Há semanas, um jornalista referiu-se, a meio de uma conversa ao telefone comigo, ao teor de um telegrama recebido no MNE, assinado por um nosso embaixador. Perante o meu espanto e a pergunta de como obtivera o texto, replicou: "Foi alguém do MNE que mo deu...", disse, já um tanto arrependido de me ter falado no assunto. Também aqui, o jornalista fez apenas o seu trabalho.
A questão é conosco. Quando integramos o serviço público comprometemo-nos, "solenemente, pela nossa honra, que cumpriremos com lealdade as funções que nos são confiadas". Dessa lealdade faz parte o dever de confidencialidade, nomeadamente face a dados a que tenhamos tido acesso por virtude das funções que ocupamos.
Na diplomacia, os telegramas são a essência da profissão. Através deles, frequentemente, dizemos a nossa opinião sobre coisas muito sensíveis e transmitimos ao poder político informações de grande delicadeza, tendo como finalidade a defesa dos interesses do país na ordem externa. Se os diplomatas começarem a pressentir que, um destes dias, as suas avaliações ou pareceres recolhidos através de terceiros, que legitimamente não querem ser identificados, vão acabar por surgir nos blogues ou na imprensa, naturalmente que passarão a "fechar-se em copas" e a limitar drasticamente a utilização dos meios oficiais de correspondência.
Na diplomacia, os telegramas são a essência da profissão. Através deles, frequentemente, dizemos a nossa opinião sobre coisas muito sensíveis e transmitimos ao poder político informações de grande delicadeza, tendo como finalidade a defesa dos interesses do país na ordem externa. Se os diplomatas começarem a pressentir que, um destes dias, as suas avaliações ou pareceres recolhidos através de terceiros, que legitimamente não querem ser identificados, vão acabar por surgir nos blogues ou na imprensa, naturalmente que passarão a "fechar-se em copas" e a limitar drasticamente a utilização dos meios oficiais de correspondência.
Dir-se-á que ambos os telegramas a que aqui faço referência são inócuos - um é de natureza administrativa e o outro pouco longe disso. Porém, isso é completamente irrelevante. Trata-se de um telegrama e os diplomatas aprendem, no "bê-á-bá" profissional, que um telegrama é um documento "sagrado", que se lê se a isso temos necessidade profissional (na regra do "need to know") e que, depois, o "esquecemos".
Quem se sente tentado a passar para o exterior um telegrama administrativo é sempre capaz de ir bastante mais longe. Quem transmitiu os telegramas ao blogue e ao jornalista quebrou um dever de Estado. E quem infringe um compromisso que, perante o seu país, jurou "pela sua honra" só tem um qualificativo: é um canalha.
Quem se sente tentado a passar para o exterior um telegrama administrativo é sempre capaz de ir bastante mais longe. Quem transmitiu os telegramas ao blogue e ao jornalista quebrou um dever de Estado. E quem infringe um compromisso que, perante o seu país, jurou "pela sua honra" só tem um qualificativo: é um canalha.
16 comentários:
É absolutamente correcta a sua interpretação Senhor Embaixador. Infelizmente hoje existem vários que fornecem informação que não deviam, só para mais tarde poderem cobrar um favor aos jornalistas, que lhes poderão dar uma cobertura favorável.
É necessário mais sentido de Estado por parte dos que representam Portugal e o dever de confidencialidade e protecção da informação interna do MNE faz parte das tarefas de protecção do Estado.
Quanto ao comentário a Anónimo apenas me ocorre que falar de "sentido de Estado" a propósito de personagens videirinhas como são os promotores de 95% dos leaks de telegramas do MNE é manifestamente um elogio decabido.
O que lhes falta não é sentido de Estado, coisa a que duvido que possam aspirar, mas apenas decência.
Como diz o senhor Embaixador, trata-se de canalhas, "un point, c'est tout".
Infelizmente, é fauna assaz comum...
Senhor Embaixador
Para tristeza nossa, não é apenas na Carreira que o juramento feito é desrespeitado. Servi 18 anos na Função Publica e outros tantos no Banco de Portugal.
Em qualquer desses lugares tratei de assuntos confidenciais que morrerão comigo.
Mas vejo hoje, em certos lugares, colegas que nunca respeitaram a regra.
O que se tem passado com o segredo de justiça prova-o bastante bem...
Este mundo está cheio de canalhas. Quem não pratica canalhices ou é marginalizado ou acaba nas mãos dos especialistas em inventar canalhices convenientes!
Esse exemplo do “segredo de justiça” que HSC nos recorda é bem pertinente!
P.Rufino
A noção de serviço público tem vindo a desaparecer, razões certamente as há,e com ela o segredo profissional de juízes, procuradores, médicos...
Sim são pulhas!
JRA
O semanário Independente foi um exemplo de como a canalhice não existe!...
Pode até pôr se a hipotese ou a possibilidade de que quem passou o telegrama foi por dinheiro, ie. vendeu a informação/documento.
Passar o telegrama ou seja que documento for, pode ser por 2 ou 3 razões principais, de forma muito esquemática: pôr em situação embaraçosa o autor ou destinatário do documento, vingar-se de alguem, ou então por dinheiro. Um caso de falta de etica e qualidades profissionais, uma canalhada, sem duvida.
Algo pior eticamente que wikileaks pois foi praticado por alguem que está dentro e pertence ao corpo que serve.
Claro que para apreciar com rigor a gravidade do assunto, independentemente da transgressão basica (alguem divulgar documentos reservados) haveria que ter acesso ao tal telegrama (trata se de materia secreta?)coisa que nem pensar ou então alargava se ainda mais a divulgação do que escreveu o embaixador.
Subscrevo.
Isabel Seixas
Há uns anos atrás houve um caso em foi a próprio MNE (na altura o Ministro e Governo eram do PSD), ou seja, a estrutura da “Casa” quem enviou, deliberadamente, para a imprensa, um conjunto de informações relacionadas com um funcionário diplomático, que, afinal, como se veio a provar em Tribunal, nada tinha de culpado. Em grande parte, a culpa pertencia à dita “Casa”, por “esquecimento” de transmissão da adequada informação ao dito funcionário. Ganhou a causa, beijaram-lhe os pés, pediram-lhe desculpa, ofereceram-lhe uma chefia e depois um bom Posto. E “propuseram-lhe” que não avançasse para a Justiça, com uma queixa contra a Hierarquia. Promoveram-no e trataram-no com “pinças”.
Este caso foi muito mais grave do que este que aqui refere, até pelos contornos que teve. E pela forma, cínica, como foi “tratado”. Já lá vão alguns anos, nem muitos, nem poucos, alguns.
Pergunta: quem teve, no caso em apreço, o comportamento de “canalha”?
Embora bem compreendendo o que aqui disse, penso que “canalha” é, no exemplo que refere, um termo forte. Diplomaticamente optaria por uma outra terminologia, talvez, um “irresponsável”, “inqualificável comportamento”, por exemplo. “Canalha” é uma expressão forte que trai um estado de alma (em defesa de alguém?) e não exprime crítica, mas uma acusação, o que é diferente de condenar o agente do acto. Que cometeu, no caso vertente, sem dúvida um acto reprovável.
“Adido de Embaixada”
A fuga de informação é uma "canalhice" e das grandes, resultante da falta de rigor no tratamento documental e da democratização do acesso aos documentos e respectivos processos. Dai que, quando há fuga de informação "a culpa morre solteira".
No que se refere aos telegramas, pela sua cor chamativa, os "canalhas" levam o que está mais "à mão de semear" sem repararem se é de teor delicado ou meramente administrativo... É um telegrama, logo é informação altamente confidencial - é o "WikiLeaks à portuguesa".
Isabel BP
Gostava de deixar bem claro, para quem o não tenha entendido, que este post apenas tem como objetivo condenar quem fez as "fugas". Não se tratando, em ambos os casos, de nenhum segredo de Estado, quem recebeu tais informações e as divulgou ou comentou não cometeu a menor falta.
E há quem por ter trabalhado numa chancelaria tenha levado anos a fotocopiar telegramas - mesmo confidenciais- que vai divulgando a seu bel prazer/interesse(?!?) em blog próprio...
O indicador amputado...
Isabel Seixas
Matéria afinal complexa e até delicada, que pode ter muitos contornos e formas. Lendo o interessante comentário de "anónimo, adido embaixada" vemos que os motivos e intenções para passar informação podem ser os mais variados e até o próprio "MNE" teria utilizado o processo quando lhe conveio, a fazer fé no que diz.
Preferivel portanto dizer falta de etica profissional.
Num caso específico, o da espionagem internacional, pode se falar de traição ao país.
Teria havido casos em portugal?.
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=27562
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