quarta-feira, julho 20, 2022

De Vila Real


Hoje de manhã, olhei a data, 20 de julho, e fiquei com a sensação de que ela me dizia qualquer coisa. Como nada me ocorreu, pus a ideia à conta do “déjà vu” que a idade sempre promove. Agora, leio que este é o dia de Vila Real.

Comemoram-se hoje 97 anos desde que Vila Real, no republicano ano de 1925, ascendeu de vila a cidade - a localidade tinha tido um foral concedido por dom Dinis, séculos antes.

Vai para um ano, sob o patrocínio da Biblioteca Municipal de Vila Real, publiquei por lá, em livro, um conjunto de textos em que a cidade de era uma referência praticamente comum a todos eles. Em certa medida, eu fazia, com o livro, uma subliminar homenagem à terra onde nasci.

Vivi, continuamente, em Vila Real, até 1966. Desde então, habitei em nove cidades, sendo que Lisboa é, em definitivo, a minha terra adotiva. E Viana do Castelo, onde não vivi mas onde passei inolvidáveis férias, é a minha terra afetiva. E o Porto é uma cidade onde me sinto em casa. Com tantas terras na minha vida, quase sou forçado a concluir que acabo por não ter terra nenhuma. Mas isso não é verdade.

Vila Real é a minha terra. Ando por aquelas ruas, nos dias de hoje, e sinto que as conheço quase a palmo, que tenho episódios passados de cada rua e cada esquina, em que quase todas as personagens dessas histórias há muito que já saíram de cena. Melhor: que praticamente ninguém conhece.

Se acaso hoje cruzo, nas ruas de Vila Real, alguém com cabelos brancos, olho sempre essa pessoa com uma esperança, muitas vezes vã, de poder ter com ela uma cumplicidade geracional. Há meses, um homem já “com uma certa idade” (para mim, expressão que significa com mais de 60 anos), à saída de uma loja, fitou-me, passou por mim, voltou atrás e disse-me: “Eu conheço-o!” Eu não o conhecia. Sorri, meio embaraçado. “Já sei! Vi-o há dias! Foi na CNN, não foi?”.

Espero bem que essa pessoa não esteja a ler este texto. É que, na ocasião, fiquei imensamente desapontado. Pensei que, estando na minha terra, me ia dizer: “É Fulano, não é? É primo de Sicrano, não é? Vi-o há tempos na Gomes (ou no Lameirão ou na Rua Direita ou na Tosta Fina)”. É que ter-me visto “na CNN” podia ter acontecido a alguém em Reguengos de Monsaraz ou em São Brás de Alportel ou em Manteigas. Não teve a menor graça isso ocorrer na minha cidade natal.

“A culpa é tua: devias vir mais vezes à Bila (lê-se por lá assim, à galega)”, dizem-me alguns amigos por lá. Se calhar devia, mas tenho a desculpa de que a vida que tenho não o permite. “Tens essa vida porque queres! Devias era reformar-te e vir viver para cá! Tens casa, não tens?” Tenho e talvez devesse ir, mas não vou. Somos assim, teimosos, os vila-realenses.

2 comentários:

Luís Lavoura disse...

Devias era reformar-te e vir viver para cá!

Um homem não se deve reformar porque, quando os homens se reformam, em breve morrem.

Mas sim, quando o Francisco se reformar, deverá ir viver para a casa que lá tem.

Anónimo disse...

Senhor embaixador
Há já uns dez ou quinze anos, aqui em Évora, fui abordado or um casal que devia andar pelos anos que o senhor embaixador tem agora; depois de me perguntarem onde morava um meu vagamente conhecido que, diziam, morava ali perto, lá os informei que essa pessoa havia morrido havia já alguns anos. Desolados, lá me explicaram que essa pessoa era a última das que se lembravam em Évora (donde haviam saído havia muitas décadas) e de que "sabiam" a morada.
Face à situação, informaram-me, de imediato, que, então, iam dali para o cemitério "velho" da cidade, onde percorrendo "quarteirões", seguramente iriam encontrar gente que conheciam...
MB

Ai Europa!

E se a Europa conseguisse deixar de ser um anão político e desse asas ao gigante económico que é?