sexta-feira, julho 22, 2022

“A Arte da Guerra”


O podcast semanal “A Arte da Guerra”, uma conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, para o “Jornal Económico”, regressou de três semanas de férias. Nesta edição, falamos da guerra na Ucrânia, da viagem de Joe Biden ao Médio Oriente e da sucessão de Boris Johnson na chefia do governo britânico.

Pode ver clicando aqui.

quinta-feira, julho 21, 2022

A legitimidade política na Europa


Há semanas, assistiu-se a uma romaria das principais lideranças europeias a Kiev. Ainda a montante do segredo de Polichinelo que ia ser a luz verde da Comissão Europeia à admissão do pedido de adesão da Ucrânia à União, as chefias políticas das três mais importantes economias europeias, membros do G7 - França, Alemanha e Itália - quiseram dar um sinal político positivo ao governo de Kiev.

Estava ali uma nova “troika” de poder? Ou tratou-se de um mero seguidismo impotente, face à anterior afirmação de presença da presidente da Comissão Europeia?

Em Kiev, Macron, Scholz e Draghi, antecipando com algum desplante a decisão que aos seus parceiros competia darem no Conselho Europeu, foram dizer à liderança ucraniana que a União entendia que aceitar que, formalmente, o pedido de Kiev constituía para eles um imperativo político.

Mas quem é que estava ali a falar em nome da União? Três países que, nos meses anteriores, também já muito afetados pelos efeitos de reversão das sanções impostas à Rússia, haviam visto as suas economias sob forte pressão, com consequências sociais não despiciendas para a autoridade política das respetivas lideranças.

Macron tinha acabado de perder, no parlamento, a vitória no Eliseu, tendo agora perante si uma penosa navegação à vista. Scholz chefia uma coligação que ainda não deu mostras de ele próprio conseguir liderar, numa Alemanha abalada por uma imposta mas corajosa mudança de rumo, embora com contornos ainda não estabilizados. Draghi, cujo futuro político não é claro no momento em que escrevo, revelou, se necessário fosse, a precariedade de um sistema político em que o caráter cíclico das crises parece fazer parte da respetiva matriz. Os titulares dos três mais importantes poderes europeus, num tempo excecional de crise, são, eles mesmos, afetados por fragilidades que limitam a afirmação do seu poder.

Alguns dirão: mas, nesse cenário, a líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deu mostras de afirmar uma chefia da máquina da União que compensa a fragilidade dos Estados.

Nem sempre o que parece é, mesmo em política. A coreografia voluntarista da presidente da Comissão, por muito que possa fazer transparecer força, será sempre um gigante com pés de barro se não tiver por detrás a vontade política constante do Conselho de Ministros, onde se sentam os Estados, cujos governos respondem perante os eleitores.

São esses governos que vão ter de convencer quem neles vota de que conseguem pôr em prática medidas efetivas para combater a carestia de vida, de que as sanções à Rússia fazem parte de uma política “do bem”, que está em sintonia com os seus interesses estratégicos últimos, de que o custo das restrições energéticas é o preço justo a pagar pela libertação de uma dependência nefasta. E que a União, tal como fez durante a pandemia, é o espaço certo para a procura de soluções que vão para além das capacidades dos Estados membros.

A presidente da Comissão Europeia, salvo coisas imponderáveis, não cairá pelo voto democrático do Parlamento Europeu, instituição que, ela própria, vive no conforto de nunca poder ser dissolvida, pelos seus cinco anos de mandato.

Pelo contrário, os titulares dos governos europeus representam o sentimento de quem elegeu os seus parlamentos, em tempos diferentes, com resultados diversos e até contrastantes, estão sujeitos a uma “accountability” poderosa, respondem a quem paga os seus impostos. Não há comparação possível em termos de legitimidade - conceito que está muito para além da eficácia, ao contrário do que sucede nas autocracias.

A Europa não é nem será nunca um país, não terá um governo que responda diretamente perante os eleitores. O Parlamento Europeu tem uma legitimidade limitada, tal como a Comissão. A União é, a cada momento, a conjugação das vontades nacionais que nela decantam a determinação de prosseguir num determinado rumo. Ou de o alterar.

A Comissão Europeia não pode ter uma vontade política própria, independente do sentimento que o Conselho lhe transmitir como sendo a linha a prosseguir. Tendo o poder de iniciativa, não tem legitimidade para impor esse poder os Estados membros.

As coisas não deviam ser assim? Não sei, nem isso importa muito, salvo para os teóricos, a quem deve ser lembrado que, na prática, a teoria é sempre outra. Só sei que as coisas são assim, goste-se ou não de como são.

Esta é a Europa que temos e, olhando para o resto do mundo, com todas as suas insuficiências, não conheço melhor sistema de gestão internacional de vontades, sob um corpo ético-político que pede meças a quem quer que seja.

quarta-feira, julho 20, 2022

De Vila Real


Hoje de manhã, olhei a data, 20 de julho, e fiquei com a sensação de que ela me dizia qualquer coisa. Como nada me ocorreu, pus a ideia à conta do “déjà vu” que a idade sempre promove. Agora, leio que este é o dia de Vila Real.

Comemoram-se hoje 97 anos desde que Vila Real, no republicano ano de 1925, ascendeu de vila a cidade - a localidade tinha tido um foral concedido por dom Dinis, séculos antes.

Vai para um ano, sob o patrocínio da Biblioteca Municipal de Vila Real, publiquei por lá, em livro, um conjunto de textos em que a cidade de era uma referência praticamente comum a todos eles. Em certa medida, eu fazia, com o livro, uma subliminar homenagem à terra onde nasci.

Vivi, continuamente, em Vila Real, até 1966. Desde então, habitei em nove cidades, sendo que Lisboa é, em definitivo, a minha terra adotiva. E Viana do Castelo, onde não vivi mas onde passei inolvidáveis férias, é a minha terra afetiva. E o Porto é uma cidade onde me sinto em casa. Com tantas terras na minha vida, quase sou forçado a concluir que acabo por não ter terra nenhuma. Mas isso não é verdade.

Vila Real é a minha terra. Ando por aquelas ruas, nos dias de hoje, e sinto que as conheço quase a palmo, que tenho episódios passados de cada rua e cada esquina, em que quase todas as personagens dessas histórias há muito que já saíram de cena. Melhor: que praticamente ninguém conhece.

Se acaso hoje cruzo, nas ruas de Vila Real, alguém com cabelos brancos, olho sempre essa pessoa com uma esperança, muitas vezes vã, de poder ter com ela uma cumplicidade geracional. Há meses, um homem já “com uma certa idade” (para mim, expressão que significa com mais de 60 anos), à saída de uma loja, fitou-me, passou por mim, voltou atrás e disse-me: “Eu conheço-o!” Eu não o conhecia. Sorri, meio embaraçado. “Já sei! Vi-o há dias! Foi na CNN, não foi?”.

Espero bem que essa pessoa não esteja a ler este texto. É que, na ocasião, fiquei imensamente desapontado. Pensei que, estando na minha terra, me ia dizer: “É Fulano, não é? É primo de Sicrano, não é? Vi-o há tempos na Gomes (ou no Lameirão ou na Rua Direita ou na Tosta Fina)”. É que ter-me visto “na CNN” podia ter acontecido a alguém em Reguengos de Monsaraz ou em São Brás de Alportel ou em Manteigas. Não teve a menor graça isso ocorrer na minha cidade natal.

“A culpa é tua: devias vir mais vezes à Bila (lê-se por lá assim, à galega)”, dizem-me alguns amigos por lá. Se calhar devia, mas tenho a desculpa de que a vida que tenho não o permite. “Tens essa vida porque queres! Devias era reformar-te e vir viver para cá! Tens casa, não tens?” Tenho e talvez devesse ir, mas não vou. Somos assim, teimosos, os vila-realenses.

10 restaurantes de Lisboa que recomendo: Geographia


O “Geographia” é, dos restaurantes “íveis” (isto é, restaurantes a que se pode ir), o que fica situado mais próximo do local onde vivo. Onde fica? Basta dizer que, da porta do restaurante, se vê a parede lateral do Museu Nacional de Arte Antiga. 

Conheci a casa numa outra encarnação, bastante mais simples. De um sítio singelo (em linguagem de fado) de bairro, com o dono a conhecer pelo nome os clientes, o “Geographia” nasceu um dia, já há alguns anos, com mais ambições e sob um conceito (diz-se assim, não é?) diferente. 

O tal “conceito” foi reproduzir, na oferta apresentada, pratos com reminiscências dos locais por onde os portugueses andaram. (Uma excelente ideia, quanto mais não seja para excitar o de insalubre debate sobre a ”apropriação cultural”). Estas “propostas” (também se usa, não é?) de fusão são feitas com inteligência e muito bom gosto (o bom gosto tem no gosto a sua melhor expressão), sabendo ser criativas, mas nunca entrando pela irresponsabilidade, nesta combinação de sabores.

Os puristas de comida africana, indiana ou brasileira devem ficar um tanto espantados. Eu, que sou tributário de uma herança culinária de simplória mas sólida cozinha portuguesa, sinto-me lindamente com as ousadias praticadas pelo “Geographia “. O que, para muitos, será talvez uma prova indireta de que a ousadia, por ali, não é assim tão ousada como isso.

O espaço não é deslumbrante, mas a decoração é de bom gosto. Uma insonorização mais ficaz apuraria o conforto. O pessoal (diz-se colaboradores, não é) é que, infelizmente (mas isto parece ser pecha do setor), vai e vem. É sempre gente que se percebe ter sido instruída para ser simpática, o que normalmente conseguem ser, mas, em matéria de serviço, há muito concluí que a simpatia está longe de resolver tudo. Também um pouco mais de ambição na variedade de vinhos seria desejável e, em dias de enchente, seria também muito importante não deixar acabar cedo os pratos mais icónicos (esta expressão também se usa muito, não é!) da casa.

Com as críticas atrás feitas, eu recomendo o “Geographia”? Claro que sim! Um local onde nunca comi um prato mal confecionado, com pessoal amável embora muitas vezes inexperiente, com uma cozinha que sai da vulgaridade e ousa a criatividade com bom senso e bom gosto, merece que o apoiemos. E o preço não irrita, o que ajuda. Eu sou cliente e eles já sabem: quando algo me desagrada, digo-lhes. Logo.

Se for de carro, prepare-se para andar às voltas. As reservas são essenciais, pelo 213 960 036. 

(Dou conta, com tristeza, que não consegui utilizar no texto bordões modernaços como “incontornável”, “alavancar” e “viral”. Já o ”diversas geografias” foi dispensável, dado o nome da casa).

A tacada nórdica


A cidade era esta: Ålesund. Lindíssima, não é? Foram os noruegueses a escolherem-na para a realização da “comissão mista” entre Portugal e a Noruega, naquele ano de 1980, atenta a memória do bacalhau. Nessa ocasião, seria impossível tirar uma fotografia com esta luminosidade: estávamos numa época em que alguma claridade permanecia sempre, nas 24 horas do dia.

Eu estava então acreditado como ”primeiro secretário” da nossa embaixada em Oslo. Éramos ali só dois diplomatas: o embaixador, Cabrita Matias, e eu. E, claro, cabia-me a logística da ”comissão mista”, em ligação com os noruegueses.

Por razões que para aqui não interessam, a cooperação luso-norueguesa escapara, desde sempre, ao controlo do Ministério dos Negócios Estrangeiros: estava na mão das Finanças. Por isso, nesse ano, presidia à nossa delegação o ministro das Finanças do governo da AD, uma figura que, cinco anos antes, por coincidência, me tinha feito o exame de Economia Internacional, no meu acesso à carreira diplomática. Chamava-se Aníbal Cavaco Silva.

No ano anterior, eu já tinha estado em Ålesund, a tratar de um problema de pescas. Conheci então o nosso cônsul honorário, Bjørn Knutsen, um norueguês que eu tinha na memória como pessoa já idosa (afinal, constato, tinha então menos de 60 anos), casado com uma senhora seca de carnes, com quem eu só trocava amáveis sorrisos, por não a entender na sua única língua de comunicação. Knutsen, um homem simpático que se exprimia num inglês com um léxico muito limitado, era, creio, um comerciante local, como quase sempre acontecia com os oito cônsules honorários que Portugal tinha então no país, uma rede que me cabia coordenar, como chefe da Secção Consular em Oslo.

Bjørn Knutsen, que herdara o cargo do seu pai, como às vezes acontece com os cônsules honorários, tinha uma forte dedicação ao nosso país e dispunha de evidente prestígio local, o que havia sido de utilidade durante a minha anterior visita de trabalho, razão pela qual fiz questão de lhe dar todo o destaque possível na deslocação do nosso ministro. Havia-me feito um pedido: gostava que Cavaco Silva a sua mulher, com o embaixador, a minha mulher e eu, fôssemos almoçar a sua casa. Havia um “slot” durante o programa, o jovem ministro era uma pessoa que, à época, se revelou flexível, o embaixador deu-me carta branca para organizar o almoço e eu montei a “operação”.

Era uma belíssima e acolhedora casa antiga, com paredes de madeira, em que recordo uma imensa pele de um urso branco, numa parede da sala de estar. Na véspera, o penoso jantar oficial havia sido bacalhau fesco, servido em duas rodadas, exatamente idênticas, com surpreendente mudança total de pratos e talheres. Dessa vez, em casa do nosso cônsul, o almoço foi uma bela rena, creio que acompanhado de um “Porta de Cavaleiros”, uma da poucas marcas de vinho português então à venda no Vinmonopolet, única cadeia oficial onde, em todo o país, estavam à venda vinhos e “spirits”. Foi uma ocasião tão descontraída quanto a interlocução linguística comum permitiu, com o embaixador Cabrita Matias, ao que recordo, a fazer o essencial da despesa da conversa.

Acabada a refeição, o dono da casa desafiou o ministro para uma curta partida de bilhar livre, numa sala ao lado. Porque o espaço não era muito, havia, recordo, uns tacos mais pequenos, para operar em certas posições. Cavaco jogava bem, mas o dono da casa, sem surpresa, foi mais eficaz no jogo. E fomos à vida.

No dia seguinte, à despedida, no pequeno aeroporto de Ålesund, à nossa partida para Oslo, notei Bjørn Knutsen algo agitado. A certa altura, chamou-me à parte: “Estou desolado! Ontem, devia ter deixado o ministro ganhar. A minha mulher está furiosa comigo! Diz que fui de uma grande indelicadeza e que posso vir a ser culpado por uma eventual má impressão que ele leve dos noruegueses e da Noruega”. Sosseguei-o, claro. Eram assim, sempre patrioticamente preocupados com a imagem seu país perante os estrangeiros, os noruegueses que por lá conheci.

Esta bela fotografia de Ålesund, que há horas surgiu nas redes sociais, trouxe-me à memória esta história. E que dá para ilustrar, já agora, uma das poucas derrotas de Cavaco Silva.

terça-feira, julho 19, 2022

Maria de Lurdes Modesto


Morreu Maria de Lurdes Modesto, personalidade com uma imensa importância na divulgação e promoção da culinária portuguesa. 

Figura muito popular no país, desde que, em 1958, e por 12 anos, surgiu nas imagens da RTP (deixo uma imagem desse tempo), num programa onde, em direto, ia apresentando os pratos mais tradicionais da nossa culinária, viria a ser autora de importantes trabalhos de recolha do receituário clássico nacional.

A Academia Portuguesa de Gastronomia criou, já há vários anos, o Prémio Maria de Lurdes Modesto, galardão anual atribuído a um restaurante português que se destaque pela preservação da nossa cozinha tradicional, cujo júri tenho o gosto de integrar.

10 restaurantes de Lisboa que recomendo: Solar dos Duques


Quando, há pouco mais de seis anos, a Petra e o Robert tomaram conta do Solar dos Duques tenho a sensação de que alguns membros da comunidade tradicional de clientes se interrogaram sobre se o restaurante, que já era visto como um clássico, pelos padrões de Campo de Ourique, não iria ser descaraterizado.

Muitos conheciam a Petra do vizinho “Stop do Bairro” - embora eu assuma que, contrariamente a muitos amigos, nunca consegui ser um fã daquela casa. Mas uma mudança, num restaurante, nunca é sossegante. Há um forte conservadorismo nas clientelas, que as leva, em regra, a serem avessas a quebras das suas rotinas gustativas: se se vai com regularidade a uma casa é porque gostamos do que nos servem por lá, pelo que a chegada de uma nova gerência é sempre recebida com alguma dúvida.

A Petra e o Robert provaram, em pouco tempo, que as inquietações dos clientes do Solar não tinham razão de ser. Com inteligência e sensibilidade comercial, mantiveram o essencial da oferta gastronómica anterior, com escassas adaptações, pelo que rapidamente aquietaram as (também minhas, confesso) preocupações.

O Solar dos Duques mantem-se, nos dias de hoje, como uma casa sólida e com uma qualidade constante, graças a uma estabilidade na cozinha que a isso tem ajudado, embora com cíclicas flutuações no serviço de sala que os proprietários procuram colmatar. 

A pandemia constituiu um abalo forte para o Solar, que esteve fechado por muito tempo, não recorrendo ao “take away”. Recordo-me de por lá ter ido, após a reabertura, em dias difíceis e quase desalentadores. Mas a Petra e o Robert conseguiram, com o seu profissionalismo e determinação, dar a volta à crise, saindo dela sem recurso a um aumento especulativo dos preços. 

Para quem não conhece o Solar dos Duques, direi que se trata de um simpático restaurante burguês (é um conceito que prezo), que trabalha com produtos de qualidade, dispondo de um espaço agradável, com um bom ambiente, uma lista equilibrada e uma oferta de vinhos razoável, a preços aceitáveis, ainda que passível de alguma afinação na diversidade. 

Três notas finais. A primeira para dizer que estacionar em Campo de Ourique “é obra”, salvo no parque junto à igreja, que não fica longe. A segunda é que convém reservar sempre (213 872 674), porque há dias de enchente. A terceira é que não se deve confundir, como muita gente faz, o Solar dos Duques, que fica em Campo de Ourique, com o Solar dos Nunes, em Santo Amaro, aliás, uma casa também estimável.

O Solar dos Duques continua a ser uma das minhas “cantinas” regulares em Lisboa.

Notícias de Kiev

As crescentes purgas no aparelho institucional da Ucrânia podem revelar uma diluição da unanimidade em torno da linha titulada por Zelensky, em face do custo humano e material da guerra, com alguns setores a preconizarem soluções diversas para uma saída do conflito.

Ai Brasil!

É muito estranha a convocação dos embaixadores estrangeiros pelo presidente Bolsonaro, lançando descrédito sobre o sistema eleitoral através do qual ele próprio chegou ao poder e em aberto desrespeito pela autonomia dos órgãos do Estado. A democracia brasileira não merece isto.

segunda-feira, julho 18, 2022

Conversa verdadeira (2)

- … e só faço férias em lugares sustentáveis!

- Não te sabia tão preocupado com o ambiente! 

- Com o ambiente? Só vou é para sítios onde me consiga sustentar com o dinheiro que tenho!

Conversa verdadeira (1)

- Até quando é que vais ficar no Algarve, com a família?

- Até cinco mil euros…

Dito isto...

Antes de ir desta para melhor, vou dar com a língua nos dentes e lavar roupa suja. Com a faca e o queijo na mão, com uma perna às costas e de olhos fechados, vou sacudir a água do capote. Ainda tirei o cavalinho da chuva, tentei riscar este assunto do mapa, mas eu sou uma troca tintas, uma vira-casacas e vou voltar à vaca fria. Andava eu a brincar aqui com os meus botões, a chorar sobre o leite derramado, com bicho carpinteiro e macaquinhos na cabeça, quando decidi procurar uma agulha no palheiro. Eu sei, eu não bato bem da bola, mas sentia-me pior que uma lesma e tinha uma pedra no sapato. O problema é que andava a bater com a cabeça nas paredes há algum tempo, com um aperto no coração e uma enorme vontade de arrancar cabelos. Passei muitos dias com cara de caso e com a cabeça nas nuvens como uma barata tonta. Mas eu, que sou armada até aos dentes, arregacei as mangas e procurei o arquivo a eito. Acontece que uma vez em conversa com um amigo ele disse-me «Tiras-me do sério» e eu, sem papas na língua, respondi «Se te tiro do sério, deixo-te a rir, é isso?». Ele, de trombas e com os azeites, gritou em plenos pulmões «Esquece Mafalda, escreves belissimamente mas não conheces nem 1/4 das expressões portuguesas.» Só faltou trepar paredes. É preciso ter lata! O primeiro milho é dos pardais. Primeiro pensei ter posto a pata na poça, depois achei que ele tinha acordado com os pés de fora e que estava a fazer uma tempestade num copo d´água e trinta por uma linha. Fiz vista grossa, mas depressa disse: Ó tio! Ó tio! Abri-lhe o coração, o jogo e os olhos na esperança de acertar agulhas e pôr os pontos nos is. Não lhe ia prometer mundos e fundos nem pregar uma peta, eu estava mesmo a brincar. Era um trocadilho. Pão, pão, queijo, queijo. Rebeubéu, pardais ao ninho, fiquei com os pés para a cova, só me apeteceu pendurar as botas e mandá-lo pentear macacos, dar uma volta ao bilhar grande ou chatear o Camões. Que balde de água fria! Caraças, levei a peito, aquela resposta era tão sem pés nem cabeça que fui aos arames. Eu sei que dou muitas calinadas, meto os pés pelas mãos e faço tudo à balda. Posso até ser uma cabeça de alho chocho e andar sempre com a cabeça nas nuvens mas não ia meter o rabo entre as pernas nem que a vaca tossisse. Pus a cabeça em água e fiquei a pensar na morte da bezerra. Caí das nuvens e com paninhos quentes passei a conversa a pente fino, não fosse bater as botas. Percebi que ele tinha trocado alhos por bugalhos, apeteceu-me cortar-lhe as vazas, mas estava de mãos atadas e baixei a bola. Engoli o sapo, agarrei com unhas e dentes, dei o braço a torcer e dei-lhe troco com o intuito de descalçar a bota. Não gosto muito do vira o disco e toca o mesmo, mas isto já são muitos anos a virar frangos e pus as barbas de molho. Uma mão lava à outra e as duas lavam as orelhas, mas ele está-se nas tintas, à sombra da bananeira. Não deu uma mãozinha nem se deixou comprar gato por lebre. Ficou com a pulga atrás da orelha, pôs-se a pau antes de estar feito ao bife. Pus mãos à obra, tentei fazer um negócio da China e bati na mesma tecla. Dados lançados, cartas na mesa, coisas do arco da velha. Claro que dei com o nariz na porta, o gato comeu-lhe e língua e saiu com pés de lã. Água pela barba! Devia aproveitar a boleia antes de ficar para tia de pedra e cal onde Judas perdeu as botas. É que isto pode estar giro e estar fixe, mas não me apetece segurar a vela com dor de corno e dor de cotovelo só porque não conheço 1/4 das expressões portuguesas.”

(Escrito por Mafalda Saraiva. Reproduzido com a devida vénia)

10 restaurantes de Lisboa que recomendo: Raposo


Sei muito pouco do restaurante de que hoje falo. Não faço ideia de quando nasceu, não sou amigo dos donos, nem outras coisas que criam intimidade com o lugar e nos ajudam a escrever sobre ele.

Nasci para este restaurante há já uns bons anos, fruto de um convite de um primo que sabe da poda e não mora longe. Desde esse longínquo jantar (a “tertúlia dos primos”, uma das minhas favoritas, amesenda ali muitas vezes), fiquei com o Raposo no radar.

O Raposo fica no 58 da rua Passos Manuel, uma artéria que desemboca no Jardim Constantino e na Pascoal de Melo, que liga a Almirante Reis à Estefânea. Antes, apenas me lembro de ir por ali à Assírio & Alvim e a um clássico chamado Vaskus, um restaurante que, há muitos anos, chegou a estar na moda (passei lá há meses, já depois de reabilitado: estava apenas “assim-assim”).

O exterior do Raposo sofreu, há tempos, um toque de elegante modernidade europeizante. No interior, a decoração é mais despretensiosa, com as clássicas garrafas no balcão (que sempre passo em revista). O serviço é simpático, sem ser mesureiro, o ambiente é solto, bem disposto.

Sinto que estão a desaparecer os restaurantes do género do Raposo. E qual é o “género” do Raposo? Ora bem, são restaurantes populares “ma non troppo”, de sólida cozinha portuguesa, com qualidade e generosas quantidades, com uma oferta de pratos não exagerada, lista de vinhos competente e gente para nos aconselhar coisas novas no meio dela. E com preços razoáveis e não especulativos.

Contrariamente a muitas outras casas do género, no Raposo não nos sentimos num restaurante já “cansado”, com pessoal antigo mas displicente, com notas de regular desatenção culinária, como se já não valesse a pena fazer um esforço de brio. No Raposo (que eu tivesse dado conta!) não se pratica o erro mais comodista da mediocridade restaurativa lusitana: servir pratos diferentes com exatamente o mesmo acompanhamento. Ah! E os guardanapos são de pano, imaculados (guardanapos de papel excluem-me, em regra, do futuro de um qualquer restaurante que pretenda ser mais do que uma tasca).

O Raposo parece ter uma clientela fiel, feita de pessoas que ali sabem bem ao que vão e o que querem.. Se acaso levarem carro (aviso: continuarei a cometer sempre esse erro, para todo o lado onde vá, e prometo nunca me corrigir), preparem-se para dar algumas voltas “ao bilhar grande”. Reservem mesa (213 531 059), porque, com alguns bloguistas linguareiros a gabar o local, aquilo está muitas vezes cheio. Mas o Raposo é ainda, nos dias de hoje, um segredo bem guardado.

Uma curiosidade: o Raposo está situado naquele que é o maior quarteirão de Lisboa! Façam a experiência, vão por mim!

Em Trás-os-Montes…

 


… ninguém se perde!

domingo, julho 17, 2022

10 restaurantes de Lisboa que recomendo: Clube dos Jornalistas


Foi-se a Gôndola, apagou-se o Trinta e Três, já há muito tinha desaparecido o Antigo Retiro do Quebra-Bilhas. Outros lugares ao ar livre, às vezes com uma parreirinha (no Rato, no Campo Pequeno, na Luneta dos Quartéis), ousaram contrariar uma Lisboa que, por muitos anos, parecia amedrontada em comer sob o céu.

Há já muitos anos, no 129 da rua das Trinas, já perto da rua da Lapa, numa antiga escola primária, vi aparecer o restaurante Clube dos Jornalistas, onde o dito clube parece ter sede. Tem uma zona interior simpática mas tem, essencialmente, um fabuloso jardim nas traseiras. Por lá comemorei, em grupo, décadas de entrada para o MNE, por lá estive num casamento.

A casa teve vários tempos. Esteve muito na moda, tinha um cozinheiro creio que basco, depois passou por um período menos feliz, em que, em idas por lá (sou vizinho, a “walking distance”), dei por mim a recordar esses outros tempos melhores e a prometer não voltar. Mais recentemente, já há uns anos (estas minhas notas são impressionistas, socorro-me da memória, não “checko” nada), a qualidade do restaurante ficou bastante mais sustentada. Há uns pratos clássicos, com algum sentido de invenção, os vinhos têm escolhas pouco comuns (teve mesmo uns, cujo nome era um algarismo, que eram muito bons) e o serviço, algo “casual” contemporâneo (mas nada do “casual arrogant” que anda por aí à solta), é simpático e atento.

Há uma semana, organizei por lá uma festa de aniversário de uma pessoa e tudo correu muito bem. Disse-o, com gosto, à Luísa, que gere, com muita eficácia, o estabelecimento. Preço? Já foi mais barato, mas não acho caro. E é bom, agradável e tem aquele jardim!

Ah! E o Clube dos Jornalistas está aberto aos domingos, mesmo para jantar! Nesta época do ano, não vá sem reservar (213 977 138). Pode tentar levar carro, mas a zona não é muito dada a surgirem vagas para estacionar.

Ai as fardas!

Já se terá esvaído o odor de santidade que, por muito tempo, rodeou um senhor que ficará na história da logística nacional por ter distribuído bem umas vacinas. O facto do senhor sugerir agora que está apto para ascender a Belém é a prova provada de que ele “não se enxerga”.

Para “palermers”

O surgimento da categoria dos "influencers" é um retrato revelador do mundo de vontades condicionadas que anda pelas redes sociais. Mas nada tenho contra essas pessoas, que souberam descobrir o seu nicho de mercado, cavalgando a fragilidade alheia.

sábado, julho 16, 2022

10 restaurantes de Lisboa que recomendo: Jockey


Para quem não conhecer o local, lá chegar pode ser uma espécie de aventura (talvez com GPS seja fácil). O Jockey é um restaurante que fica no meio do hipódromo do Campo Grande. Entra-se pelo topo norte da avenida que passa em frente à cantina e por detrás da reitoria da universidade de Lisboa. É essencial reservar (217 957 521). Dizemos ao que vamos numa cancela e procuramos o local. Há que ter cuidado onde se estaciona, porque as vagas, por ali, são como agulhas num palheiro - e ali há muita palha! Pelo caminho, não se admire se, às vezes, se cruzar com uma fauna de nariz arrebitado, a armar ao fino e a bater o tacão, claramente indisposta por interrompermos a exclusividade do seu lazer equino.

A sala é interessante, com uma espécie de reservados em modelo de “cavalariças”, onde se acomodam os grupos. No bom tempo, o restaurante abre-se para um amplo e belo espaço exterior. Come-se bastante bem, os preços não são excessivos para o ambiente e para a qualidade daquilo que nos é proposto, há uma inteligente lista de vinhos e o serviço é feito por um pessoal experiente, com simpatia profissional “standard”. Gosto bastante de ir ao Jockey, como ontem fiz, com amigos.

Cruel dilema


Ainda a hesitar entre um banal gin tónico e um belo branco da Adega Cooperativa de Vila Real.

Europa, Europas

Na UE vive-se um tempo estranho: Macron está sem maioria no seu parlamento, Sholtz lidera uma coligação cuja coesão não está garantida, Draghi entrou em contagem decrescente, Von der Leyen, com uma atitude jingoísta, tem vindo a exorbitar dos poderes que o tratado lhe atribui.

Saudades


Não há cidade da Europa a que mais me apeteça voltar do que a Edimburgo. Pensando bem, antes, ainda há Paris. E também Siena, é verdade! Achava graça, claro, dar uma saltada às livrarias de Londres. Ah! E Praga, já me esquecia! E São Petersburgo, imenso, como é óbvio.

Oportunismo

Com a sua ida à Arábia Saudita, Joe Biden fez precisamente o contrário daquilo que, na sua campanha eleitoral, tinha anunciado ir fazer. Não é por ser exercido na alta política que o pragmatismo (”realpolitik”) deixa de dever ser qualificado de oportunismo.

sexta-feira, julho 15, 2022

Almoço egocêntrico


O meu almoço de hoje foi um exercício assumidamente egoísta e lúdico. Convidei para ele três bons amigos, que sabia não se conhecerem entre si. A idades eram similares, mas as experiências de vida eram muito diversas, tendo apenas Lisboa como cenário comum. Foi interessante anotar, no fluir da conversa, as referências geracionais que partilhávamos e, aqui e ali, nomes de conhecidos e amigos que uniam alguns, muito raramente todos, dos interlocutores. Foram umas horas que, estou em crer, foram por eles apreciadas, mas reconheço que nisso não consigo ser um juíz imparcial.

Marcelo e Balsemão. Uma conversa


Achei graça ouvir a entrevista feita por Francisco Pinto Balsemão a Marcelo Rebelo de Sousa, a que se pode ter acesso através do podcast que o ”Expresso” de hoje traz.

Os tempos de juventude e do fim da ditadura, a aventura comum no “Expresso”, os alvores do novo regime, a vida do PPD/PSD nas suas várias fases, as épocas de Marcelo como comentador televisivo, a de líder partidário e, finalmente, a experiência da presidência da República foram revisitados numa conversa solta, de quase hora e meia. Com apontamentos interessantes sobre política internacional.

O único momento em que Balsemão atrapalhou claramente Marcelo foi quando, a propósito dos contactos que o presidente vai tendo pelas ruas do país, lhe atirou de chofre: ”Nunca ninguém lhe chamou ”Lélé da Cuca”?” (o qualificativo que Marcelo deu a Balsemão, numa célebre graçola escrita no jornal, que acidulou a relação entre os dois). 

E houve também um instante, o único de alguma dissonância, logo disfarçada por ambos, em que aflorou uma conhecida divergência sobre a saída de Marcelo do governo de Balsemão. 

Em tudo o resto, foi uma conversa muito serena, consonante com o tipo de relação, com o seu quê de cerimonioso, que se sabe existir entre os dois.

quinta-feira, julho 14, 2022

A arrogância dos peões


Há muitos anos, quando fui viver para a Noruega, usufruí, pela primeira vez, do prazer de viver em cidades em que as passadeiras para peões eram respeitadas, em absoluto. Atravessar uma rua não era ali uma aventura, era algo que se processava com imensa naturalidade e segurança.

A regra norueguesa tinha, contudo, um duplo sentido. Um peão que quisesse atravessar uma passadeira estendia o braço, dando um sinal aos condutores para pararem. Mas se, na via, seguia um automóvel com alguma velocidade, notava-se que havia o cuidado, por parte dos peões, de aguardar um pouco, antes de atravessarem. É que é sempre muito mais fácil a uma pessoa suspender o passo e, por um instante, deixar de avançar do que ao condutor de uma viatura, com um peso de toneladas, travar e parar o seu movimento. Julgo ser uma mera questão de bom senso.

Por que escrevo isto? Porque é muito triste constatar o que se vê cada vez mais entre nós, em Portugal: pessoas a entrar nas passadeiras sem dar um sinal mínimo às viaturas que seguem à sua velocidade autorizada, sem sequer olharem para os carros que se aproximam, outras a ”passear” por elas, deliberadamente, de forma lenta, de um modo quase provocatório, muitas vezes a falar ao telemóvel ou a olharem para ele, frequentemente à conversa com um parceiro. 

Acresce ainda que, se para o peão, todas as passadeiras são basicamente iguais e se comporta da mesma forma perante elas, para o automobilista isso não é assim: há passadeiras que não estão sinalizadas, algumas estão apagadas, outras são menos bem iluminadas depois do cair do dia. O condutor de uma viatura é, muitas vezes, surpreendido pela existência de uma passadeira que dificilmente identifica, entre tudo aquilo a que tem de estar atento na condução: todos os sinais de trânsito, eventuais obstáculos, outros veículos, etc.

Está criada, no insconsciente coletivo, uma espécie de hierarquização de direitos: o peão tem direito a tudo, até a abusar e ser ostensivo nesse abuso. O automobilista vive sob uma espécie de complexo de culpa, como se ter um carro fosse ”crime”, um privilégio que é necessário “punir” e, para expiar a sua indizível culpa, devesse vergar-se ao excesso de atitude do peão.

Constata-se hoje um ostensivo abuso dos seus direitos por parte dos peões, numa atitude que tem muito de saloia, numa espécie de novo-riquismo, como quem diz, em silêncio: “Olha lá! Vou gozar, até ao absurdo, o direito que ganhei!”. Ora se um peão tem os seus direitos, o automobilista não os tem menores. Ambos devem ser respeitados e nenhum se sobrepõe ao outro.

Termino lembrando o que diz o nº 2 do artº 101º do código da Estrada: “O atravessamento da faixa de rodagem (pelo peão) deve fazer-se o mais rapidamente possível.”

Uma nota: este texto é sobre os deveres dos peões. Por isso, os deveres dos automobilistas, que também os têm, e muitos, tal como os seus comportamentos, muitas vezes impróprios, não são chamados para esta conversa. Num outro dia poderemos falar deles, se quiserem, mas não hoje.

E o agitador regressou!


Há dias, contei aqui uma saga por que passei no ISCSPU (que tinha então U no fim da sigla), onde a roda da fortuna me impôs um processo disciplinar, que se prolongou por anos, que levou à impossibilidade da minha entrada nas instalações por todo esse período, que me obrigou a arranjar um emprego, depois a ir para a tropa e, finalmente, a (quase) a mudar de vida.

Nesta terça-feira, sem problemas, deixaram-me entrar lá. 

Já há algumas décadas que o Zé Augusto, com o seu ar esforçadamente patibular, não estava na portaria a dizer que, ”por ordens do senhor diretor, o senhor Seixas não pode entrar no instituto”. Engoliu a frase no dia 29 de abril de 1974, quando ali me apresentei fardado de oficial do Exército! Nessa tarde disse: ”Senhor Zé Augusto: agora já posso entrar?”. Nem imaginam a cara do homem!

O Instituto, por estes tempos, já não está no Palácio Burnay, na Junqueira - e aí tenho pena, confesso! Vive agora, porém, em funcionais instalações no Alto da Ajuda. Quando, na tarde de terça-feira, referi a alguém que, já há muitos anos, ainda antes da universidade ter ocupado esse espaço, eu tinha estado naquela área de Lisboa numa Festa do Avante!, notei o olhar perplexo de um casual interlocutor…

“Mano a mano” com Pedro Passos Coelho (por favor, essa não é a questão hoje!), num interessante e participado debate de mais de duas horas, discuti a Europa, os seus problemas e o seu futuro com alunos de várias universidades portuguesas, envolvidos num interessante projeto de reflexão sobre o processo agregador do continente, apoiado pela Comissão Europeia, cuja delegada em Portugal integrou a discussão. 

Quem havia de dizer que, 54 anos (!) depois da fotografia que aqui mostro, em que surge de fato (e colete) e gravata, com melena sobre a testa e ar “certinho” embora gozão, o “agitador contumaz” que consta do processo voltava, uma vez mais, à sua velha escola! E fê-lo com imenso gosto!

quarta-feira, julho 13, 2022

Eu, pelos vistos!, perigoso comunista!


Na UE, 40% das florestas são públicas. Em Portugal, as florestas públicas representam apenas 2% do total. 

A experiência mostra que, para muitos daqueles privados que são proprietários dos 98% da floresta portuguesa, o rendimento que com ela obtêm não é suficiente para a conservarem. O Estado, em anos como este, que prometem repetir-se, é obrigado a gastar imenso dinheiro público para ocorrer a incêndios em muitos espaços que não são limpos e muitos dos quais nem sequer se sabe a quem pertencem, por atrasos no cadastro.

Serei chamado de comunista se disser que o Estado deve expropriar já toda a floresta que não é cuidada, por imperativo de interesse público?

O debate sobre os debates

O tema dos debates parlamentares é muito estranho: não foi o PSD que propôs a redução dos debates? O PS limitou-se a aceitar. Agora o PSD (é o mesmo partido, não é?) quer mais debates. A culpa passa a ser do PS? Ainda recordo os “imensos” debates da década cavaquista! Um fartote!

terça-feira, julho 12, 2022

Geopolítica mineral

 


Às vezes, dá jeito este mapa, para se perceberem alguns golpes de Estado…

In or at?



Dava jeito saber isto tudo sempre … by heart! 

AC

Começo a pensar que a ideia de criar, nas cidades, no verão, refúgios climatizados é capaz de não ser uma má ideia. Se isto continua assim…

Coragem, sempre!

Não consigo entender o receio de impopularidade que leva, por vezes, o poder público a não tomar decisões necessárias mas que sabe serem desagradáveis. Lembro-me sempre do covid e do Natal 2020! Agora, perante os incêndios e os festivais, se há risco elevado, cancelem-se estes!

Adeus Uber, olá táxis!

Há uns anos, decidi deixar os táxis e passar a usar o uber. Fui tendo boas e más experiências, mas estas últimas foram-se acumulando e agravando: atrasos permanentes, cancelamentos regulares, pessoal não qualificado e desconhecedor das cidades, preços a disparar. Desisti. Regressei aos táxis.

Será assim?

Tenho a sensação de que poderemos estar perante um tempo trágico na guerra da Ucrânia. Com o governo de Kiev com mais eficazes meios militares, a Rússia vai sentir ameaçadas algumas das suas conquistas, sendo tentada a reagir “à bruta”.

Rapidinho


Tenho visto livros “rápidos”. Mas, como este, agora na Amazon, é a primeira vez.

No reino

No Reino Unido, muitos nomes que surgem como candidatos à liderança dos partidos são um mero testar de águas: sabe-se que irão desistir e, em troca de apoios que darão ao vencedor, assegurarão lugares no seu governo. Viu-se isso já muitas vezes no passado.

O Leixões é que é!


Tenho um amigo que é fanático do Leixões sendo, aliás, nos dias de hoje, um dos sócios mais antigos daquela agremiação matosinhense. Mas ele não é apenas fanático do Leixões, é também a mais fanática pessoa que conheço contra o Futebol Clube do Porto.

Há bem mais de 30 anos, fui almoçar ao “Portucale”, no edifício que é mais conhecido no Porto como a Cooperativa dos Pedreiros. Eu estava numa mesa com o presidente do FCP, Pinto da Costa, e mais duas pessoas. Era uma refeição por motivos profissionais, para a montagem de operações de cooperação através das filiais do FCP nas antigas colónias portuguesa (fizémos o mesmo com o Benfica e Sporting, descansem os mais sensíveis!). O tal amigo leixonense de quem falo - o qual, noto, é um dos meus melhores amigos - entrou na sala. Da mesa, saudei-o, com um gesto. Não retribuiu, pelo que deduzi que me não tinha visto. E seguiu para a sua mesa. Pedi licença às pessoas com quem estava, levantei-me e fui ter com ele. Recebeu-me com ar frio: “Alguém que almoça com um tipo daqueles deixa de ser meu amigo”. Não tenho a certeza que a palavra “tipo” fosse exatamente o termo que utilizou. Passada a falsa zanga, demos um abraço caloroso.

No domingo, jantei com esse meu amigo em Matosinhos (que bem que se comeu no “Gaveto”!). Falou-me dos tempos maus que o seu Leixões atravessa, mas não deixou de lembrar uma taça que, há muitos anos, o seu clube ganhou ao Porto, por 2-0, nas Antas, naquele que foi um dos dias mais felizes da sua vida. O Leixões continua a emocioná-lo!

Ontem, segunda-feira, acabada uma reunião de trabalho, antes de apanhar o Alfa Pendular, de regresso a Lisboa, decidi ir almoçar a uma das catedrais gastronómicas mais apreciadas pelos portistas de gema, o excelente “Líder”, perto da praça Velasquez. Mal entrei, descortinei, numa mesa, Pinto da Costa. Dei graças à sorte pelo facto do meu amigo leixonense, apenas por umas escassas horas, ter falhado mais esse encontro de terceiro grau!

Ilusões


Esta é a altura do ano em que passo pelas minhas estantes e vou selecionando os trinta e tal livros que vou levar para a praia, dos quais, intimamente, sei de ciência certa que não vou conseguir ler mais do quatro ou cinco (e isso em anos bons).

Malta progressista!

 


segunda-feira, julho 11, 2022

Hubert

Foi no dia 1 de maio de 2017. Apanhei o taxi em Orly. Ao final de uns minutos, eu já estava arrependido de ter puxado conversa. Ele era do Haiti, negro, vivia em França desde os anos 90, tinha aquele francês caribenho macarrónico. Comecei por perguntar-lhe pelo seu país, pelo terramoto, pelas vagas migratórias para a América, Canadá e França. Vieram também os Duvalier à baila - do pai ao "baby Doc" e aos "tonton macoute" -, falámos da desilusão que foi o Aristide. Ele era democrata, contra a ditadura, falou do desvio de verbas para a reconstrução, da escassa esperança na nova solução governativa. A certo passo, dei comigo a cometer o lapso de lhe perguntar quem é que ele achava que ia ganhar a eleição francesa do dia 7. O homem começou a responder relativamente sereno, equilibrado, quase diplomático. Depois, subitamente, confessou, excitado, que ia votar Marine Le Pen. Não contestei, não disse nada, ouvi a sua litania sobre a necessidade da França sair do euro, regressar ao franco, travar a entrada de estrangeiros (!). "Com um franco comprava-se uma baguette, agora é preciso o equivalente a seis francos", sem que eu lhe perguntasse quanto ganhava então. E, de um momento para o outro, Macron passou a ser o objeto de todas as críticas. Ainda estive para perguntar-lhe se, por acaso, já tinha refletido no que poderia vir a acontecer, em caso de vitória de Le Pen, aos estrangeiros, mesmo aos que, como ele, já estavam há muito em França. Contive-me, para não atiçar ainda mais a conversa que ele empolgara. E, praticamente, "desliguei". A certa altura ouvi-o denunciar a aliança de Macron com o Hubert. Conheço relativamente bem as figuras políticas, e outras, francesas, mas não consegui chegar à personagem a quem ele se referia. O tal Hubert surgir-lhe-ia umas vezes mais no discurso, que agora era contra a "globalização", o "neo-liberalismo" e clichés assim. Eu já tinha deixado para trás a conversa. Saí do carro. Paguei. E, um segundo depois, como dizem os brasileiros, "caiu a ficha": o Hubert, esse maroto que estava conluiado com Macron, que eu não identificava, era afinal o Uber. 

No dia de hoje, o grande escândalo em França é Macron ser acusado de ter estado conluiado com a Uber. O meu taxista do Haiti era, afinal, um sábio.

(Já aqui tinha contado este episódio. Hoje, veio a propósito)

Guterres


Assisti ao nascimento deste livro. Fico muito feliz por esta, bem merecida, edição internacional. Um abraço, Filipe e Pedro.

domingo, julho 10, 2022

Mortos & mortos

Na tragédia ucraniana, para a nossa comunicação social, há mortos civis ”bons” e “maus”. Se o ataque é feito pelos russos, as vítimas são tratadas com imenso carinho mediático. Se se trata de uma ação militar ucraniana, os civis são “casualties” que estavam no sítio errado.

sábado, julho 09, 2022

quinta-feira, julho 07, 2022

Más companhias

Há causas que somos tentados a defender mas que, ao constatarmos que são apoiadas por aqueles que, em definitivo, não respeitamos e dos quais, em tudo o resto, discordamos em absoluto, acabam por nos suscitar sérias dúvidas. E ficamos incomodados por estar nessa companhia.

Boris


No imaginário coletivo, o nome de Boris remete-nos para a Rússia. Ora Boris Johnson, que há horas se demitiu da chefia do governo britânico, é hoje, com elevada certeza, uma das figuras cimeiras na demonologia de Moscovo. 

Mais papista do que o Papa no tema ucraniano, isto é, mais ferozmente anti-russo do que os próprios Estados Unidos aparentam ser, Johnson julgaria ter encontrado, nos últimos meses, na frente externa, uma espécie de elixir compensatório para a sua crescente fragilidade interna. Hoje, terá finalmente aprendido que isso nunca é suficiente.

Em 1990, Margareth Thatcher, a primeira-ministra vencedora da guerra nas Falkland/Malvinas, que insuflou o capitalismo mais liberal na City, que esmagou greves e desfez o poder dos sindicatos, que defrontou o IRA com mão de ferro, que desprezava Jacques Delors e os “federastas” de Bruxelas, mas que obteve “my money back”, conseguiu acantonar, por muitos anos, o Partido Trabalhista na bancada da oposição e veio a passear-se, ao lado dos Estados Unidos, na ribalta dos orgulhosos vencedores da Guerra Fria. 

E, no entanto, Thatcher viria a perder internamente o poder, pelo receio do Partido Conservador de que, com ela em Downing Street, as eleições legislativas seguintes fossem um desastre ou que um eventual sucesso levasse ao nome de Michael Heseltine, figura desafiadora da primeira-ministra e não grata no cenáculo dos “grandees” do partido. O cinzento John Major, que sucedeu a Thatcher sem renegar a sua herança, conseguiu ganhar a Niel Kinnock, os “tories” mantiveram a maioria e só a viriam a perder, anos mais tarde, para o trabalhismo “soft” de Tony Blair, um “labour” parecido com os conservadores e, como estes, sempre, sempre ao lado de Washington, para o bom e para o Iraque.

Agora, foi a vez de Boris Johnson. Como o irá recordar a História britânica? Talvez o seu inconfundível estilo pessoal, o seu regular desafio desrespeitoso da instituição parlamentar, a pilotagem determinada em direção ao Brexit, as “trapalhadas” na gestão da pandemia e o empenhamento denodado na causa da Ucrânia. Contudo, o juízo da História far-se-á também à luz da capacidade que vier a ser demonstrada pelo seu sucessor.

Nada estará mais distante da caricatura de um “gentleman” britânico do que a figura física de Boris Johnson, embora a bizarria na atitude e a irreverência também façam parte desse mundo de eleitos, saído de Oxbridge, da aristocracia ou do sucesso. Cultivando um claro culto pela figura de Winston Churchill e pela imagem atrativa da heterodoxia comportamental deste, Johnson procurou recriar-se numa espécie de líder de novo estilo, para o século XXI, prenhe de posturas incomuns e modos idiossincráticos que o distinguiam dos seus pares do sistema político. 

Cultivava uma atitude deliberadamente diferente, um pouco “latina” ao seu modo, e isso ter-lhe-á permitido captar fortes simpatias no eleitorado conservador, que ele pensava poder manter como eterno escudo protetor, garantindo-lhe uma menor dependência da pressão do “establishment” formal que o rodeava. Muito inteligente, brilhante mesmo, jornalista de talento, tinha como medalha não despicienda o facto de ter dirigido o “The Spectator”, a revista conservadora que é um expoente de indiscutível qualidade jornalística. A sua autoconfiança acabou por traí-lo e afastá-lo progressivamente da realidade. Sai agora, aos ombros de si próprio.

O modo como Boris Johnson lidou, ao longo dos anos de poder, com as instituições parlamentares, surpreendeu pelo aberto desprezo por muito dos seus formalismos, que temos por identitários daquele país, o que será tanto mais estranho se pensarmos que isso emanava do líder de um partido conservador - supostamente mais empenhado na preservação dos “basics” do regime. Se nos lembrarmos ainda da instrumentalização, quase obscena, que fez da Câmara dos Comuns, das mentiras que aí procurou disfarçar e impor, com imenso desplante, fácil é concluir que estivémos perante o líder que, na história contemporânea, mais colocou em causa a preeminência do parlamento no centro da vida política britânica. Em muitas ocasiões “económico com a verdade”, para usar uma expressão clássica, Johnson dava ares de querer usufruir de uma espécie de inimputabilidade política. Durante muito tempo, reconheça-se, conseguiu levar a sua avante.

Os ingleses ficaram a dever o Brexit apenas a si próprios, à conjugação pontual mas democrática da sua vontade maioritária, de natureza muito diferente e até contraditória, potenciada por uma agenda de medos e de mitos, que conduziu à sua saída da União Europeia. Mas Johnson teve, nesse processo, um papel relevante. Depois de ter sido um defensor da permanência na Europa de Bruxelas, o que entretanto procurou fazer esquecer, fez um volte-face e acabou por estar no centro da operação em direção à saída, manejando, sem pudor, mentiras e distorções da verdade, a caminho desse “opt out” final, que consagrou, em rotura, a postura de parceiro relutante que Londres sempre havia sido desde a sua adesão. Será muito pelo saldo do Brexit, pelo que dele vier a resultar para o destino do Reino Unido - com o futuro da Escócia e da Irlanda do Norte aí incluído -, que o nome de Boris Johnson virá a ser recordado no futuro.

Como todos os seus pares pelo mundo, Johnson teve de enfrentar a crise pandémica. Tal como muitos outros, navegou em ziguezagues, sempre naquele estilo afirmativo de quem é capaz de ter, com a mesma cara e sem assunção dos erros, uma atitude diferente, às vezes mesmo oposta, daquela que havia sido assumida na véspera. Os ingleses não terão perdoado a Johnson, em particular, o facto de ter permitido, e ele próprio praticado, comportamentos desviantes dos cuidados e exigências que ia impondo ao país. A assunção parcial de culpas não foi suficiente para disfarçar a complacência e a dualidade de critérios de que usou e abusou. A perda de popularidade de Boris Johnson terá começado precisamente aí. 

Johnson movia-se bastante bem no cenário transatlântico. De inicio, Donald Trump não o apreciava e, em especial, desprezou a invocação da “special relationship”, uma ligação que Londres cultiva sempre com um zelo que, do outro lado do Atlântico, não é, necessariamente, praticado da mesma forma. Salvo quando isso dá jeito aos Estados Unidos, como se viu em várias conjunturas históricas. Johnson foi agora útil a Joe Biden, titulando, na Europa, o brado jingoísta, com laivos de nova Guerra Fria, com que o América reagiu à agressão russa da Ucrânia. Fica a sensação de que, se dependesse da vontade de Johnson, a Ucrânia estaria já a caminho de ser membro da NATO. Os elogios e agradecimentos de Zelensky não deixam margem para dúvidas: perdeu um amigo na comunidade internacional. Mas nada indica que, no essencial, o sucessor de Johnson venha a pôr minimamente em causa o apoio britânico à luta da Ucrânia.

E a União Europeia? Ao pôr em causa a palavra do Reino Unido no compromisso do Brexit, anunciando opor-se àquilo que tinha assinado com Bruxelas, no tocante ao estatuto da Irlanda do Norte no Mercado Interno, Johnson estava a mostrar uma face que não honrava o bom nome de Londres na vida internacional. Estará o seu sucessor disponível para corrigir esta atitude? Por aí veremos quanto das sequelas ácidas do Brexit derivavam do caráter pessoal do primeiro-ministro ou, afinal, decorrem da matriz comportamental dos conservadores no poder.

Esse poder será até quando? As eleições legislativas estão previstas para 2024, e dificilmente serão antecipadas. 

Os trabalhistas, que mostram um recuperação sensível de apreço público, são, por estes tempos, chefiados por Keir Starmer, uma face moderada que se distingue, em muito, do anterior líder, Jeremy Corbin, cuja permanência à frente do “labour”, pelo radicalismo que afirmava, era uma espécie de seguro de vida para os conservadores. Cabe a Starmer tentar cavalgar o descontentamento que os efeitos cumulados das consequência económicas negativas do Brexit, dos efeitos disruptores derivados da crise pandémica, das consequências das sanções à Rússia e do investimento militar maciço podem vir a ter na opinião pública e votante. E cabe ao sucessor de Johnson mostrar que a continuidade pode, no essencial, trazer vantagens, que os conservadores têm respostas, em matéria de políticas públicas, para os sinais de recessão que alguns vislumbram. Finalmente, caberá à rainha nomear o seu 15° primeiro ministro, neste que é o 70° ano do seu reinado.

(Publicado no site da CNN Portugal)


quarta-feira, julho 06, 2022

Um prédio na memória


Fui esta manhã ao edifício que a imagem mostra, por motivo de trabalho. Ainda é, no estilo, um belo prédio, hoje ocupado pelo Ministério da Defesa. Foi construído para alojar o Ministério do Ultramar. Em 1974, passou a ser o Ministério da Coordenação Interterritorial. Foi também sede do efémero Ministério da Cooperação e veio a alojar o Conselho da Revolução, antes de passar a ser, nas últimas décadas, a “casa“ da Defesa.

Ao percorrer aqueles corredores forrados a madeira, tive a contida tentação de tirar uma fotografia ao cenário interior. É que trabalhei por ali, em 1975 e 1976, no então Gabinete Coordenador para a Cooperação, gerado na Comissão Nacional de Descolonização, da Presidência da República. O meu simpático gabinete tinha um imenso quadro de Malangatana. 

Mas a historieta que aqui trago é outra.

A alguns que andaram no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, no final dos anos 60 e na primeira metade dos anos 70, não são estranhos os episódios que, por essa época, me opuseram ao diretor da Escola, que veio a suceder a Adriano Moreira, após Hermano Saraiva, sob ordem de Marcelo Caetano, ter inventado um pretexto para afastar do cargo o incómodo antigo ministro do Ultramar. 

Quem era o cavalheiro? Não interessa, foi uma pessoa, “de cuyo nombre no quiero acordarme”, como escreveu Cervantes para um certo lugar da Mancha, no início de “El Quijote”. E que peço que ninguém refira o seu nome nos comentários, para não poluir este espaço.

Tratou-se de uma meticulosa perseguição pessoal. Começou por cinco “chumbos” consecutivos na prova escrita da disciplina de que aquele professor também era titular, precisamente a última que me faltava para acabar o curso, onde eu nunca tinha falhado um único exame. Abespinhou-se por eu ter contestado, cara a cara, a primeira reprovação. Somou-se a isso um processo por “indisciplina académica”, com a interdição prática da minha entrada nas instalações, por três anos. Culminou com informações escritas ao Ministério da Educação sobre o meu caráter de “agitador contumaz” (como citações de frases minhas, em intervenções públicas) que conduziram ao impedimento da minha tomada de posse como dirigente eleito dos estudantes. 

A minha vida mudou. Concorri a um banco, passei a aluno ”voluntário”, sem poder assistir a aulas, fazendo apenas as “frequências” e os exames finais, estes sempre com idêntico resultado. E, dois anos mais tarde, fui para a “tropa”, onde o 25 de Abril estava à minha espera.

Mesmo no quadro da ditadura, a situação dos meus “chumbos” consecutivos (época normal, época de outubro, época especial de janeiro, para última cadeira em falta), sendo “aluno de 14”, foi considerada tão estranha que o Ministério da Educação mandou instaurar um inquérito. O mesmo foi enviado, para lhe ser dada a devida sequência, ao diretor da faculdade, que era, nada mais nada menos … o próprio professor! Engavetou o assunto, sem lhe dar o menor seguimento, até ao 25 de Abril.

Com a Revolução, tudo se resolveu, num ápice. Fui chamado ao sub- diretor-geral do Ensino Superior do Ministério da Educação, que me propôs ser-me “dada”, por decisão oficiosa, a cadeira em falta, com a nota da média do resto do curso. Recusei. Fiz o exame (com outro professor, claro), acabei o curso e pude concorrer ao MNE.

Um dia, um ano e tal mais tarde, já diplomata, fui chamado à entidade, que funcionava no edifício de que hoje aqui falo, onde, ao que então soube, estava a ser preparado o “saneamento” do cavalheiro. Queriam que eu testemunhasse contra ele. O meu caso, por tão escandaloso, era uma das peças centrais do processo. Recusei. Disse que não o fazia, que não pretendia vingar-me. Ou melhor, que a minha vingança já estava feita: tinha sido o 25 de Abril.

Acabada a conversa, passei ao átrio central do andar (seria o quarto andar, diz-me a memória) e chamei um elevador. A porta abriu-se. À minha frente, saiu precisamente a tal personagem, que devia ir ali prestar declarações. Viu-me e hesitou um segundo. Deve ter pensado que lhe tinha acabado de ”fazer a folha”. Olhei-o bem de frente e fiz, deliberadamente, um largo sorriso. De imenso desdem.

Na manhã de hoje, lembrei-me da cena. E gostei do que fiz naquele dia.

terça-feira, julho 05, 2022

Sérgio Rouanet


Morreu Sérgio Rouanet, intelectual brasileiro que foi autor da célebre “Lei Rouanet” sobre o mecenato cultural, que subscreveu em 1991, ao tempo em que era ministro da Cultura, no governo de Collor de Mello. Jair Bolsonaro reformulou, entretanto, esse instrumento de apoio à atividade cultural, de um modo que, segundo leio, anulou muito dos seus efeitos.

Conheci Sérgio Rouanet e a que então era sua mulher, Bárbara, durante um belo almoço, em casa de um grande amigo comum, em Tiradentes, no estado de Minas Gerais, no Brasil. Éramos uma dúzia de pessoas, algumas que antes não se conheciam entre si. 

Rouanet era uma figura de uma inteligência fascinante, muito bom contador de histórias. Era uma personalidade muito respeitada no Brasil. Diplomata de carreira durante décadas, foi embaixador e teve um posterior percurso académico e político.

Entre os convivas desse almoço, estava um jovem brasileiro, trazido por alguém, que claramente estava um pouco fora daquele “baralho”. A certo passo, fiquei com a nítida impressão de que a sua atenção estava muito concentrada no que dizia um outro conviva, um religioso.

Numa pausa, consumando a curiosidade que visivelmente o estava a alimentar nos últimos minutos, o tal jovem perguntou ao religioso:

- Você, há pouco, disse que era dominicano. Como é que, sendo dominicano, fala tão bem português?

Toda a sala se olhou, incrédula: o rapaz, ao ouvir o religioso dizer que era dominicano, tinha achado que ele era oriundo da República Dominicana, onde se fala espanhol.

Porque a situação era socialmente constrangente, todos engolimos as gargalhadas que tínhamos vontade de dar. Todos, não. A mulher de Sérgio Rouanet, uma socióloga nascida na Alemanha, que até aí se tinha mostrado muito pouca expansiva em todos os seus comentários, não aguentou o ridículo que estávamos a viver e lançou um sonoro “Não é possível!”, somado a uma imensa gargalhada. O resto dos convivas foram mais caridosos e apenas sorriram.

O religioso, que era, nem mais nem menos, uma grande figura da história da luta armada contra a ditadura militar brasileira, não perdeu a oportunidade para lançar mais uma acha para a fogueira do ridículo em que o jovem, tão brasileiro como ele, se tinha metido. E respondeu-lhe:

- Aprendi no convento…

Acima e abaixo


Conheci, há muitos anos, um velho embaixador que tinha uma máxima: “If you are not one point up, you are one point down” (se você não ficar um ponto acima, você ficará um ponto abaixo). Contava-me ele que nunca dizia a ninguém que se sentia doente: “Nunca revele a outra pessoa que lhe dói a cabeça ou está indisposto. Na maioria dos casos, a pessoa com a qual você está a falar está saudável e, no instante em que você confessa a sua doença, ele fica logo numa situação de superioridade”.

Nunca tinha pensado nisso e achei bizarríssimo o lema, o qual, na realidade, parece ser, em si mesmo, um sintoma de inferioridade. Eu, mesmo que o tentasse seguir, nunca o conseguiria: sendo hipocondríaco, falar das minhas doenças é um hóbi que, às vezes, não dispenso… mesmo que, por essa razão, me arrisque a ficar logo um ponto abaixo de alguém que, “são como um pero”, me esteja a ouvir!

segunda-feira, julho 04, 2022

Outra Rússia em Paris

 

Em Paris, encontra-se um pouco de tudo. Porém, uma casa como a que a imagem mostra, não é muito vulgar. Fui um dia convidado para lá jantar, pelos proprietários, que então nos explicaram que se trata de uma casa (uma "isba”) que fazia parte do imenso pavilhão da Rússia na Exposição Universal de Paris, em 1867, e que foi reconstruída naquele local em 1872. 

Como é do tempo do czars, estou certo que os leitores mais sensíveis não levarão a mal esta evocação, mesmo nos dias que correm. Por que a faço? Muito simplesmente, porque acabo de encontrar, numa papelada antiga, o menu desse jantar, de que a imagem é a outra face. E, por uma vez, não me importo de dar a outra face...

Espantoso !

Alguém acredita que, em 53 anos, dezenas de governos tenha sido incapazes de optar, em definitivo?

Alcochete
Alverca
Fonte da Telha
Montijo
Ota
Porto Alto
Rio Frio
Sintra
Tancos

domingo, julho 03, 2022

PPDeles

“Chapeau”! Montenegro surpreende, pela positiva, ao apresentar uma lista agregadora, evitando deixar de fora muitos dos seus possíveis rivais no futuro. Vão ser muitos “galos” na mesma capoeira? Talvez. Problema: a grande fragilidade do grupo parlamentar.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...