domingo, maio 21, 2023

A Oeste algo de novo

Aqui deixo quatro brevíssimas notas sobre outras tantas incursões restaurativas no Oeste, no fim de semana que agora termina.


ADEGA DO ALBERTINO (Caldas da Rainha). Nos arredores da cidade, uma casa de sólida cozinha tradicional portuguesa, que ali está há mais de 30 anos de bons serviços. Lista muito completa, pelas mãos da dona Fátima e pela direção de sala de Albertino Catarino. Serviço atento e profissional, cozinha de qualidade. Estacionamento fácil.


CAIS DO PARQUE (Caldas da Rainha). No Parque Dom Carlos (os caldenses acrescentam "primeiro", como se tivesse havido ou venha a haver um outro...), num pavilhão que é quase idêntico ao do Límia Parque, em Viana do Castelo, nasceu há, não muito tempo, um restaurante que começou por comida asiática e hoje tem outras boas opções, em que a carne, em doses dimensionadas, é uma oferta pouco comum. Sente-se por ali, na qualidade e apresentação, uma mão hábil de chefe, que nos fez apreciar bastante esta primeira experiência. Lista de vinhos com preços muito honestos, o que começa a ser raro. O serviço ganhava em ser um pouco menos "casual arrogant". Estacionamento difícil; use o parque do centro comercial por detrás do hotel.


TRIBECA (Serra d'El Rei). Os leitores já devem estar cansados de me ler a dizer bem desta "brasserie", onde aporto muitas vezes, por ficar a dois passos da A8. Imagino que alguns devam mesmo pensar que recebo uma comissão! Mas o que hei-de fazer? Ontem, uma vez mais, comi lá muito bem. Eu e uma montanha de estrangeiros que já sabe da poda e enche a casa! Estacionamento fácil.


TASCA DO JOEL (Peniche). Fica na costa sul da cidade, que é preciso atravessar para lá chegar. O peixe é ali rei, mas não reina sozinho. Hoje, por exemplo, era dia de cozido à portuguesa. Umas ameijoas com que se abriram as hostilidades, que a casa qualifica de XL, estavam excelentes. Como esteve tudo o resto que se comeu. Preços razoáveis para a boa qualidade. Serviço conhecedor e atento. Estacionamento fácil.

O Oeste recomenda-se!

Brasil

O que terá ocorrido, na realidade, que levou ao desencontro de Lula com Zelensky, em Hiroxima? E como fica o Brasil nas suas ambições de ser promotor de um processo de paz para a guerra na Ucrânia?

Cavaco

Cavaco Silva não se resigna com a circunstância de persistir, na memória da direita, o facto de que foi ele quem deu posse à Geringonça. E como ninguém surge a defendê-lo, aparece ele, cavalgando a frustração do PSD, lembrando subliminarmente tempos passados em que o futuro do partido era, em geral, bem melhor.

sábado, maio 20, 2023

Confissões de viajante


A compulsão é imensa e creio que eterna. Perante as estantes cheias de livros, deixados pelos hóspedes nos hotéis em que me alojo, a minha vontade de surripiar um ou dois é constante. Uma vez mais, contive-me, o que também foi ajudado pelo facto de o que estava impresso em línguas de gente ser inaproveitável. Para o futuro, descobri uma solução: vou passar a trazer de casa uns monos, fazendo as trocas com a consciência mais tranquila.

sexta-feira, maio 19, 2023

Expressamente

Reitero, "avant la lettre", a minha indignação: o "Expresso da Meia-Noite", que aí vem dentro de minutos, promete ser o habitual espetáculo de subserviência ao governo, de bajulação a Costa & Galamba. A SIC e o "Expresso", nos dias de hoje, são o outro nome do "Ação Socialista".

Leon, mostra a tua raça

Deve ser confortável para o Bloco de Esquerda ter um seu antigo assessor no centro de um furacão político, que coloca uma imensa rasteira ao PS pós (e espera-se que não pré) PNS. Quem conhece o trotskismo sabe o que é o "entrismo", não sabe?

Um escândalo, é o que é!

Surpreende-me, com franqueza, o modo lambe-botas como as nossas televisões passam o tempo a defender Galamba e o governo, só escolhendo comentadores que lhe são favoráveis, não ecoando nunca a voz das oposições. É a mordaça, é a nova censura! Saia um novo 25 de Abril, já!

Perguntei à Inteligência Artificial

 


Belém

Pronto, já posso sair calmamente para o meu fim de semana gastronómico no Oeste. Em Belém, além do regresso do Belenenses à divisão principal, não se vai passar nada. Quem é que manda o "Expresso" sair à sexta?

Vadim


Ao final da tarde de quarta-feira, na Gulbenkian, ouvi o escritor Giuliano de Empoli fazer uma apresentação do seu badalado livro "O Mago do Kremlin" (já agora, vale bem a pena lê-lo!). Dá pelo nome de Vadim a personagem ficcional que, na trama, surge como o conselheiro de Putin. 

E isso trouxe-me à memória um outro Vadim, também russo, que, em outros e distantes tempos, cruzei na vida diplomática.

Foi no início dos anos 80 do século passado, em Luanda. A Guerra Fria estava no seu esplendor. Angola era uma das suas frentes ativas. Soviéticos e cubanos, com muita gente de vários países socialistas do Leste europeu, acolitavam o governo angolano na sua luta política e, em especial, na guerra civil contra as tropas da UNITA. 

Portugal era então visto, por Luanda, como um país com uma atitude algo hostil, por permitir a livre movimentação em Lisboa dos adversários do regime do MPLA. Na narrativa local, o nosso país surgia como aparentemente solidário com o satã americano que, ao lado dos sul-africanos, era objeto prioritário da diabolização da propaganda oficial. Não era muito fácil, naqueles tempos, ser por ali diplomata português, como era o meu caso. Mas tinha alguma graça.

Um dia, o nosso embaixador, António Pinto da França, deu-nos conta de ter sido aproximado, numa receção oficial, por um diplomata da União Soviética. Não era uma abordagem com conteúdo substantivo, como o seria se feita pelo embaixador de Moscovo, seu contraparte, hipótese que teria um inevitável significado político e que conviria interpretar de imediato. Naquele caso, fora apenas um funcionário de "ranking" intermédio. 

A troca de palavras, disse-nos o nosso embaixador, tinha sido o mais social possível, sobre generalidades, sol e praia. E era mesmo da praia do Mussulo que tinham falado. O diplomata soviético iria, como que por acaso, coincidir connosco, no domingo seguinte, nessa praia. Aí dispúnhamos de uma minúscula casa de apoio - modernizada pelo bolso dos diplomatas portugueses - onde, regularmente, nos reuníamos com amigos. E o embaixador convidou o diplomata soviético para ir lá beber um copo, trazendo a sua família. 

O António Pinto da França era assim, desconcertante e "fora da caixa", com conhecimentos improváveis, transmitindo naturalidade a coisas que outros poderiam ler de forma menos linear. Trabalhar com ele era um constante e divertido "happening"! Que saudades!

E lá veio o soviético, que por acaso era russo, com a mulher e dois filhos pequenos. Chamava-se Vadim Mortin. Revelou-se um tipo divertido e expansivo. Falava um português macarrónico, como acontecia com muita gente desse mundo "de Leste", que pululava à volta dos países "do Sul", que Moscovo procurava cultivar, num proselitismo estratégico muito óbvio, na compita bipolar com Washington.

Nenhum de nós tinha dúvidas de que o Vadim estava longe de ser um diplomata típico. As principais embaixadas dos países do "socialismo real" tinham, quase sempre, umas figuras soltas, que não faziam parte do topo da sua lista diplomática mas que, curiosamente, se movimentavam com inusitada facilidade junto dos colegas estrangeiros e das entidades locais. Pertenciam, como era óbvio, aos respetivos serviços de informação. Só isso justificava que, em flagrante contraste com os restantes colegas, tivessem uma grande liberdade para este tipo de contactos. Conheci alguns. Vadim era, claramente, um de eles.

Eu era então o mais novo diplomata da nossa embaixada, embora já a caminho de uma década de profissão. Lembro-me de ter provocado o Vadim, desde o primeiro momento em que nos conhecemos, com os relatos anedóticos das minhas, não muito distantes no tempo, incursões turísticas pelo mundo do centro e leste europeu, nomeadamente pela sua União Soviética. Ao ter-lhe contado episódios, alguns caricatos, de viagens que fizera por Berlim-Leste, Praga, Budapeste, Moscovo, Leninegrado (o nome de São Petersburgo não tinha ainda chegado) e até pela então ucraniana Crimeia, vi surgir nele uma imensa curiosidade. Como, à época, eu cultivava uma volumosa coleção de livros sobre serviços secretos (que hoje repousa, para quem nisso estiver interessado, na Biblioteca Municipal de Vila Real), tinha matéria para falar de alguns pormenores que deixaram o tal Vadim perplexo.

Acho que ele deve ter-se perguntado: será que este tipo disfarça mas, lá mo fundo, é próximo de "nós"? Ou é das secretas "deles"? Como, na altura, ele soube que parte importante do meu trabalho na embaixada era o acompanhamento das movimentações militares no território angolano, o soviético tomou-me rapidamente como interlocutor.

O Vadim bebia muito, como ficou evidente nessa  como em várias ocasiões posteriores. E tentava que os outros bebessem com ele, com o óbvio objetivo de os fazer baixar a guarda. Como acontece com este género de profissionais das informações, apenas vivia para reportar, praticamente não dava opiniões nem observava factos, só fazia perguntas. Tentava apurar o que sabíamos e, sem surpresas, que fontes tínhamos. Criar-lhe falsas pistas passou a ser um exercício divertido. As patranhas que lhe impingi!

Com o tempo, e perante a obsessiva repetição das conversas, que se convertiam em enfadonhos inquéritos da sua parte, creio que todos nós, lá na embaixada, a começar no embaixador Pinto da França e a acabar em mim, nos fomos cansando do Vadim, o "nosso" soviético de estimação. Ele terá percebido isso, a nossa retração crescente e, se bem me lembro, foi deixando de aparecer, talvez concluindo que nada de interessante dali levava. E terá deduzido, e bem, que, de "vermelhos", nós só tínhamos lá por casa os rótulos da Stolichnaya, a bela vodka russa.

Há poucas horas, ao final da quinta-feira, regressei à Gulbenkian. Desta vez, para ouvir a 11ª sinfonia de Shostakovitch. Tão russo como a Stolichnaya. Chegado a casa, mandando às malvas as sanções de Bruxelas, bebi um cálice daquela excelente vodka, à memória do passado e de saudação ao futuro. Nazdarovya!

Transparência

A PGR informou que o inquérito sobre os incidentes no Ministério das Infraestruturas se encontra "em segredo de justiça". Ainda bem! Isso é uma garantia de que, daqui a dias, vai saber-se tudo...

quinta-feira, maio 18, 2023

"A Arte da Guerra"


As eleições presidenciais na Turquia, as próximas eleições legislativas na Grécia e o novo périplo diplomático de Zelensky são os três temas do "A Arte da Guerra" desta semana, a conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, no podcast internacional para o "Jornal Económico', que pode ver aqui.

quarta-feira, maio 17, 2023

"Guetto" de Varsóvia


Nas instalações da Casa da Imprensa (o edifício está "um brinco"!), ao final da manhã de hoje, participei numa conversa sobre o octogésimo aniversário da revolta no "guetto" de Varsóvia, tema de uma exposição exibida no local, organizada por um coletivo integrado por João Soares, Manuela Rego e José Manuel Saraiva, entre outros. 

Esse grupo tinha já sido responsável pela exposição sobre a passagem por Lisboa de Jean Moulin, resistente francês assassinado pelos nazis, exibida há uns meses. De ambas as exposições resultaram belos catálogos.

Na conversa, que foi moderada pela subdiretora do "Diário de Notícias", Joana Petiz, estive com dois historiadores - Irene Pimentel e Rui Tavares - e uma especialista na temática judaica - Esther Mucznik.

Pela minha parte, falei especialmente da diferenciada memória da Segunda Guerra mundial na Europa e do modo como, em Portugal, o tema judaico foi sendo oficialmente tratado, quer na ditadura, quer em democracia.

Foi uma bela conversa. Para quem nela esteja interessado, avisarei quando for para o ar.

Quem quiser ver a exposição, tem de se apressar: encerra a 19 de maio.

Bar aberto

Tive um problema com uma reserva na TAP. Pelo andar da carruagem, ainda vou conseguir que o assunto vá à comissão parlamentar de inquérito.

terça-feira, maio 16, 2023

Lições do Sul

Não vai acontecer, infelizmente, mas teria imensa graça ser uma iniciativa "do Sul" a desenhar o caminho negocial para pôr fim a uma guerra na Europa. Na Europa, que quase sempre afivela uma tradicional sobranceria, tentando dar lições ao mundo "em vias de desenvolvimento".

Eutanásia

A maioria dos meus amigos regozija-se com a aprovação da autorização da eutanásia. Percebo perfeitamente as suas razões e só espero que haja totais garantias de que o sistema está "blindado" a "abus de faiblesse" (não conheço a expressão equivalente em português).

Curiosidade

Uma curiosidade que tenho - não sendo especialista em armamento - é saber se os mísseis hipersónicos russos podem ou não ser intercetados pelo sistema de defesa Patriot e se é verdade a alegação russa de que conseguiu destruir um desses sistemas. "Bocas" de cada lado não chegam.

Não é mau de todo...

Há meses, li que havia problemas para alojar pessoas em Coimbra, por causa dos Cold Play. Caí na asneira de perguntar: "O que é Coldplay? Um grupo (eu não digo banda) musical?". O que fui dizer! Caiu-me tudo em cima! E lá fui ao YouTube. Foi agradável.

O trigo e o joio autárquico

Pela leitura da imprensa, constata-se que, no setor autárquico surgem, com grande frequência, suspeitas, acusações e condenações por corrupção. 

Posso imaginar que a esmagadora maioria dos autarcas, que sabemos ser gente honesta e trabalhadora e faz um trabalho magnífico em prol da dignificação do poder local, se sinta regularmente incomodada com este labéu que se coloca a pessoas do seu setor.

Terá porventura chegado o tempo dos nossos autarcas perderem o subliminar corporativismo, que deriva do seu embaraçado silêncio face ao comportamento culposo dos seus colegas incumpridores, e "chamarem os bois pelos nomes", tomando a dianteira da luta contra a corrupção no seu setor.

Por exemplo, ficaria muito bem a uma entidade como a Associação Nacional de Municípios Portugueses ter a coragem de organizar uma conferência sobre "O poder autárquico e corrupção", criando simultaneanente, no seio da organização, em articulação com o Ministério Público e os órgãos de polícia, uma unidade de monitorização do fenómeno, com ações de formação e troca internacional de experiências, revelando assim transparência e determinação em separar o trigo do joio.

Um abraço ao António Vitorino

 


Que diabo de selo!


A criatividade gráfica no Vaticano está, como se vê, pela hora da morte. Mas eu, desculpem lá!, não participo no coro da indignação que por aí anda. O selo é muito feio, ponto.

segunda-feira, maio 15, 2023

Jornalismo adversativo

Nunca é demais lembrar, para que ninguém se esqueça: muita da nossa comunicação social não consegue dar uma boa notícia para o país, saudar o que de positivo possa surgir, sem o fazer seguir de um "mas", de um "contudo", de um "porém", que atenue o menor surto de otimismo e de bem-estar. O que importa é garantir que o ambiente catastrofista se instale e permaneça. Até que os seus sonhos se concretizem. Ou não.

Que chatice, não é?

Segundo alguns "especialistas", os bons resultados que a economia apresenta pouco têm a ver com a ação do governo, mas exclusivamente com o bom comportamento das empresas, que têm sabido "fazer pela vida". Diriam o mesmo se os resultados fossem diferentes?

Dilema

Neste final de campeonato, não há maior dilema do que aquele que atravessa um adepto do Sporting. Não podendo ser o nosso clube a ganhar, quem é que, intimamente, desejamos que não ganhe, na infeliz impossibilidade de ambos perderem?

Fernanda Gabriel


Não me recordo quando conheci a Fernanda Gabriel, uma cara da RTP que os portugueses se habituaram, desde há muito, a ver moderar debates com os nossos eurodeputados. 

A carreira da Fernanda é já muito longa e teve outras dimensões. Lembro-me dela na Lusa, no Diário de Notícias, na RDP e deve-me estar a escapar algo mais.

A Fernanda é uma profissional muito segura, com um forte equilíbrio nas suas prestações, um manejo invejável da tecnicidade das coisas europeias, área onde se especializou. É ainda, felizmente, uma jornalista "à antiga" - quase não usa o "eu", não confunde a informação com o comentário, não procura impingir-nos as suas ideosincrasias. O seu óbvio objetivo é recolher e transmitir-nos, com rigor, o máximo de informação útil, equipando-nos para, com toda a liberdade, podermos fazer as nossas opções e formar uma opinião própria. 

Há horas, disseram-me que o presidente da República, na sua recente passagem por Estrasburgo, base de trabalho da Fernanda Gabriel, lhe atribuiu uma distinção honorífica. Nada mais justo! 

Faço um "disclaimer". Depois de ter conhecido Fernanda Gabriel como jornalista, ela que foi também autarca na capital alsaciana e professora universitária, passei, de há muito, a ser também um bom amigo da Fernanda e do Jack, seu marido, o mais latino de todos britânicos que conheço. Algumas belas noites de conversa passámos nós em Estrasburgo, em Viena, na Jordânia, em Paris e no Estoril! Só ainda não consegui aceitar o convite para a sua casa na "aldeia mais portuguesa de Portugal", Monsanto, a terra da Fernanda. Um dia será!

Um beijo de parabéns à Fernanda e um abraço forte ao Jack.

domingo, maio 14, 2023

Turquia


A sede do partido dominante da vida política turca, o AKP, é o imenso edifício que a imagem mostra. Há precisamente uma década, entrei ali, acompanhado pelo nosso embaixador em Ancara, para ser recebido pelo vice-presidente do partido. Eu já estava reformado, dirigia o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa e tinha ido à Turquia, a convite do nosso MNE, então dirigido por Rui Machete, para representar Portugal numa conferência e, de caminho, efetuar uma determinada diligência.

Habituado à modéstia das instalações das sedes dos partidos, na generalidade dos países europeus, fiquei impressionado pelo fausto daquele edifício, pelos seus mármores e generosos espaços, desde logo o imenso gabinete do vice-presidente do AKP, que me recebeu. O AKP era, sabia-se, um Estado dentro do Estado turco e não escondia esse seu papel. De certa forma, aquilo parecia-me bem mais próximo de algumas autocracias da Ásia Central e dos Cáucasos do que de um regime democrático ocidental.

Por todo o lado onde passei naquele prédio, os retratos de Erdogan rivalizavam com os de Kemal Atatürk, o indisputado deus oficioso do país. O culto da personalidade fazia claramente parte da maneira de ser daquele país, então em acelerada transição. Ali estava um Estado, que se reivindicava de uma forte matriz laica, com uma democracia por décadas tutelada pelas forças armadas, verdadeiro "backseat driver" da condução das coisas, que a liderança de Erdogan lograra transformar, passando de um regime parlamentar para um presidencialismo autoritário, nacionalista e arrogante, à imagem do líder, tudo associado a uma crescente deriva islâmica. 

À noite, para a sua residência, o nosso embaixador tinha convidado para jantar, entre outras pessoas, um casal turco, professores universitários que eu conhecera na Grécia, nos idos de 90, e que sempre reencontrara em anteriores visitas a Ancara. Eram da oposição, do centro-esquerda. Ao referir-lhe as minhas impressões da visita à sede do AKP, a reação de um deles foi esta: "Ainda bem que viste com os teus próprios olhos! Aquilo é, muito simplesmente, a cara do regime que por cá temos".

Daqui a horas saberemos mais sobre o futuro da Turquia.

O Estado do Mundo


Moderados por Maria João Costa, Álvaro Domingues, Carlos Magno e eu discreteámos, ao final da tarde de sexta-feira, sobre o "Estado do Mundo". Cada um fê-lo ao seu jeito pessoal, cruzando perspetivas. É bom integrar debates assim: livres, sem stress, sem temor ao politicamente correto, respeitando as ideias dos outros e aprendendo com elas e com eles. 

Foi no LEV - Literatura em Viagem, um festival em Matosinhos onde tive o gosto de participar pela segunda vez.

sábado, maio 13, 2023

Milagres

Há pouco, do Porto para Lisboa. "Achas que dava para almoçar no Tia Alice, em Fátima?". "Tenta telefonar, mas só por milagre, num 13 de Maio". "Como me chamo Francisco..."

sexta-feira, maio 12, 2023

Capicuas


Os miúdos de hoje saberão o que é uma capicua? Se não sabem, vão ao Google, não é? Alguns talvez saibam, mas imagino que muito poucos, nos tempos que correm, acharão a menor graça ao surgimento, num bilhete qualquer, de um número que se pode ler, identicamente, da frente para trás ou vice-versa. Há prazeres inocentes que o tempo fez desaparecer. Isso não é bom nem é mau, apenas revela que vivemos um tempo diferente de outros tempos.

Passando há pouco junto aos outros Prazeres, o largo em frente ao cemitério, olhei o prédio onde viveram uns familiares que já se foram há muito, há mais de meio século. Um casal. Ele era uma figura suave e sorridente; ela era uma mulher "de fibra", nem sempre fácil, palavra às vezes cortante. Completavam-se lindamente, como muitas vezes sucede.

A grande paixão dele (para além de Salazar) era o Benfica. Fazia parte de quantos acompanhavam a equipa pelo mundo, tendo estado presente em momentos idos da glória internacional do clube. A minha condição de sportinguista desgostava-o. Eu era irónico nas conversas mas, sendo ele futebolisticamente "doente" e muito mais velho, optava por não ir muito longe nas minhas provocações, tanto mais que era uma pessoa sempre muito simpática para comigo. Numa visita minha a Lisboa, em fins de 1965, levou-me à Luz ver um "derby" com o Sporting. Para seu azar, o Benfica perdeu 2-4. Recordo a minha forçada contenção, no meio de uma bancada homogeneamente "lampiónica". E, estando perto do relvado, guardei para sempre na memória auditiva o ruído dos remates de Lourenço, autor dos nossos quatro golos.

A razão por que hoje falo desse meu primo é pelo facto de me recordar que ele tinha uma imensa e curiosa coleção de capicuas, em bilhetes de elétrico. Nas suas deslocações diárias, ao longo de décadas, no 28, entre os Prazeres e o seu emprego na rua da Conceição, entretinha-se a coletar esses números de dupla leitura, não sei se por arranjo com o cobrador ou por cumplicidade de "fellow-travellers". Que terá acontecido à coleção? Sem descendentes, alguém terá um dia deitado ao lixo, num instante, o que tantos anos tinha demorado a juntar. A única "vingança" é a certeza do prazer que o primo Augusto teve, por muito tempo, na recolha daqueles bilhetes muito especiais, a maioria, recordo, no valor de sete tostões, que era quanto custava o elétrico de sua casa para o emprego - e vice-versa, como as capicuas.

Mas a que propósito vem hoje esta história das capicuas? perguntar-se-á, com legitimidade, o eventual leitor. É muito simples: ao olhar para este blogue, dei-me conta de que, desde que este espaço foi criado, em 2009, publiquei aqui 11111 posts - onze mil cento e onze textos ou fotografias. Achei graça. É que eu sou do tempo das capicuas. E esta é das boas.

quinta-feira, maio 11, 2023

"A Arte da Guerra"


O discurso de Putin no 9 de Maio, a China e os novos equilíbrios no Médio Oriente e o crescimento da extrema-direita no Chile são os três temas na conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, no "A Arte da Guerra", o podcast internacional do "Jornal Económico", que pode ver aqui.

Clube de Lisboa


Há dias, tomaram posse os corpos gerentes do Clube de Lisboa, para um novo biénio. 

Por decisão tomada em Assembleia Geral, tenho o gosto de continuar a presidir ao respetivo Conselho Diretivo. A lista completa dos Corpos Sociais e do Conselho Estratégico pode ser consultada aqui.

O Clube de Lisboa foi criado em 16 de dezembro de 2016, na sequência da realização das duas primeiras Conferências de Lisboa (2014 e 2016), cuja organização, sempre a cada dois anos, passou a ser feita, desde então, pelo Clube, por decisão das entidades organizadoras das Conferências.

O Clube é uma Associação privada sem fins lucrativos, tem o estatuto de ONGD e de utilidade pública. Não tem instalações físicas próprias, reduzindo assim os seus custos de estrutura.

São objetivos estatutários do Clube “projetar Lisboa como lugar de reflexão, de debate e de promoção de iniciativas sobre temas relevantes da agenda internacional..., com particular destaque aos desafios estratégicos colocados ao futuro e ao papel de Lisboa e de Portugal na Europa e no mundo”.

O Clube opera como uma plataforma de reflexão e de debate e, sempre que adequado, em parceria e colaboração com entidades públicas e privadas - universidades, escolas, fundações, autarquias, empresas, organizações da sociedade civil, entre outras.

O Clube não assume posições políticas, embora respeite a liberdade de opinião dos seus membros e dos participantes nas atividades que organiza. Desde a sua origem, o Clube é integrado por pessoas com diferentes orientações ideológicas e com variadas origens profissionais. Não lhe sendo indiferente, a agenda oficial portuguesa, na ordem interna e externa, não determina nem orienta a sua ação, nem faz parte da sua agenda de trabalho. 

As atividades do Clube têm sido financiadas pelas quotização dos seus membros (cerca de uma centena), por candidaturas a financiamentos (Camões, ICL, embaixadas, outros), por contribuições pontuais, em dinheiro ou espécie, de variadas entidades (destacadas nas atividades) e, desde finais de 2022, conta com um subsídio plurianual concedido pela Câmara Municipal de Lisboa e um apoio do Instituto Marquês de Vale Flôr.

Um total de 356 palestrantes, de 53 nacionalidades (nomes e biografias estão disponíveis no website), participaram em cerca de 130 atividades do Clube, designadamente:

• Cinco Conferências de Lisboa, bienais, iniciadas em 2014, com a duração de dois dias, realizadas na Fundação Calouste Gulbenkian, como entidade anfitriã.

• Duas Conferências sobre a Fragilidade dos Estados, bienais, iniciadas em 2019 e coorganizadas com o g7+, com a duração de um dia.

• Três Conferências sobre Desafios Globais, anuais, iniciadas em 2020 – uma sobre o Oceano, outra sobre a Energia e a última, em março de 2023, sobre Segurança.

• 82 Talks/, iniciadas em maio de 2017 - 27 Lisbon Talks (LT), via de regra presenciais, de 90 a 120 m cada e 55 Lisbon Speed Talks (LST), todas online, de 30 a 45 m cada.

• Nove Seminários de Verão “Global Challenges”, anuais, em parceria com o Centro de Estudos Internacionais do Iscte-IUL e o IMVF, com a duração de 20 horas - os primeiros 3 realizados ainda ao tempo do projeto das Conferências de Lisboa.

• Um Projeto, iniciado em novembro de 2022, com a duração de 2 anos, que consiste na elaboração de uma plataforma digital com cursos e ações para o público mais jovem.

• 35 Publicações, correspondentes a 8 livros (papel + ebooks) das conferências – 2 livros adicionais, respeitantes aos últimos eventos, sairão ainda este ano – e a 27 resumos das LT. O acervo encontra-se disponível no site, para leitura, cópia e impressão.

A quem quiser seguir a atividade do Clube de Lusboa, aconselho a consulta do nosso site.

Literatura em Viagem

 


Trump

Seria interessante conhecer-se a opinião dos feridos graves e dos familiares das pessoas mortas no assalto ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando confrontados com o qualificativo de "a beautiful day" usado por Trump para descrever a data, na sua entrevista à CNN.

TAP

É extraordinário - melhor, é ordinário - o modo, quase babado de gozo, com que alguns se comprazem, para meros efeitos uso político, com o anúncio de prejuízos da TAP no passado trimestre.

quarta-feira, maio 10, 2023

O outro 10 de maio


"Então tu estragas a memória do 10 de maio, essa data de felicidade, em 1981, da chegada da esquerda ao poder em França, com a evocação da canalha nazi?!" 

O meu amigo, há minutos, ao telefone, estava furioso. E tinha toda a razão. Compensei-o com isto.

Fogueiras


Hoje, 10 de maio, faz precisamente 90 anos que, na Alemanha nazi, se iniciaram as fogueiras onde se queimaram livros "inconvenientes". 

Agora, quando se inicia o caminho da "revisão" da literatura, para "corrigir" passagens também "inconvenientes", lembro-me disto.

Pérolas


De quando em vez, este blogue recebe pérolas como esta.

La Lys



O jornalista Carlos Pereira, diretor do LusoJornal, o mais relevante órgão da comunicação social portuguesa em França, realizou um interessante documentário em torno de uma realidade pouco conhecida e historicamente explorada: o facto de, após terem participado no Corpo Expedicionário Português, em 1917/1918, nomeadamente na batalha de La Lys, um número significativo de soldados, difícil de precisar com rigor, ter permanecido em França, onde se fixou e deixou descendência.

O filme intitula-se "Les Héritiers de la Bataille de La Lys” e, entre outros aspetos, inclui depoimentos de historiadores e de familiares franceses desses militares. Foi apresentado na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, no passado dia 9.

Tive o gosto de ser convidado, com o general João Vieira Borges, a fazer a apresentação deste trabalho, abordando alguns dos seus aspetos. 

No passado, enquanto embaixador de Portugal, representei o Estado português nas cerimónias anuais no cemitério militar português de Richebourg, no norte de França, onde estão as sepulturas da grande maioria dos nossos soldados mortos naquela guerra. Fiz igualmente intervenções junto ao monumento existente na localidade de La Couture, em homenagem àqueles militares. 

Este é um tema que me apaixona, desde a infância, quando a minha escola primária era chamada, a cada dia 9 de Abril, a estar presente nas comemorações da batalha de La Lys, junto ao monumento a Carvalho Araújo, em Vila Real. Por lá vi, em vários anos, o celebrado Soldado Milhões, herói dessa batalha. No final dos anos 60, numa deslocação a França, fui expressamente a Richebourg para visitar o nosso cemitério militar.

Pude agora constatar que a evocação da presença militar portuguesa na Grande Guerra, na luta para a libertação da França, tem vindo a ser feita, nos últimos anos, por setores associativos da nossa comunidade naquele país. Este oportuno filme pode contribuir para fazer despertar, ainda mais, o interesse por um tema que historicamente une os dois países.

Sensatez e coragem

Um dia, ainda há-de aparecer um cidadão, sensato e corajoso, chamado a uma comissão parlamentar que, chegadas as cinco e meia da tarde, vai dizer: "Muito boa tarde. O meu dia de trabalho acaba agora, tenho de ir descansar e ir ter com a minha família. Amanhã, estou à vossa disposição, a partir das nove horas". Prendem-no?

Ai coração


Ao ver o "Ai coração!" na Eurovisão, com aquela gente em corridas e aos saltos, numa segura taquicardia, lembrei-me de que ainda não fui à minha consulta anual de rotina do cardiologista.

terça-feira, maio 09, 2023

Rita Lee


Um dia, na Noruega, um amigo brasileiro, o Pedro Avelino, "apresentou-me" a Rita Lee. Era, disse-me, uma antiga rockeira convertida às baladas. A mulher do Pedro, a Mônica, derretia-se com essa música. O som que ele trazia num LP, comprado no Rio, era o do "Lança Perfume". De facto, era diferente. Convenceu-me. Fiquei fã. Depois, em férias em Portugal, consegui o álbum com o "Mania de Você". Mais tarde, fui comprando outras peças da minha avantajada coleção da Rita Lee, da qual consta também o excelente "Baila Comigo". Levei tudo para Angola, em 1982, com dezenas de outros discos (os CDs estavam então a começar) mas, a pouco e pouco, com o aparecimento de outras novidades, fui esquecendo a cantora.

Quando vivia em Brasília, vi anunciado um espetáculo de Rita Lee. Sou pouco dado a shows de música popular com público ululante, com aqueles cromos que enchem os corredores e o espaço junto ao palco, estragando a vista e o sossego de quem comprou o que supunha ser um bom bilhete e quer apenas ver o espetáculo e ouvir a música, sem precisar de aturar, às primeiras estrofes, as palmas dos engraçadinhos que parece querem dizer-nos "ai! esta já conheço". E, quanto a rever artistas do passado, imensos barretes enfiei, por esse mundo fora, em acessos de revivalismo que me levaram a maus e caros espetáculos. Mas, enfim, em Brasília os shows eram raros, tive um descuido e lá fui ver a senhora. Que desilusão! Foi como ver o Eusébio a jogar no União de Tomar. Saí antes do fim!

Rita Lee morreu hoje. Vou ouvir as suas músicas velhas, também para me lembrar de mim quando as ouvi pela primeira vez.

segunda-feira, maio 08, 2023

Eduardo Paz Ferreira


Deve ser bom. Deve ser mesmo muito bom sentir o Anfiteatro 1 da Faculdade de Direito a abarrotar, como esteve ao final da tarde de hoje, para assistir à última aula de Eduardo Paz Ferreira. Meio mundo e mais alguém por ali esteve, para homenagear o Eduardo e ouvir a sua última aula. Ele contou-nos, com a graça e a frontalidade de sempre, a história do jovem que chegou dos Açores em 1970, para estudar Direito, então não suspeitando que ele próprio viria a transformar-se numa figura grada da academia lisboeta. 

A descrição que nos fez do modo como, estudante, ficou impressionado, na primeira vez que entrou na imensa sala onde estávamos, foi magnífica. Entre outras considerações, na hora e meia da sua levíssima conversa, o Eduardo brindou-nos com uma interessante análise, para mim muito pedagógica, sobre a relação do Direito com os temas económicos e o modo como a universidade, em Coimbra como em Lisboa, foi abordando esse tema. Um insigne professor da casa, hoje em comissão de serviço em Belém, também comentou isso em vídeo. Mas o Eduardo também nos falou dos pides, dos gorilas, do capitão Maltez, dando os nomes aos bois sobre quem esteve por detrás desse tempo de repressão académica.

O Eduardo Paz Ferreira é um jovem. Tem 70 anos, data que comemorámos numa bela festa no passado sábado, que a Francisca organizou para 70 dos seus imensos amigos. Num livro que agora publicou, com o  sugestivo título de "Devo fechar a porta?", ele deixa claro que o seu inquieto espírito cívico não vai ficar parado. Desde sempre, lado a lado com as suas atividades docentes, o Eduardo manteve uma incessante produção de debates e publicações. Lembro-me de ter apresentado, pelo menos, dois livros seus e de ter participado em bem mais de uma dezena das suas iniciativas, nomeadamente sobre temas europeus, área em que desenvolveu uma reflexão aprofundada e de imensa utilidade, questionando construtivamente o posicionamento do país nesse domínio. E até o fenómeno Trump nos juntou, com balanços críticos anuais, enquanto durou (esperamos não ter de reunir de novo sobre o assunto!) O Eduardo é um militante da liberdade e da justiça social e nesse domínio, como hoje uma vez mais provou, tem o papa Francisco como grande referente.

Conheci o Eduardo como jovem estudante universitário recém-arribado a Lisboa, creio que logo em 1970, nas tertúlias da Granfina, num grupo de açoreanos que por ali parava (Jaime Gama, Horácio César), junto com alguns algarvios (Nuno Júdice, Madeira Bárbara), beirões (como o António Massano), alentejanos (como o Diogo Pires Aurélio), transmontanos como eu (Belém Lima, António Leite) e muita, mesmo muita outra gente, em mesas que se juntavam à medida de quem chegava e onde pontuava, entre outros, o brilho do Eduardo Prado Coelho. 

Em 1976, o Eduardo apareceu a chefiar o gabinete de José Medeiros Ferreira, como ministro dos Negócios Estrangeiros, e muito nos cruzámos nos claustros das Necessidades, com ele então a queixar-se do meu radicalismo político. Um dia, num corredor da Igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, onde eu não sabia que ele vivia enquanto por lá estudava, caímos nos braços um do outro. Recordo o jantar em que ele nos apresentou a Francisca, que ficaria para a vida nossa amiga. Os nossos encontros à mesa, por cá e lá fora, a quatro ou em divertidos e às vezes musicados aniversários, foram sempre muitos. E vão continuar a ser!

Um forte abraço, Eduardo. Não, não vais fechar a porta! Nem a Francisca te deixaria! E ainda bem! Nunca te perdoaríamos! 

domingo, maio 07, 2023

Promessa


Juro que quando, um dia, aparecer por aí um político que faça desaparecer isto das paredes de todas as cidades portuguesas eu voto nele. E se esse político conseguir tirar do espaço público toda a propaganda partidária, exceto, em locais limitados, nos períodos eleitorais, então inscrevo-me no seu partido. 

sábado, maio 06, 2023

Um rapaz da minha idade


"É mais novo do que tu dez meses", dizia-me muitas vezes a minha mãe, quando notava que eu e o filho da rainha Isabel de Inglaterra tínhamos nascido no mesmo ano. Ao longo da vida, fui sempre olhando para o príncipe como um "rapaz" do meu tempo.

Com total franqueza, a figura do príncipe Carlos nunca me despertou grande simpatia. Achava-o "stiff", de sorriso plástico, hiper-snobe, com umas tiradas públicas algo pretensiosas e pouco inspiradas, mesmo quando se aventurou por algumas áreas temáticas, em que parecia querer ser original. Ao saber-se que falava com as árvores, deu, a muitos, a ideia de ser um tonto, como às vezes acontece com os rebentos reais. Mas não era assim. Revelou-se uma pessoa com alguma cultura e com louváveis preocupações sociais. Para mim, sempre pensei: que vida chata deve ser a deste tipo, cheio de obrigações e tão condicionado na parte lúdica da sua existência.

Um dia, Carlos apareceu casado com Diana. Desde o início, nunca me pareceram rimar bem um com o outro, mas achei que a pressão das conveniências acabaria por forçar um "modus vivendi". Depois, com imensa surpresa pública, surgiu o "affaire" com Camilla. Afinal o tipo é menos cinzento do que se julgava, lembro-me de ter pensado para mim mesmo. O resto é conhecido.

E lá chegou a rei. Fez bem a transição e mostrou ter "know how" para o desempenho formal da função. Teve, até ver, o bom senso de se resguardar de espalhar comentários que possam afetar a neutralidade de juízos que se espera de um rei britânico. Teve tempo para maturar o "script" que lhe está destinado e parece debitá-lo com profissionalismo - e, nisso, sendo o "benchmark" da mãe inatingível, tem ali uma referência única. 

Há 70 anos, no Teatro-Circo de Vila Real, vi um filme sobre a coroação de Isabel II, creio que alguns meses depois do evento. A cor era fraca e, talvez por ser um miúdo, e pequeno na estatura, fixei para sempre um pormenor: o uso, por algumas pessoas que estavam nos passeios, de uma caixa estreita e paralelipipédica, de cartão, com um espelho inclinado na base e outro idêntico no topo, que permitia, a que estava colocado por detrás, ver "do alto" o espetáculo da passagem da carruagem real. Só me lembro disto! Foi o que mais me impressionou, imaginem!

Amanhã, não vou poder ver em direto a coroação. Tenho mais que fazer, mas, à noite, vou puxar atrás na box, para apreciar um "digest", poupando-me, contudo, aos comentários dos "royal watchers". Afinal, não é todos os dias que chega a rei "um rapaz da minha idade". A quem, sinceramente, desejo sorte.

Lembrar ou informar

 


"A Arte da Guerra"


Nesta semana, "A Arte da Guerra", o podcast internacional do "Jornal Económico", uma conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, aborda a guerra na Ucrânia e os sinais de mediação para a paz, o papel da nova liderança das Filipinas na geopolítica dos EUA na Ásia-Pacífico e as atribulações de Macron, na decorrência do violento 1° de maio em França.

Pode ver aqui.

sexta-feira, maio 05, 2023

Hemisférios

Por amostra em menos de 24 horas, junto de amigos do "hemisfério" político do qual o presidente da República referiu ser originário, Marcelo Rebelo de Sousa recuperou bastantes pontos nesse setor. Nos tempos passados, era eu quem o defendia das ferozes críticas desse meio...

O truque

Um grande truque dos críticos do comportamento do primeiro-ministro nesta crise foi fingirem que achavam que o conceito de "deplorável" tinha sido por ele utilizado para se referir ao comportamento do ministro quando, como é óbvio, isso se aplicava ao comportamento do assessor.

Dúvida

Há uma dúvida que sempre tive: quando as oposições (sejam elas quais forem) clamam que o governo (seja ele qual for) deve ser remodelado, isso significa que, se acaso o primeiro-ministro (seja ele qual for) aceder a fazer essa pedida remodelação, as oposições passam a apoiar esse governo?

Marx


Faria hoje anos o velho barbudo de Trier. Às vezes, olhando os ciclistas da Uber, tenho-me perguntado sobre o que escreveria ele, num artigo na Gazeta Renana, a propósito deste novo proletariado. E sobre os trabalhadores dos "call center". E, claro, sobre a guerra na Ucrânia.

Posso dizer bem?


Dizer mal, neste país cada vez mais mal-disposto, é a regra do jogo. Dizer bem de alguém ou de qualquer coisa é, nos dias que correm, uma coisa quase suspeita. Pois eu, ontem, tive boas razões para elogiar um serviço. E quero que se saiba.

Sou sócio do Automóvel Clube de Portugal (ACP) desde, creio, 1977. Ao longo destes já muitos anos, a minha experiência com esta instituição foi, sempre e sem exceção, excelente. Bastantes anos houve em que, felizmente, não necessitei dos seus serviços. Mas, sempre que a eles fui forçado a recorrer, tudo correu invariavelmente muito bem.

Ontem à noite, à porta da Gulbenkian, o meu carro pifou. (Já estou a adivinhar o sorriso de alguns amigos, que se fartam de me dizer que teimar em conduzir um carro com mais de 17 anos e mais de 250 mil quilómetros é a receita óbvia para ter problemas). Chamei o serviço de assistência ACP. Chegou num tempo perfeitamente razoável. O técnico era educado, conhecedor e rapidamente detetou o problema. Era simples: bateria. Sabiam que os carros da ACP vêm equipados com um carregamento de baterias que se podem adquirir no local? Com rapidez e eficácia, o assunto ficou resolvido. Não paguei rigorosamente nada pelo serviço, da mesma maneira que, há uns meses, igualmente nada paguei por um reboque que tive de pedir, em outra circunstância, em que também fiquei apeado. (Também neste caso, o pobre do meu carro estava inocente, na sua vetustez: era um pneu rasgado).

Repito assim, com imenso gosto, esta singela publicidade: inscrevam-se como sócios do ACP!

quinta-feira, maio 04, 2023

O deve e o haver

Uma coisa devo começar por creditar, com toda a justiça, a Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo destes mais de sete anos: um responsável apego à estabilidade e a uma certa conceção do interesse do Estado. Foi isso que, aquando da sua reeleição, me levou a votar nele.

Uma coisa de há muito coloco a seu débito: uma exagerada propensão para, em cada momento, pretender representar, a partir de Belém, o que julga ler como o sentimento, médio ou maioritário, dos portugueses, atitude que configura uma espécie de "populismo do bem".

O presidente da República não é um barómetro ecoador da "vox populi". É alguém que, tendo de ter isso sempre em devida conta, tem a obrigação política de ajudar a orientar os portugueses a entenderem que a política é a arte do possível, através da intermediação que o lugar que ocupa lhe permite fazer, junto do governo e das forças políticas. A sua autoridade vem daí, não do facto de ser um mero refletor das sondagens. Como alguém dizia, as sondagens não vêm na Constituição e não têm uma dignidade formal na vida da República.

Pode entender-se o sentimento de desagrado do presidente perante o facto do primeiro-ministro não ter acolhido a sua sugestão sobre o futuro de um ministro. Até se pode perceber-se que, dessa forma, tivesse a intenção de proteger historicamente a instituição Presidência, na balança institucional de poderes. Mas parece algo inconforme com o sentido de Estado a que nos tinha habituado ter-se "vingado", da forma que o fez, tentando arrasar a credibilidade pública do governante, que vai ser o executante de políticas que ele sabe serem essenciais no quadro da ação imediata do Estado, adubando deliberadamente o ambiente negativo da comissão parlamentar de inquérito.

Cacha

Que pode o "Expresso" trazer de novo, oriundo da anónima "Deep Throat" de Belém (cuja identidade é um segredo quase tão bem guardado como a autoria do ataque ao Nordstream 2), que vá para além daquilo que o presidente nos disser às 20 horas (com "preview" a Costa às 18:30)?

Guerras

Constata-se que, em Portugal, são aceites como fonte de indisputada credibilidade os comunicados do "Institute for the Study of War", entidade americana, subsidiada por empresas de armamento, que regularmente mistura verdades e meias-verdades com clara e enviesada desinformação.

Que fazer?


Marcelo fala ao país às 20:00. Às 20:00 começa, impreterivelmente, o concerto na Fundação Gulbenkian. Como diria Lenine, que fazer?

Na Haia


Leio que o presidente da Ucrânia faz hoje uma visita à Haia, à sede do Tribunal Penal Internacional. E, a propósito, lembrei-me de uma cena passada há quase 20 anos, em Sarajevo, a martirizada capital da Bósnia-Herzegovina, num jantar social a que estava presente, como convidado, um membro do governo daquele país.

O equilíbrio político na Bósnia-Herzegovina, um país resultante da fragmentação da antiga Jugoslávia, é muito difícil, dado que do executivo fazem obrigatoriamente parte representantes de três diferentes etnias, com um complexo historial de conflito entre si: bósnios, croatas e sérvios. 

O jantar, num agradável espaço ao ar livre, tinha um caráter relativamente informal. Como não podia deixar de ser, a conversa cedo derivou para a política.

A certa altura, veio-me à memória que numa das minhas visitas a Sarajevo, nos anos 90, tinha conhecido Jadranko Prlic, um membro do governo da Bósnia-Herzegovina, pertencente à minoria croata. Era um homem agradável e cordial, com quem eu havia criado uma relação de simpatia, reforçada por contactos posteriores na Grécia, onde ambos tínhamos estado a convite pessoal de Georgios Papandreou, de quem éramos amigos comuns. Perguntei por esse antigo ministro da Bósnia-Herzegovina.

Notei que o nosso convidado, muçulmano, ficou um pouco embaraçado, mas respondeu:

- Está na Haia.

Uma pessoa presente ao jantar, menos dada a interpretar, com a rapidez da nossa profissão, este tipo de informações, perguntou:

- Como embaixador?

Não sei se fui eu que me adiantei ou se foi o ministro que esclareceu que "estar na Haia" significava estar detido sob ordem do Tribunal Penal Internacional, neste caso para a ex-Jugoslávia, que julga os crimes de guerra e que tem sede na capital dos Países Baixos.

Mudámos logo de conversa...

Vim mais tarde a saber que Jadranko Prlic acabou por ser condenado 25 anos de prisão.

Democracia

Há dias, recebi um convite para intervir num debate numa estrutura do PSD. No ano passado, fui falar à universidade de verão do Bloco de Esquerda. Não há muito tempo, fui convidado a palestrar numa instituição do CDS. 

Não sendo nenhum segredo o que politicamente penso e sendo bem patente, nomeadamente por este espaço, o modo como, de quando em quando, me não privo de zurzir as entidades partidárias que me convidaram, acho que só me posso regozijar pelo facto da tolerância democrática ser hoje uma magnífica realidade no nosso país, de que todos devemos estar orgulhosos.

Um pedido

Agora que Eça de Queiroz vai ser trasladado para o Panteão, será pedir demais que não se escreva que vai ser "transladado"? E, já agora, que todos os dignitários que por lá estão deixem de ser designados por "dignatários". Muito obrigado.

Protocolo

Se se confirmar que Jair Bolsonaro não vai poder viajar para Portugal, por ter o passaporte apreendido, Marcelo Rebelo de Sousa vai ficar feliz. É que muito dificilmente poderia recusar-se a recebê-lo em Belém, como antigo presidente brasileiro, se Bolsonaro o solicitasse.

quarta-feira, maio 03, 2023

Dilema

O dilema do presidente da República parece ser este: lançar ou não uma crise de instabilidade, com consequências imprevisíveis, através de uma eventual convocação de eleições, como resposta ao que parece considerar como um desafio aos seus poderes. Alguém que deu provas de prezar muito a estabilidade, mas que se sabe pretender estar sempre de bem com o "ar do tempo" que, a cada momento, prevalece na opinião pública, deve estar a hesitar bastante sobre o que fazer. Uma "birra" em torno da manutenção de um simples ministro valerá o risco de lançar uma faúlha na pradaria? Ou o que aconteceu configura, para ele, uma provocação que pode vir a afetar duradouramente o atual equilíbrio de poderes, criando uma "jurisprudência" desfavorável, no futuro, à própria instituição Presidência? Porque Marcelo Rebelo de Sousa é um imenso solitário nas suas decisões, dado que entende que tem um capital acumulado de experiência política superior a quem quer que seja (mesmo a António Costa), a sua decisão será sempre íntima. Seja ela qual for.

Na mouche!

Basta contabilizar o desagrado provocado pela decisão de António Costa na opinião televisiva, nos detratores tradicionais do governo, para se constatar quão certeira ela foi. Na mouche!

Feriado

Hoje é quase feriado para os comentadores da guerra.

Fogo à peça!

"E agora, rapazes, agarremo-nos à comissão parlamentar da TAP! E ao tal assessor, que é preciso transformar numa arma de arremesso, para evitar que o Costa possa continuar a cantar de galo. E continua a não se arranjar nada contra o Medina? Fogo à peça!"

terça-feira, maio 02, 2023

PSD

"O executivo mantém-se à deriva, sem liderança efetiva, com inegável falta de autoridade", diz um comunicado, de há pouco, do PSD. Não há quem perceba, no principal partido da oposição, que escrever isto, nestes termos, nesta noite, é uma incongruência face à perceção coletiva?

Conselho


Será que António Costa leu este livro de Balladur?

Eleições?

António Costa quer provocar eleições? Quem tem uma maioria absoluta quer eleições? Quando nenhuma sondagem - nem de longe! - aponta para a renovação dessa maioria, antes pelo contrário, passa pela cabeça de alguém (sensato) que Costa quer uma dissolução?

Isto!

António Costa demonstrou hoje a razão pela qual é, a longa distância, o político com mais estofo para desempenhar funções de natureza executiva em Portugal. Seria tão fácil ter cedido ao "ar do tempo"! Ao não fazê-lo, conforta quem o apoia. Como é o meu caso.

Dá tanto gozo!

É muito interessante ouvir o que dizem alguns comentadores sobre o governo: não estão contentes e pré-anunciam que tudo o que Costa vier a fazer não satisfará os seus desejos. Assumem as suas opiniões como sendo a "vontade do país". Dá tanto gozo ver a realidade a contrariá-los!

(Escrevi e publiquei isto mais de duas horas antes de António Costa recusar a demissão de João Galamba)

A TAP a voar

Os potenciais compradores da TAP devem estar a esfregar as mãos de contentes com o facto da Comissão de Inquérito já há muito ter deixado de ser sobre a indemnização a Alexandra Reis (lembram-se?) e ter passado a ser uma espécie de bar aberto para o "voyeurisme" público sobre tudo o que, de perto ou de longe, se ligue à companhia. Cada incidente que ali cai é mais um desconto na fatura final do encaixe de capital.

Guerras e guerrinhas

Nas nossas televisões, dando picos de audiência, a guerra é um tema incontornável. Há uma apetência provada do público pelos pormenores, pelos eventos do dia, pelos avanços e recuos, pelas vítimas. Seja em Bakhmut ou Kherson, seja em São Bento ou Belém. Guerra é guerra.

Ditos e não ditos

António Costa, em geral, não diz mais do que aquilo que quer dizer. Há pouco, à saída do aeroporto, disse o suficiente para se ficar a perceber que, se acha que parte do comportamento do ministro é bastante defensável, outra, mais adjetiva mas nem por isso menos relevante, não o é. Daí...

segunda-feira, maio 01, 2023

No Dia do Trabalhador


Este blogue começou no dia 2 de fevereiro de 2005. Aqui ficam as estatísticas, há pouco constatadas, sobre os números de seguidores, de posts publicados, de comentários e, o que será o mais significativo, de visitantes. 

"Ó Belinha! Anda cá!"


(...) "Fico muito grato pela sua confiança, mas, deve compreender, tenho ainda de falar com a minha mulher". "Claro. Mas pedia-lhe uma resposta muito rápida, pode ser?". "Com certeza!". "Ah! Mais uma questão: dê uma revisão cuidadosa   ao seu passado. Não pode haver nenhuns telhados de vidro". "Por aí, pode estar descansado". Vai ser assim.

O meu primeiro 1° de Maio


Vivi o meu primeiro “Primeiro de maio” na segunda metade dos anos 60. Em sítios esconsos da faculdade apareceram colados uns papéis acastanhados com a expressão “Todos ao Rossio no 1º de maio”, ou uma coisa assim. Creio que também havia a indicação de uma determinada hora. 

Com alguns amigos, muito por curiosidade, lá fui. Era um ambiente tenso, cheio de gente que se movia sem destino, olhando uns para os outros, alguns trocando sorrisos cúmplices. Vi-me a tentar perceber quem seriam os “pides” e os PSP à paisana, que sabíamos abundarem. 

Passaram uns bons minutos sobre a hora anunciada. De súbito, num dos cantos da praça, junto à estação, a caminho dos Restauradores, surgiu um burburinho qualquer, berros e gente a correr. Nos segundos seguintes, detrás no Teatro Nacional, saiu a polícia de choque, parte dela atrás da turbamulta que se agitara, a restante a “limpar” o largo de S. Domingos, em cuja esquina eu estava no momento. Do lado da “Casa da Sorte” criara-se uma outra onda de agitação, que caminhava na minha direção. 

A Ginjinha foi o meu local de refúgio. “Meu”? Devíamos ser aí uns vinte, alguns encavalitados sobre o mármore húmido do balcão, sem coragem de pedir “uma com elas”, porque agora é que iam ser “elas”! 

Por detrás do balcão, os da casa não ousavam exigir consumo mínimo, tentando olhar o largo por cima de nós… Por maior naturalidade que tentássemos dar ao nosso ar, estar ali era uma coisa estranha. De repente, sair da Ginjinha tornou-se imperativo. 

Num instante, vi-me separado dos meus amigos, empurrado a caminho da praça da Figueira. Tentei não correr. Não cheguei à praça. Um bando de PSP de bastão, plantado na estratégica esquina traseira da Suíça, não estimulava continuar por esse caminho. Pensei entrar no “Braz & Braz”, mas as portas tinham-se fechado. Voltar para trás era impensável, entrar na ruela à esquerda, a caminho do Hotel Mundial, era arriscado. Por alguma razão essa artéria estava deserta. 

Olhei à volta. O largo de S. Domingos estava pejado de uma boa dezena de polícias. Que podia fazer? Vi uma porta aberta, entrei num prédio e comecei a subir a escada, embora com a angustiante sensação de que estava a ficar cada vez mais encurralado. Ainda me perguntei: “Mas que tenho eu a temer? Não faço parte de nenhum grupo político, não tenho comigo mais do que uma pasta com sebentas”. Mas logo me dei conta de que a racionalidade da situação era de difícil perceção por parte de um cívico de bastão de borracha preto com que viesse a cruzar-me. 

No primeiro andar, ao cimo da escada, abriu-se uma porta. Tive um baque. Era um homem dos seus cinquenta anos (provavelmente era mais novo, mas para mim tinha já alguma idade), com ar de escriturário ou coisa parecida. Ao olhar a ansiedade da minha cara, deve ter percebido tudo. “Venha para aqui. Deixe passar algum tempo. Isto depois acalma”, disse, sem um sorriso, com um olhar neutro. Entrei, grato. 

Era um escritório, creio que de um despachante, mas já não estou seguro. Ainda devo ter balbuciado algumas palavras, mas rapidamente me dei conta de que o ambiente não estava para grandes conversas. Alguns iam, de quando em vez, por um corredor longo, até à janela num compartimento que dava para o Rossio. Achei que o meu estatuto de “asilado” não me dava o direito a partilhar esse “voyeurisme”, pelo que me mantive sentado na cadeira que me tinham oferecido (nos dias de hoje, estaria a consultar o iPhone, pela certa). 

Não sei quanto tempo passou, pareceu-me muito, mas deve ter sido pouco mais de um quarto de hora. O meu hospedeiro, que manifestamente tinha um ascendente na sala, a qual, aliás, dava ares de estar prestes a encerrar, disse-me, a certa altura: “Acho que já pode ir. As coisas acalmaram”. Agradeci e vi os outros ocupantes do escritório olharem para mim, com o que me pareceu ser uma completa indiferença. Ou seria outra coisa, não sei. Não houve sequer um sorriso, embora eu quisesse crer que era uma silenciosa cumplicidade. Porventura triste e resignada. 

A rua, de facto, estava livre. Já só se viam uns PSP em farda normal, de cor cinza. Cheguei ao Martim Moniz onde apanhei o elétrico até ao Chile e, depois, o “dez” para os Olivais. Terei contado a “aventura” em casa? Não sei. Tinha vindo para Lisboa para estudar, não para estas guerras.

(Hoje, apeteceu-me publicar aqui um texto que, há dois anos, editei em "A Mensagem de Lisboa")

O cheiro


Parece que a Ovibeja anda na moda. Ao que li, este ano, o governo não foi convidado para lá ir. A CAP, que parece que não gosta da ministra da Agricultura, terá deixado entender que a senhora não seria bem vinda. No entanto, como a CAP acha que aposta no futuro, entendeu por bem convidar o líder da oposição. Não, não convidou André Ventura, optou pelo "next best", por Luís Montenegro. Ah! E o presidente da República também lá esteve.

Sou pouco dado a cenas rurais, mas, imaginem!, até eu já fui à Ovibeja. É verdade. Há um quarto de século. Tinha estado numa visita oficial à Polónia, a acompanhar António Guterres, e, no regresso, ele disse-me: "Não vamos diretos para o  aeroporto de Figo Maduro. Antes, você vai ter que ir comigo à Ovibeja". 

E o Falcon, em que vínhamos de Varsóvia, lá foi aterrar ao famoso aeroporto de Beja. (A vida é estranha em coincidências: há quatro dias, também num voo que não era de carreira comercial, também vim de Varsóvia, mas para o aeroporto de Tires). Passei assim a fazer parte da restrita lista de pessoas que alguma vez na vida aterrou no aeroporto de Beja. Não guardei o diploma.

À chegada a Beja, esperava-nos o então ministro da Agricultura, Fernando Gomes da Silva. A CAP gostava tanto de Gomes da Silva como gosta da atual ministra. Isto é, muito pouco. E lá fomos os três para a Ovibeja. Aquela visita ficou-me na memória olfativa e auditiva. 

Olfativa porque uma feira de gado é um inigualável deslumbre para as pupilas. Entre bois, vacas, cabras, cavalos e porcos, pelo menos, venha o diabo e escolha o cheiro. Mas aquela foi também uma feira auditiva, porque, para além dos óbvios grunhidos que compõem o som ambiente, teve lugar, a certo passo, uma pequena cerimónia onde António Guterres e o então líder da CAP tomaram a palavra. Nesse momento formal, num palanque, fiquei colocado entre o agricultor-mor de serviço e o Fernando Gomes da Silva. 

Enquanto o homem da CAP se queixava ao primeiro-ministro, com palavras fortes, da ação do Ministério da Agricultura, Gomes da Silva (lembras-te, Fernando?) emitia, ao meu ouvido, sonoras imprecações, reagindo às críticas, às quais, contudo, não ia poder responder. Como a sua voz está muito longe de ser inaudível, fiquei com a nítida sensação de que o líder da lavoura devia estar a tomar nota daqueles pesados comentários. Eu, colocado no meio geográfico do potencial dissídio físico, cheguei a temer o pior.

Já bem ao final da noite, quando, finalmente, conseguimos chegar a Lisboa, e ainda antes de ir para casa, decidi ir beber um copo ao Procópio. Sentei-me na "Dois" e o Nuno (Brederode dos Santos) logo reagiu: "Estás a cheirar a qualquer coisa esquisita!". Expliquei que tinha estado numa feira de pecuária e que devia ser um odor a gado. Ele simplificou: "A mim cheira-me a merda, desculpa lá!"

25 anos depois, o Nuno continua a ter razão. A mim também me cheira.

Isto é verdade?