendas também se encarregavam de algumas actividades institucionais.
Recoveiro, nunca tinha ouvido.
Mas, atendendo à nota justificativa que o Sr. Embaixador faz, julgo tratar-se daquilo que aqui no Alentejo chamamos (ou chamávamos) de 'estafeta'.
Estafeta era o homem - e também havia mulheres - que traziam uma encomenda de pequeno porte de Lisboa para Beja de um dia para outro, e vice-versa.
Hoje, tanto quanto sei, essa atividade cessou.
Talvez por isso o intercidades entre Beja e Lisboa também tivesse acabado...
Recoveiro é também uma localidade do concelho de Sintra, perto do Algueirão.
Passava lá muito quando fui militar - há muitos anos, ai de mim! - no Campo de Tiro da Serra da Carregueira.
Se não me falha a memória havia lá uma tasca onde eu e alguns camaradas comíamos bons petiscos (incluindo um esplendoroso cozido à portuguesa) a preços módicos.
Acabo de confirmar no Google Earth que ainda não mudaram o nome à terra.
Carlos Fonseca
Vale uma abordagem jurídica da recovagem, que nunca mais esqueço porque em 1961, na prova oral de Direito Civil, o Pires de Lima me deu cabo do juizo com a recovagem, barcagem e alquilaria?
Se vale transcrevo Menezes Cordeiro, hoje tão chato como o Pires de Lima há 50 anos:
"I. No Código Ferreira Borges, a matéria dos transportes estava, ainda, pouco caracterizada: ela entroncava na grande cepa românica do mandato.
Segundo o artigo 170.° desse diploma,
O empresario d’um estabelecimento, que se encarrega do transporte de mercadorias por terra, canaes ou rios, chama se expedicionario ou commissario de transportes. Quando elle mesmo preside á recovagem, chama se recoveiro; e são os empregados seus os barqueiros, carreteiros e almocreves, que o representam.
O artigo 171.° completava:
Como o recoveiro pode ser elle mesmo, ou representar o commissario expedicionario, e póde acompanhar como almocreve a recovagem, a legislação ácerca dos recoveiros comprehende o que esta á testa da administração, e os mesmos almocreves e barqueiros.
Como se vê, a própria linguagem surge arcaica, apesar de as categorias jurídicas fundamentais serem claramente perceptíveis. Estes textos dão bem a ideia do papel que a industrialização teve no campo do contrato de transporte.
II. O papel da guia de transporte, autêntico título de crédito, vinha já exarado no artigo 175.° do Código de 1833:
A cautela de recovagem é o título legal do contracto entre o carregador e o recoveiro: por ella se decidirão todas as questões ácerca do transporte das fazendas: contra ella não são admissiveis excepções algumas, salvo de falsidade, ou erro involuntario de redacção.
O Código Civil de Seabra referia, nos seus artigos 1410.° e 1411.°, o contrato de recovagem, barcagem e alquilaria(48). Os respectivos textos são curiosos e interessantes:
Artigo 1410.°
Diz se recovagem, barcagem e alquilaria o contrato por que qualquer ou quaisquer pessoas se obrigam a transportar, por água ou por terra, quaisquer pessoas, ou animais, alfaias ou mercadorias de outrem.
Artigo 1411.°
Este contrato será regulado pelas leis comerciais, e pelos regulamentos administrativos, se os condutores tiverem constituído alguma empresa ou companhia regular ou permanente. Em qualquer outro caso, observar se ão as regras gerais dos contratos civis, com as modificações expressas na presente secção." (fim de citação).
Pior que os juristas só mesmo essa praga dos economistas, Sr. Embaixador. Com uma diferença relevante, contudo: os juristas só têm dúvidas, enquanto, desgraçadamente, os economistas têm sempre certezas...
V
Caro V
Nem todos os juristas têm dúvidas e nem todos os ecomistas têm certezas. Só alguns.
Conheço juristas cujas certezas são pagas a peso de ouro e economistas cujas dúvidas lhes vulgarizam o salário.
Certezas, mesmo certezas, só os políticos, que nos andam a vendê-las há vários anos...
Felizmente que a FNAC abriu em Portugal...porque nem lhe conto os carregos de livros que levava para Portugal nos anos 90 !
No Porto, semanalmente, à quinta feira, vem o recoveiro a casa dos meus avós e a casa dos meus tios avós trazer o cesto. O cesto traz hortaliças e fruta apanhadas de manhâ na quinta, perto da Régua.
Só já mais velho, na quinta é que associei o nome recoveiro ao homem que levava os cestos. No porto só se diz:
-Chegou o cesto!!
E lá iamos cortar os arames com o alicate de corte, abrir a tampa, tirar as folhas de videira que embrulhavam e dividiam os diferentes tipos de legumes e frutas que se iam descobrindo e separando.
Em certas alturas do ano, vinha um cesto mais pequeno a acompanhar. E esse sim, quando aparecia, de certeza que escondia um tesouro.
Ou eram cerejas até cima
Ou diospiros flamejantes
(No Algarve pescam-se polvos com covos)
Em Guimarães, na rua de Trás-os-Oleiros, junto à casa onde vivíamos, havia a "casa da recoveira". Julgo eu que aí esteve instalado o recoveiro, Senhor Adriano Sampaio Abreu. Gostaria de saber mais coisas a seu respeito.
Havia, efectivamente, a "casa da recoveira" na rua de Trâs-os-Oleiros, em Guimarães, num primeiro andar, na esquina que abria para o cantinho onde, com os meus irmãos, vivi a minha infância e juventude. Por baixo da casa da recoveira, havia uma loja que nessa altura estava arrendada ao "Chafarica" e servia de armazém. Também eu gostava de saber mais pormenores da gente que a habitava.
fjt.torga@gmail.com
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