sábado, janeiro 28, 2023

Luís Moita



Em 5 de Outubro de 2022, escrevi por aqui isto:

“Quando revemos aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias, surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita.

Há muito que, à distância, eu sabia quem era aquela figura que, saída do catolicismo crítico, enveredara, entre outras, pela tarefa difícil, mas essencial, de ajudar à luta anti-colonial na terra do colonizador. A repressão, que bem conhecia a sua determinação, não o poupou.

Imediatamente após Abril, cruzei o Luís em algumas noites agitadas desses dias sem par. Mas, com a minha itinerância, os nossos destinos perderam-se, por algum tempo.

O Luís, com uma admirável coerência e grande dignidade, fez, a partir daí, o percurso cívico que a consciência lhe ditou, ligando-se, sempre com aquele contagiante entusiasmo juvenil que é o seu, a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias.

Sempre do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes, o Luís foi fazendo o seu caminho, envolvendo-se em áreas da dinamização da sociedade civil, ao mesmo tempo que ia construindo uma carreira académica de sucesso.

Foi em alguma limitada ligação minha ao mundo universitário, a seu convite, na última década, que me aproximei mais do Luís. E em que desenvolvi com ele a forte relação de amizade que hoje nos une. Tenho, além disso, pelo Luís Moita, uma consideração e uma admiração que dedico a muitas poucas pessoas - e digo isto com grande sinceridade.

Durante anos, eu achava que o Luís “não tinha idade”. A sua vitalidade e capacidade de trabalho projetavam nele um “boyish style” que quase me levou a não acreditar quando, um dia, ele me convidou para a festa dos seus 80 anos.

A saúde pregou, entretanto, algumas partidas recentes ao Luís. O seu quotidiano futuro vai ter algumas limitações, o dia a dia já não vai poder ser aquilo que, até há pouco, foi e em que ele se sentia confortável. A universidade já não poderá contar com aquela sua generosa e proverbial disponibilidade. Mas, como canta o nosso amigo Fausto, “atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir”. “

Não vieram. O Luís Moita morreu hoje. Pouco consigo dizer, além de enviar um abraço de muito pesar à Ana e à sua família.

Ele há cada drama!


Por um instante, fiquei na dúvida sobre o estado de espírito daquele meu amigo. Na quinta-feira, a meio da tarde, vi-o surgir, com passo apressado e um ar que parecia como que angustiado. Íamos em sentido contrário, na rua de São Paulo, perto do fundo do elevador da Bica.

Por coincidência, o aniversário desse amigo é hoje, sábado. Ele passou já da fasquia dos setenta, por uma mão cheia de anos. Nunca o vi muito preocupado com isso, mas, às vezes, as pessoas disfarçam os estados de espírito. Seria o que justificava a sua cara fechada, aquele olhar um pouco ansioso?

Eu sabia que a vida não lhe corria mal, salvo os azares inevitáveis que fazem parte da existência de quem por cá anda e se preocupa com os que lhe são próximos, mas onde os ventos (eu sabia!), sopravam agora no bom sentido. 

Reformado há muito, sempre o vi ocupado com imensas coisas que o interessavam, algumas que lhe davam “para os alfinetes” (como ele dizia, acho que por “understatement”), outras que lhe davam apenas muito gozo e entretem. 

Sabia-o feliz com os muitos amigos que tem. Muitos livros, alguma escrita, viagens agora q.b. e frequência regular de mesas de comezainas, tudo isso, à evidência, o divertia e alimentava o corpo e o tempo. Um dia, esse amigo tinha-me confessado que a existência lhe tinha dado muito mais do que aquilo com que alguma vez sonhara. 

E, no entanto, lá vinha ele, com ar estranho, como que a tentar escapar à leve chuva de molha-tolos que lhe humedecia o cabelo branco, já ralo. 

Não gosto de me meter, sem necessidade, na vida dos outros, mas aquele fácies preocupado, pouco conforme com o tipo quase sempre com humor que eu me habituara a conhecer nele, deixou-me curioso. 

Travei-o no passo, nem tinha reparado em mim, demos um abraço e perguntei-lhe: “Olha lá! Há algum problema? Vejo-te esquisito.”

Respondeu: “Claro que estou! Não consigo arranjar um táxi e tenho de estar num sítio daqui a pouco”. Era esse então o “drama”? Felizes os que chegam àquela idade e têm essas coisas como visível preocupação. 

E, com uma súbita alegria a despontar-lhe no rosto, vejo-o levantar o braço: “Lá vem um, finalmente! Bolas, que susto!, pensei que não conseguia”. E, para me compensar, deixou cair: “Temos de almoçar um destes dias! Eu ligo-te!” E o táxi arrancou. 

Como eu sei que esse meu amigo adora restaurantes, sobre os quais até chega a escrever, para nos abrir o apetite e, às tantas, também a inveja, acho que, um destes dias, ele vai cumprir. No dia de hoje ele só vai cumprir 75 anos.

sexta-feira, janeiro 27, 2023

Sabiam?


Portugal teve, pela primeira vez, em 1929, o seu nome inscrito nos Guias Michelin, através do Hotel de Santa Luzia, em Viana do Castelo, e do Hotel Mesquita, em Vila Nova de Famalicão, que então obtiveram uma estrela, que sustentaram por vários anos.

Tapeçaria …


… numa parede por aí.

Para marciano ver

Só algum ser estranho, aterrado de Marte, é que poderia acreditar que um evento com a magnitude das Jornadas Mundiais da Juventude conseguia ser organizado entre nós sem ser envolvido num registo de polémica, de suspeição e, não deve tardar, com teorias da conspiração à mistura.

A luz vem do alto

O pessoal da TAP nem acredita que o altar lhe tirou os holofotes de cima.

A sociedade do espetáculo

Isto é a sociedade do espetáculo, o sonho do Debord. Há dias foi a cena da subida ao palco no S. Luís. Agora, por um palco lá para os lados da Expo, zangam-se por aí as comadres. Valha-lhes deus!

Professores

Faço parte de um grupo de cidadãos, e julgo que nem serão tão poucos quanto isso, que, tendo já percebido que algo vai mal no mundo dos professores, não concluiu ainda se eles têm razão em tudo o pedem ou se há por ali reivindicações sensatas misturadas com coisas demagógicas.

Peugeot


Ontem, num restaurante, olhei o saleiro e notei a marca: Peugeot. 

Uma amiga, ao meu lado, surpreendeu-se: “Não conhecias a marca Peugeot como ligada aos moínhos para especiarias e outros objetos das artes da mesa?”

Confessei a minha ignorância e ela explicou-me que a Peugeot, quase há dois séculos, começou a atividade pelo fabrico deste e de outros tipos de objetos, bem antes de se dedicar aos automóveis.

A nossa memória, como acontece com os carros, às vezes demora a arrancar. No caminho para casa, ocorreu-me que, há mais de 20 anos, tinha ido a uma reunião internacional realizada no Museu da Peugeot, na cidade francesa de Montbéliart, junto à fronteira com a Suíça.  E ocorreu-me então que, durante um intervalo dos trabalhos, tinha-nos sido proporcionada uma visita ao museu, tendo sido apresentada toda a variedade histórica de moínhos, manuais e elétricos, de marca Peugeot, alguns dos quais continuavam a ser produzidos. Tinha-se-me varrido por completo da memória!

“Vê-se mesmo que não cozinhas!”, tinha-me dito, ao almoço, essa amiga. “Se cozinhasses, e ainda por cima tendo tu vivido em França, saberias que há bastante mais Peugeot para além dos carros”. 

Ignorância minha! Não tive coragem para responder: “Eu, de facto, conheci por lá um “Moulin Rouge”! Mas não este…”

quinta-feira, janeiro 26, 2023

“A Arte da Guerra”


Em “A Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico” desta semana, com o jornalista António Freitas de Sousa, abordo a saga dos tanques para a Ucrânia, as novas reticências turcas à entrada da Suécia para a NATO e os debates em Davos. Pode ver aqui.

quarta-feira, janeiro 25, 2023

10 anos


Faz hoje precisamente 10 anos, fechei, pela última vez, esta porta. É o nº 3 da rue de Noisiel, onde se situa a embaixada de Portugal em Paris. Regressei a Portugal, nesse dia 25 de janeiro de 2013, sem a mais leve nostalgia, depois de mais de 42 anos ao serviço do Estado. Gostei imenso do que fiz, tive um grande orgulho em ser funcionário público, mas há mais vida para além da diplomacia.

Painel…



 … de azulejos de Jorge Barradas, com que hoje deparei numa residência particular.

terça-feira, janeiro 24, 2023

Pela calada da morte

Mário Mesquita, uma grande personalidade do jornalismo e da intelectualidade nacional, que há meses nos deixou, tendo a sua súbita morte convocado um sentimento quase unânime de perda nacional, foi, numa das linhas do seu currículo riquíssimo, vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ECR). 

Acaba agora de ser revelado que um trabalho técnico desenvolvido no quadro daquela estrutura, de que foi o principal responsável, foi editado com o deliberado apagamento do seu nome na capa, numa aparente vingança do presidente da ERC, que era público manter com Mário Mesquita um mau relacionamento, um gesto feito pela calada da morte de Mário Mesquita.

Ucrânia

A propósito da Ucrânia, Macron terá dito, ao que ouvi, uma coisa com algum sentido: se, neste momento de algum impasse no conflito, provocado pelas condições climatéricas, não há sinais de vontade negocial, tudo será pior quando as hostilidades voltarem à velocidade de cruzeiro.

segunda-feira, janeiro 23, 2023

Três excelentes ministros!

 



Para tomar nota.

Mentira, claro

Só por ironia ou sectarismo se pode qualificar de “coragem” e “frontalidade” o que não passou de uma grosseira mentira, disfarçada de modo atabalhoado.

Partidos

No último fim de semana, ficou a perceber-se melhor por que razão se chama ”partido” a um partido.

“Restaurante da Adraga” (Almoçageme)

 

Chega-se lá descendo a estrada que sai do centro de Almoçageme para a praia da Adraga - lindíssima, ali ao lado. A casa chama-se, simplesmente, “Restaurante da Adraga”. Existe desde 1905, acreditem! Conheço este pouso há muito tempo, mas só lá vou quando o rei faz anos, quase sempre com amigos, tanto mais que não é todos os dias que ando pela zona de Sintra e Colares. Trata-se de um local agradável, de decoração simples, mas onde recordo ter sempre comido bem. O pessoal é simpático e diligente. A especialidade da casa, como não podia deixar de ser, é o peixe e muitas outras boas coisas do mar, mas os carnívoros radicais não passarão fome, podem estar descansados. Ontem, à nossa mesa, além de uma sopa de peixe, estiveram umas ameijoas em molho de alho e coentros, um linguado de que me disseram maravilhas, um polvo à lagareiro e um chocos com tinta. Tudo a preceito. A conta foi equilibrada, com um branco de Borba a ajudar. À terça-feira, o “Restaurante da Adraga” fecha. Mas, de quarta a segunda, está sempre aberto, das 12:30 às 22:00. Em especial nos fins de semana, é recomendável reservar com antecedência pelo 219 280 028.

domingo, janeiro 22, 2023

Uma república de juízes?

O tema não é popular, mas há que falar nele. Há, nos dias de hoje, um desproporcionado papel interventivo do judiciário brasileiro na esfera dos restantes órgãos de Estado. Agora, isso funcionou em favor da democracia. Mas nada garante que, no futuro, assim continue a ser.

Regresso

O regresso de Bolsonaro ao Brasil será um pesadelo para Lula. A sua muito provável detenção, mesmo que bem sustentada judicialmente, criaria uma sombra no regresso do país à normalidade democrática. O exílio de Bolsonaro seria uma excelente notícia para Lula.

Ucrânia

Sei que sou suspeito, mas, com sinceridade, acho que a CNN Portugal tem promovido a mais completa informação sobre a guerra na Ucrânia, com excelentes enviados especiais e comentários de pendor diverso e estimulante. “Toda a unanimidade é burra”, dizia Nelson Rodrigues.

Ação de graças

Se tudo continuar a passar-se como até aqui, Lula deveria mandar rezar uma missa de ação de graças pelos arruaceiros de 8 de janeiro, contra as instalações dos três poderes. Afinal, com a sua descabelada ação, eles acabaram por dar-lhe um imenso sopro de legitimidade.

Lula e a tropa

O modo exemplar como Lula se relacionou com as Forças Armadas, durante os seus anteriores oito anos como presidente, dão-lhe agora plena autoridade para se revelar indisponivel para tolerar quaisquer atitudes reticentes face aos seus poderes constitucionais nesse domínio.

Amazónia

O descaso criminoso com o bem-estar das populações indígenas no Brasil, que acaba de ser revelado com imagens chocantes que, estou certo, vão abalar o mundo, traz ao novo governo uma honrosa responsabilidade. Estar à altura dela será um grande e inescapável desafio para Lula.

Ainda Dilma

Não entro na discussão sobre se o “impeachment” de Dilma Rouseff foi ou não um golpe. Porém, tendo acompanhado o processo com bastante atenção, em especial aquelas horas de declarações de voto na Câmara, de uma coisa tenho uma absoluta certeza: foi uma vergonha para o Brasil.

O diabo e a farda

Lula, ao substituir o comandante do Exército por um militar que expressamente afirma a sua plena subordinação ao poder democrático, pode estar a fazer um favor às Forças Armadas brasileiras, reconciliando-as com a ordem republicana, resgatando o seu equívoco papel no interlúdio de Bolsonaro.

sábado, janeiro 21, 2023

“Terroso” (Cascais)


Chama-se “Terroso”. É um pequeno restaurante (20 lugares) e “wine bar”, no dédalo de ruelas velhas de Cascais, não longe da Câmara e do Hotel Baía, só para orientar quem chega. Tinha ouvido falar da casa, mas nunca a visitara. Só de olhar para as garrafas que, em armários, envolvem a sala é-nos induzida uma sede sofisticada (ter um Crasto vinha Maria Teresa ali à mão, a mim, desestabiliza-me). A lista segue um registo clássico, mas é muito equilibrada nas suas escolhas e, o que é cada vez mais importante nos dias que correm, nos preços. Fora dela, havia uma feijoada à brasileira que estava de comer, como de facto comemos com grande gosto, e de chorar por mais. Optámos por não chorar e, alegremente, partimos para as sobremesas, uns doces a preceito. Na cozinha e no comando das operações, estava a proprietária, dona Vitalina Marques de seu nome, uma senhora simpática que, por muitos anos, oficiou naquele que foi (bem antes do tempo dela, mas já no meu) um dos primeiros restaurantes do momento “trendy” do Bairro Alto, nos anos 70 do século que se foi, o histórico ”Alfaia”. A fantástica escolha dos vinhos da casa é da responsabilidade do marido, Pedro, com uma qualidade atestada pelo prémio que foi atribuído à casa pela “Revista de Vinhos”. O Terroso fica na Rua do Poço Novo, 17, como referi, em Cascais. Telefonem (sempre, claro!) a reservar, pelo 214 862 137. Domingos e segundas-feiras, o Terroso encerra. Vão ver que não lamentarão seguir esta minha opinião, seguindo uma bela dica do Zé Paulo Fafe.

Melhor…

 


Daqui a pouco…

 


Espero que, de manhã, esteja um dia mais límpido…

As fitas do tempo

Os críticos do governo, em especial na comunicação social (que, por estes dias, é a verdadeira oposição), sabem muito bem quem, entre Fernando Medina e Pedro Nuno Santos, interessa colocar mais sob fogo, por forma a atingir diretamente António Costa. O ridículo da situação é que, com este afã contra o primeiro-ministro, agora até já incensam o tutor da Geringonça, um político capaz que tanto diabolizaram no passado. Mas, enfim, estamos no tempo do vale tudo.

sexta-feira, janeiro 20, 2023

Um guerra com barbas…

O líder checheno, Razman Kadyrov, criticou o facto de os homens não poderem usar barba se integrarem as Forças Armadas Russas. Belo tema de dissensão para quem está numa guerra.

Isso agora não interessa nada…

O ruído público criado em torno da TAP vai desgastando o governo e, quem sabe?, pode mesmo vir a contribuir para a sua queda. Mas há uma certeza: a TAP também vai por arrasto para o charco… Já estou a ouvir alguns irresponsáveis: “É um preço barato para acabar com esta maioria”. 

“A Arte da Guerra”


O reforço do armamento da Ucrânia pelos países seus apoiantes, as primeiras atribulações do novo governo de Israel e as tentativas de acordo entre o Reino Unido e a União Europeia são os temas abordados na edição desta semana de “A Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico” onde converso com o jornalista António Freitas de Sousa.

Pode ver aqui.

Eles aí estão!


Como se vê, este blogue tem alguns bizarros leitores. Na comodidade do anonimato, cavalgando um post que nada tem a ver com o assunto que querem tratar, insultam, cheios de uma coragem onde, lá no fundo, se deteta algum desespero. Deixo aqui a nota, pelo seu ineditismo: nunca na vida me tinham chamado “nazi”. É uma “première”!

ISCSP


A minha escola, o ISCSP, comemora 117 anos, desde o tempo longínquio em que foi uma escola vocacionada para os temas coloniais até à excelente escola de ciências sociais e políticas que hoje é. No meio de tudo isto, um nome foi essencial para aquela casa: Adriano Moreira.

quinta-feira, janeiro 19, 2023

O fim da linha

A sorrir de forma triste, Jacinda Ardern anunciou ter chegado, na política, ao fim da linha. A primeira-ministra neozelandesa constatou publicamente já não dispor da força anímica necessária para continuar a batalhar nesse terreiro. Antes, em tempos difíceis, tinha revelado determinação e coragem, em horas de pandemia, terrorismo e outras dificuldades, sempre com um sorriso simpático a humanizar a sua ação. Talvez pelo facto de a Nova Zelândia ser uma realidade distante, situada do outro lado das notícias e do mundo, esse mesmo mundo mostrou um inesperado interesse pelo surgimento ali daquela figura simpática, também num tempo de evidente fascínio mediático pelas mulheres novas que assumem papéis de relevo na vida pública. Agora, como é dos livros, nota-se uma atenção ao lado frágil de uma pessoa que um dia foi olhada como forte. Porquê? Talvez porque a revelação dessa fragilidade, de certa maneira, a aproxima do comum dos cidadãos, isto é, de nós.

Geografia

“A sua terra, Vila Real, tem as ruas cheias de neve!”. Disse-lhe que não, que só havia neve na serra. “Mas eu vi, na televisão, que mal se podia conduzir pelas ruas!” Expliquei que foi em Montalegre. “Mas isso não é em Vila Real?”. É no distrito de Vila Real. A 95 km da cidade… Como de Lisboa a Almeirim!

terça-feira, janeiro 17, 2023

A nossa guerra dos outros

Amigos estrangeiros não europeus com quem jantei no início desta semana, chegados a Portugal há breves dias, mostravam-se verdadeiramente espantados com a quantidade de tempo que a guerra na Ucrânia ocupa nas nossas televisões. E porque entendem português, notaram também que a nossa comunicação social, de forma clara e sem disfarce, tomou partido nesta guerra, não escondendo estar ao lado da Ucrânia, mantendo, ao mesmo tempo, uma forte acrimónia no tocante à Rússia. Expliquei-lhes que esse era também, à evidência, um sentimento maioritário no país. Mas também lhe disse que há por cá quem não goste da causa da Ucrânia, quem simpatize com os russos ou, muito simplesmente, esteja sempre do lado contrário àquele em que estão os americanos. Um  deles perguntou-me então se, no passado, em outros grandes conflitos internacionais, sem envolvimento direto de Portugal, o país, mediático e não só, também ficara tão fortemente inclinado para um dos lados. Disse-lhes que, ao que me recordava, nunca tal tinha acontecido em tempo de democracia (o outro não conta para o que aqui conta). Esta parece ser, de facto, a primeira vez em que os portugueses acabam por fazer sua uma guerra de outros.  

segunda-feira, janeiro 16, 2023

Manique do Intendente


Quantos portugueses conhecem Manique do Intendente, bem perto de Lisboa?



Lollo


Antes que seja proibido colocar na internet imagens de mulheres bonitas (não deve tardar muito), aqui fica uma fotografia de Gina Lollobrigida, agora na hora da sua morte. 

Here we go again!

Recomeçou o Toto-aeroporto, assunto sobre o qual qualquer leigo se arroga o direito de ter opinião, tema ideal para o achismo de café: “Eu, cá por mim, punha o aeroporto em … “

Alguns dirão que isto não abona muito em meu favor, mas confesso, com a maior simplicidade, que não tenho a menor opinião sobre o assunto.

Guerreiros

”I love the smell of napalm in the morning”, dizia o Robert Duvall no “Apocalipse Now”. Ao ouvir por aí alguns “warriors” de sofá, dos que fazem guerras com os mortos dos outros, tenho-me lembrado da frase.

Preços

 


Imaginativa imagem da Pordata para ilustrar uma notícia sobre o aumento de preços.

Tentativa de compromisso

Isto de hinos é complicado. Até por deformação profissional, eu gostaria muito que ”A Portuguesa” nos colocasse a todos a bradar “Às negociações!”, em lugar de “Às armas!”. Já tentei, mas não dá jeito nenhum!

Pergunta

Neste tempo em que tanta gente clama por mais gastos na Defesa, num tropismo jingoísta suscitado pela mobilização emocional pela Ucrânia, será mesmo o momento certo para contestar a letra do nosso hino, lá porque ele berra “Às armas!” e a marchar “contra os canhões”?

domingo, janeiro 15, 2023

Tenham juízo!

Vamos a ver nos entendemos: mudar o hino é uma perfeita insensatez - e estou a ser educado. Depois vem a bandeira, não é? E o nome do país? Não lhes parece comprido demais? Parece haver quem pense que a atual geração ”vê” mais do que todas as que a antecederam.

O Portugal que já não é o que era

 

É preciso já ter alguma idade para alguém se lembrar da “Ponderosa”. 

Não falo do famoso rancho da série televisiva “Bonanza”, por cá a preto-e-branco, em que o pai Cartwright e os seus três filhos, cada um com a sua ideossincrasia, revelavam um Oeste americano com uma bonomia e uma graça como, até então, o não tínhamos visto.

“Ponderosa” era também o nome, seguramente inspirado na série, de um conhecido restaurante na Estrada Nacional nº 1, na zona da Azambuja, onde, nos anos 60 e 70 do século que já vai, esteve na moda fazer uma refeição, nas idas e vindas para o Norte. Fechou, há muito. 

Em frente, também há bastante tempo, abriu um motel e mais um sítio para comer, o que por ali vier ao dente, que adotaram o mesmo nome. Não senti vontade de entrar, mas, pelo ambiente que se respirava do exterior, se há sítio adequado para afixar um calendário Pirelli dos antigos este será um deles.

O velho “Ponderosa”, de que deixo uma imagem desta tarde, terá sido, entretanto, uma discoteca. Hoje não parece ser nada, a não ser uma memória de outros tempos, de um dos muitos “lesados da autoestrada”.

sábado, janeiro 14, 2023

As palavras e as coisas

 


Mesa Marcada


É muito justo que seja feita uma menção especial ao site “Mesa Marcada”, onde preponderam Duarte Calvão e Miguel Pires. Tenho uma profunda admiração pelo que fazem.

Desde há vários anos que o “Mesa Marcada” leva a cabo uma ação de divulgação e promoção do extraordinário trabalho que, no nosso país, tem vindo a ser desenvolvido por grandes profissionais da cozinha, responsáveis por restaurantes de altíssima qualidade. O “Mesa Marcada” não só dá regular conhecimento sobre essa atividade como os seus prémios anuais são hoje uma marca de referência e rigor no setor.

Escrevo isto na plena consciência de que a área da restauração coberta pelo “Mesa Marcada” está, em geral, muito longe do terreno da oferta gastronómica, em termos de restauração, que por vezes assinalo, aqui e no meu blogue “Ponto Come”. Trata-se de “campeonatos” diferentes. Cada qual tem o seu espaço. 

Há uns anos, os responsáveis pelo “Mesa Marcada” tiveram a gentileza de me convidar para integrar um dos júris que votava os seus prémios. Não constituiu falsa modéstia o facto de eu me não ter considerado competente para essa função. Cada um deve saber medir aquilo que pode fazer bem.

Aqui fica a ligação para o excelente Mesa Marcada. Consultem-no.

O regresso do Henrique


Há semanas, noticiei por aqui o retorno às lides bloguísticas do Henrique Antunes Ferreira. Durante anos, para desgosto e preocupação dos amigos, o Henrique tinha entrado numa espécie de clandestinidade. Não tugia nem mugia nas redes sociais. Subitamente, ei-lo de volta! A sua “A Nossa Travessa” regressou à vida, com textos fortes, no estilo de escrita a que ele nos habituou e que deu mesmo origem a um livro que tive o gosto de prefaciar e apresentar. O Henrique desunha-se, por estes dias, em histórias em que aborda o quotidiano da paróquia, com verbo solto, chamando os bois pelo nomes. E, sempre que “posta”, faz o favor de nos avisar, aos seus amigos, não fosse dar-se o caso da nossa imperdoável distração nos fazer perder pitada. Se tiverem curiosidade, procurem-no ali, em “A Nossa Travessa”.

sexta-feira, janeiro 13, 2023

Sexta-feira, 13


Um amigo brasileiro, sabedor de que eu estaria hoje por Tomar, revelou-me o que, por completo, desconhecia: a tradição das sextas-feira 13 serem um dia de azar deve-se a um episódio ocorrido neste dia da semana, em 13 de outubro de 1307, quando um rei francês, sob pretextos vários, ordenou a prisão de milhares de cavaleiros e a extinção da Ordem dos Templários.

Aqui por Tomar, contudo, sede portuguesa da ordem, não detetei a menor movimentação solidária, em torno desta sexta-feira 13. Não fui ao Convento de Cristo, é verdade, mas, na cidade, o dia esteve magnífico, as águas do Nabão corriam pacificamente (como se vê pela imagem junta), pelo que, até à meia-noite, acho que ninguém espera o menor azar. 

Faço votos, em especial, que a maldição dos Templários não ponha qualquer mau olhado no “Bacalhau com carne”, a receita clássica da dona Maria do Céu, que, daqui a pouco, vou comer ao “Chico Elias”, ali nas Algarvias, com a mesa junto à lareira já reservada.

Não havia necessidade!


O "Expresso" fez 50 anos mas, para obter "clickbaits", com a desculpa de que se trata de humor, parece comportar-se como um adolescente reguila. É pena!

quinta-feira, janeiro 12, 2023

Ser e parecer

Um golpista não pode apenas parecer ser um golpista, tem de ser comprovado, à luz da lei, que o foi. A condição essencial para o Brasil conseguir sanear a sua vida política é assegurar um julgamento imparcial, incontroverso e justo dos reais conspiradores contra a sua democracia.

“A Arte da Guerra”


Esta semana, no podcast sobre questões internacionais do Jornal Económico, “A Arte da Guerra”, converso com o jornalista António Freitas de Sousa sobre os distúrbios no Brasil, as divergências no seio do Partido Republicano nos EUA e os aspetos mais recentes da guerra na Ucrânia.

Pode ver aqui.

Quem quer ser governante?

Devo ser eu quem está a ver mal o assunto, mas, à partida, acho muito bizarra esta ideia de um “questionário” para novos governantes. Quem convida é que tem obrigação de se assegurar previamente de que as pessoas têm as condições requeridas. Aquilo não é um “emprego”, caramba!

Fusíveis

Em todos os governos, há pastas ministeriais cujos titulares vivem a prazo, isto é, até que se esgote o capital de esperança colocado na sua cara, até que os lóbis corporativos deles dependentes concluam que pouco ou nada lhes calhará na partilha dos meios orçamentais disponíveis.

quarta-feira, janeiro 11, 2023

Brasil (17)

Quando, no domingo, eu disse na CNN Portugal, que devia ter sido precisamente este o discurso de Lula da Silva na sua primeira reação aos acontecimentos, fui muito criticado. É a vida! Vejam aqui.

Brasil (16)

"Olha que coisa mais feia" é um belo título escolhido pela Visão sobre os tristes acontecimentos de Brasília.

Brasil (15)

Como expectável, depois da quase unanimidade na condenação dos atos de violência em Brasília, começou o “refluxo” face às medidas tomadas: pedidos para reinstalação do governador e do chefe da polícia do Distrito Federal, acusação de ”exageros” nas prisões e imputações.

O escritor Harry Windsor


”O clima era típico de abril. Não exatamente de inverno, tampouco de primavera. As árvores estavam desfolhadas, mas o ar era ameno. O céu estava cinza, mas as tulipas brotavam. A luz era pálida, mas o lago cor de anil, que serpenteava pelos jardins, reluzia.”

Ucrânia

Debate com o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, moderado por Ana Sofia Cardoso.

Pode ver clicando aqui.

segunda-feira, janeiro 09, 2023

Brasil (14)

Como agora se constata no Brasil, as redes sociais são uma faca de dois gumes: tanto servem para montar correntes de violência como permitem, pelo obsessivo “voyeurisme” através dos telefones portáteis, identificar mais facilmente responsáveis por atos ilegais.

Brasil (13)

A arrogante transparência com que, nos últimos tempos, se tinha desenvolvido a organização da contestação de rua ao resultado eleitoral no Brasil pode voltar-se contra os manifestantes, agora que eles passaram a linha vermelha que separa o direito de manifestação da violência.

Bola

Pode perceber-se a perplexidade de alguns: se Portugal é um país que “produz” tantos e tão bem sucedidos treinadores de futebol, por que razão o novo selecionador é estrangeiro? Mas também entendo a Federação: trazer alguém reputado, de fora, pode “neutralizar“ mais a sua ação.

O populismo por cá

Os acontecimentos de Brasília têm de ser lembrados, alto e bom som, a quem, por cá, equiparou levianamente Lula a Bolsonaro, a quem, também por cá, se mostra tolerante perante o radicalismo incendiário, populista e alarmista de direita, dos discursos aos cartazes de rua.

Brasil (12)

O ministro da Defesa, José Múcio, determinou às Forças Armadas a desmobilização imediata de todos os acampamentos em frente aos quartéis, em todo o Brasil. Pelo modo como esta determinação for cumprida, perceber-se-á a força política do governo Lula.

Brasil (11)

Ao identificar alguns setores do agro-negócio como financiadores das movimentações de rua que resultaram na insurreição de domingo, Lula pôs o dedo na ferida: a saudável radicalidade da sua política anti-desmatamento tornou-o num inimigo jurado dessa gente.

Brasil (10)

Pelo tom que utilizou na sua (tardia) intervenção de hoje, Lula perdeu uma boa oportunidade de dividir os brasileiros que não votaram nele, deixando claro que nem todos são "fascistas" e que muitos haverá que não se identificam com os insurretos e se revêem na ordem democrática.

Brasil (9)

Uma divulgação maciça das imagens de destruição provocadas, nos edifícios do poder, pelo insurretos de Brasília pode vir a ter extraordinárias potencialidades pedagógicas. O brasileiro comum perceberá que vai ter de pagar os estragos provocados por esses energúmenos.

domingo, janeiro 08, 2023

Brasil (8)

O facto de, pouco tempo após o início dos acontecimentos em Brasília, vários notórios bolsonaristas terem corrido a demarcar-se dos atos violentos que estavam a ser praticados, foi um sinal claro de que o movimento golpista estava condenado ao fracasso.

Brasil (7)

As tentativas de subversão da ordem democrática, quando não têm êxito e são levadas a cabo de uma forma que debilita as forças políticas legais que são mais próximas dos seus objetivos, normalmente acabam por redundar num reforço do poder que tentaram afetar.

Brasil (6)

As forças armadas brasileiras, que, nas eleições presidenciais, difundiram posições redigidas num tom ambíguo, assumindo-se subliminarmente como tutela das instituições políticas, mantêm um estranho silêncio perante este grave atentado à autoridade democrática do Estado.

Brasil (5)

O principal efeito dos acontecimentos de hoje será nos partidos da direita brasileira, que deixam de ter legitimidade democrática para continuar a apoiar a contestação de rua face à eleição de Lula. Se o fizerem, serão inevitavelmente acusados de cumplicidade com a violência.

Brasil (4)

Será muito importante que a sociedade internacional deixe muito claro o apoio à ordem democrática no Brasil, o seu repúdio por todos os atos golpistas e, em especial, deixando intuir o isolamento a que estaria condenado um Brasil que viesse a seguir um caminho anti-democrático. Os militares brasileiros necessitam de ouvir isso.

Brasil (3)

Muito bem a posição tempestiva do Estado português sobre a situação no Brasil.

Brasil (2)

Os sinais equívocos dados pelo poder militar no Brasil, nunca atuando nem se distanciando face às manifestações junto dos seus quarteis, foram o principal alimento moral desta insurreição.

Brasil (1)

Os militares brasileiros anseiam que o poder político civil, numa manifestação da sua impotência para repor a ordem, requeira a sua intervenção. Nesse momento, os militares, sem derrubarem o poder democrático, irão colocar as suas condições.

sábado, janeiro 07, 2023

Alfredo Campos Matos


Recebi a notícia de que, com 94 anos, morreu Alfredo Campos Matos. Trata-se de um arquiteto que dedicou toda a sua vida ao estudo da figura e da obra de Eça de Queiroz, tendo ampla e valiosa bibliografia publicada sobre o escritor. 

O seu primeiro trabalho surgiu há quase cinco décadas. Chamava-se “Imagens do Portugal Queiroziano” e juntava fotografias de vários locais do país, em especial de Lisboa, referidos nas obras de Eça de Queiroz, cujos trechos eram mencionados. Porque eu próprio era um curioso dessa geografia queirosiana, recordo ter completado esse seu percurso, embora nem sempre consensual, de identificação dos locais. 

Campos Matos veio a publicar depois vários livros, de que cumpre destacar o monumental “Dicionário de Eça de Queiroz”, uma obra insubstituível, com valiosíssimas colaborações de muitos especialistas, que vai na sua terceira e muito desenvolvida edição.

Há uns anos, com José Sarmento de Matos, participei num debate em que o tema era a Lisboa dos cafés desaparecidos. Nesse jantar, num restaurante que o tempo também já levou, estava sentado um senhor idoso, que esteve silencioso até ao final da nossa charla. No final, apresentou-se-nos: era Alfredo Campos Matos. Quis simplesmente dizer-nos que tinha gostado muito de nos ouvir.

A partir de então, Campos Matos e eu trocámos alguns emails e chegámos a planear um almoço com outro distinto queiroziano, Luís Santos Ferro. O Luís morreu e acabámos por nunca concretizar esse encontro. O nosso último contacto foi a oferta que me fez da sua biografia de Eça de Queiroz, um trabalho onde procurou colocar todo o conhecimento que, ao longo de uma vida de investigação, adquiriu sobre o escritor.

Estou certo que o Círculo Eça de Queiroz e o Grémio Literário não deixarão de prestar a homenagem que a figura de Alfredo Campos Matos bem merece.

sexta-feira, janeiro 06, 2023

‘A Arte da Guerra”


A edição desta semana de “A Arte da Guerra”, o podcast sobre temas internacionais do “Jornal Económico”, uma conversa minha com o jornalista António Freitas de Sousa, faz uma abordagem prospetiva sobre o ano de 2023, iniciada naturalmente pela guerra na Ucrânia, seguida do Médio Oriente e terminando na América do Sul.

Pode ver e ouvir aqui.

Cada um é para o que nasce

Há jornais para tudo: o Diário da República nomeia; o Correio da Manhã demite...

Expresso - 50 anos


Nesse mês de janeiro de 1973, a notícia de que vinha aí um novo jornal estava a abalar a modorra dos dias lisboetas e fazia parte das nossas conversas, ao final da tarde e à noite, pelas mesas do Montecarlo. Todos tínhamos a noção de que o tal “Expresso” resultava, em linha quase direta, de setores da Ala Liberal que, dois anos antes, se afastara de Marcelo Caetano. Presumia-se, assim, ser uma dissidência morna do regime, meramente reformista, palavra com conotação pouco prestigiante, à luz do nosso radicalismo de então. 

Dávamo-lo como titulado por um certo “social set” lisboeta, gente “bem”, advogados e outros quadros liberais, com alguns nomes de família sonantes, em quem o regime não ousava tocar. Dizia-se pretenderem desencadear, por cá, uma onda económica modernizante, idêntica à que, em Espanha, Franco deixara surgir e prosperar sob a bênção da Opus Dei. A Sedes, que animava a reflexão de muita dessa gente, parte dela de extração católica, era a expressão organizada dessas ideias e eu, que em algumas noites tinha passado por lá, com discreta curiosidade, como “voyeur” de alguns dos seus debates, olhava para tudo aquilo com uma displicente sobranceria ideológica.

O jornal que então lia era o “Diário de Lisboa”, mas, todos os dias, na Tabacaria Martins, no Calhariz, ao sair do meu emprego na Caixa Geral de Depósitos, comprava também “A Capital”. Só muito raramente o “República”. Chegado a casa de familiares onde vivia, e onde jantava, ainda passava os olhos pelo “Diário de Notícias” dessa manhã e pelo vespertino “Diário Popular”, jornais que o meu tio preferia. Semanalmente, adquiria também a “Vida Mundial” e assinava o róseo “Comércio do Funchal”. De quando em quando, saíam “O Tempo e o Modo” e a “Seara Nova”. Lá de fora, reinava o “Nouvel Observateur”, comprado na Brasileira, que eu passara a preferir ao “L’Express”. Por essa altura, a imprensa anglo-saxónica não era, de todo, a minha praia.

O “Expresso”, surgido nesse mês de janeiro de 1973, não sendo um deslumbre, foi uma bela lufada de ar fresco. Abordava, com prudência mas numa linguagem nova, a política caseira, ousava alguma opinião que se sentia heterodoxa, até no estilo, abria-nos uma janela diferente para a leitura do regime. A forma como tratava a economia era, em absoluto, inédita entre nós, alguns temas sociais eram ali abordados com inegável coragem. Desde cedo, soube-se que a Censura atacava o jornal - e isso só o dignificava mais aos nossos olhos. 

Poucos meses passados, em março de 1973, fui para a tropa. Um ano e tal depois, comigo fardado, aconteceu um certo dia do mês de abril. Nunca deixei de comprar o “Expresso”, tenho quase a certeza de que não perdi um único dos seus número, dos 2619 que foram publicados até hoje, onde quer que eu estivesse a viver. O “Expresso” dos dias que correm promove uma orientação da qual, frequentemente, me sinto - aliás, cada vez mais - distante. Mas, por muito paradoxal que isso possa parecer, o "Expresso" não deixa de ser um dos meus jornais de vida.

Parabéns ao “Expresso” por este seu meio século. E um abraço, de gratidão cívica, a Francisco Pinto Balsemão.

quinta-feira, janeiro 05, 2023

De leitura obrigatória nos dias que correm (rápido)

 


Digo eu...

Pode não ser a única maneira de resolver esta endemia de casos, mas lá que ter menos membros no governo reduziria estatisticamente as hipóteses de bronca, lá isso não me oferece dúvidas.

Nota necrológica

Marcelo fez muito bem em ir ao funeral do papa Bento XVI. O chefe de um Estado com uma população esmagadoramente católica não podia estar ausente desta cerimónia. Escrevo isto, claro, como ateu que sou.

A ser verdade…

Uma das mais preocupantes notícias que ontem li foi a de que os candidatos portugueses aos concursos de entrada nas instituições europeias têm uma elevada taxa de insucesso, por inadequada formação académica, que lhes não permite estar à altura das qualificações requeridas. É muito triste.

Calendários de vida


É uma saudável e antiga tradição. A cada ano, as embaixadas do Japão pelo mundo distribuem lindíssimos calendários, sempre com fotografias artísticas, este ano de fantásticas flores. Na profusão das prendas natalícias, habituei-me, por todos os lugares por onde andei, à expetativa da chegada do sereno calendário japonês. Felizmente, aqui por Lisboa, ainda sou feliz usufrutuário desse amável gesto.

Os calendários estarão a acabar? Antigamente, na parede das casas comerciais ou dos escritórios, era de regra a existência desses referenciais cíclicos da vida, a que mensalmente era arrancada uma folha, representando a renovação do mês. Eram uns blocos retangulares, com letras garrafais, para serem lidas à distância, encimados por uma imagem, quase sempre uma paisagem, com publicidade destacada. No topo, uma argola para pendurar num prego de parede. Era uma coisa simples, mas quantas “pontes” ou férias, quantos “artigos quarto” (quem se lembra disto?) a “meter”, se planeavam, ajudados por aquele ano de vida em papel!

Nas garagens e nos quartéis de bombeiros, quem tem idade para isso lembrar-se-á que os pneus de marca Pirelli mostravam toda a sua raça através da oferta de icónicos calendários, neste caso agregando, a cada mês, figuras femininas que, mesmo nos meses de invernia, destapavam uma fogosa resistência às intempéries, já para não falar dos espartanos trajes em tempos cálidos. À medida que se folheava o ano, íamos descobrindo sempre novas e apreciáveis personagens, com cada mês a rivalizar com o outro. Dizem-me que essa contribuição pneumática para animar a alma de camionista que vive no íntimo de muitos já deixou de publicar-se naqueles apelativos moldes.

Este mundo já não é o que era, é o que é!

quarta-feira, janeiro 04, 2023

Importam-se?

Os repórteres televisivos não se dão conta de que os telespetadores ouviram bem as intervenções na AR que acabam de ser proferidas, pelo que se devem abster de no-las “resumir”, em especial quando o fazem impedindo-nos de ouvir o início dos discursos do interventor seguinte?

Mau ambiente

A política ambiental é a principal carta de apresentação internacional de Lula. Mas não está isenta de riscos: algumas áreas do agro-negócio, com forte expressão parlamentar, vão ser afetadas e há setores da comunidade indígena da Amazónia favoráveis ao desmatamento.

Trapalhadas

Como se viu nos últimos dias, na história política portuguesa o famigerado (gerado pela fama, etimologicamente) governo Santana Lopes passou a funcionar como uma espécie de “benchmark” ao contrário, em face de “trapalhadas” (termo também aí crismado) que envolvam qualquer governo.

Diversidade

Bem mais do que nos mandatos anteriores, as nomeações feitas pelo governo Lula 3 representam um imenso salto em frente no acolhimento de figuras representativas da diversidade do país. É um sopro de legitimidade a que vai ter de ser dada sequência, com políticas correspondentes.

10 teses de Ano Novo


1. A abstenção do PSD na moção de censura da IL agrava o afastamento entre os dois partidos e reduz as hipóteses do PSD poder vir a recuperar o eleitorado perdido para os liberais durante o consulado de Rio. Internamente, isso não deixará de potenciar um mal-estar face a Montenegro.

2. A menos que consiga um bom resultado nas europeias, a liderança de Montenegro ficará comprometida. O PSD é um partido de poder, que não se esgota no mundo autárquico. Perde cada vez mais quadros urbanos e, mais do que acontece com o PS, sempre sobreviveu mal a jejuns na oposição.

3. Com a crescente sangria que sofre à sua direita, o PSD tenderá a ser, no futuro, um partido de tamanho médio, com uma ideologia difusa, onde convive uma tendência social-democrata em diluição com setores populistas e de direita radical para os quais já há outros destinos de voto.

4. O espaço à direita do PS acabará por converter-se num conjunto de pequenos e médios partidos, federados apenas pela oposição aos socialistas. Sendo o PSD o maior deles, e sempre o único com hipóteses de liderar a sua coligação, não terá força para impor uma matriz ideológica.

5. No futuro, fruto de fragilidade do partido, qualquer líder do PSD, para chegar a S. Bento, terá de fazer fortes concessões à direita. O populismo do Chega e matriz a-social da IL descaraterizarão irremediavelmente o PSD numa eventual coligação. O CDS, se existir, será irrelevante.

6. Por muito que as “contas certas” e o saldo das tensões sociais nas ruas, em 23/24, venham a afastar os partidos à sua esquerda, para o PS a possibilidade futura uma nova Geringonça mantem-se aberta e será tanto mais forte quanto a hipótese de uma coligação de direita vier a desenhar-se.

7. O presidente da República sabe que uma dissolução da AR que pudesse vir a provocar uma nova Geringonça seria fatal à sua autoridade para o resto do mandato. Costa sabe que Marcelo sabe isto e a sua evidente displicência nesta remodelação também deve partir desta assunção.

8. Costa não corre o menor risco ao reforçar setores próximos de PNS no governo. Pelo contrário, isso limita mesmo o espaço para o antigo ministro das Infraestruturas vir a ser um “trouble-maker”, num partido que veria com maus olhos algo que ameaçasse a estabilidade do seu poder.

9. Medina é o único verdadeiro “fusível” de Costa. Se falhar nas Finanças, Costa falhará no governo. Se, como tudo o indica, sair incólume da questão TAP, em que a direita e algum “unfriendly fire” da máquina socialista o tentam envolver, Medina amealhará poder para o futuro.

10. O país está muito longe de estar tão mal como a direita mediática obsessivamente o pinta. Basta olhar mais os índices económicos e menos as televisões e o catastrofismo endémico que por aí anda. Mas Costa sabe que, às vezes, em política, o que parece é que leva ao voto.

terça-feira, janeiro 03, 2023

A urgência


Acontece, às vezes. Na complexidade administrativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é tomada a decisão de enviar um funcionário para um determinado posto no estrangeiro, mas, por atrasos imputáveis ao próprio ou aos serviços, o fulano demora eternidades a assumir funções. Se essa colocação havia sido motivada por razões urgentes, fica frustrada a rapidez que se pretendia imprimir ao ato.

Ao que consta, nesse final da década de 50 do século passado, o secretário-geral do MNE tinha-se empenhado em que um certo diplomata fosse colocado, com caráter de extrema urgência, num determinado posto, que era necessário reforçar. Tomada que havia sido a decisão, esqueceu o assunto, na suposição de que a sua determinação fora cumprida.

Eis senão quando, um dia, ao voltar de uma esquina dos claustros das Necessidades, o secretário-geral dá de caras com o homem (nessa altura, só havia diplomatas homens) que ele pensava, há já bastante tempo, a trabalhar algures. Sobreveio-lhe uma imensa fúria: “O que é que você está aqui a fazer?! Ainda não foi para o posto?”

O homem desfez-se em desculpas, arguindo imprudentemente com motivos pessoais imperativos que tinham atrasado a sua ida, o que irritou ainda mais o chefe da carreira, figura conhecida pelo seu feitio impaciente, que, por um instante, tinha suspeitado que tivessem sido os serviços - o “quarto andar”, como se diz no jargão da casa - a atrasar burocraticamente a partida do funcionário. Afinal, a culpa era do homem, só dele. Era imperdoável!

Com o dedo espetado e ar ameaçador, o secretário-geral intimou-o então, em voz alta e imperativa: “Ó homem, você vai JÁ, para o posto! Não quero vê-lo mais por aqui. Parta de imediato!”, e apontou para a porta do pátio, como que a querer vê-lo sair a correr.

Na memória do ministério ficou famosa a resposta do diplomata, que a doutrina se divide entre se foi dada em tom aturdido ou irónico: “Posso ainda ir almoçar a casa?”

segunda-feira, janeiro 02, 2023

Comentário

Nos comentários sobre questões internacionais que faço em televisão, procuro, tanto quanto possível, evitar que o meu sentimento pessoal sobre as questões polua as minhas análises. 

Tenho sido várias vezes criticado nas redes sociais por não dar ar de estar com “l’air du temps”, com as tendências predominantes dos dias que correm, até por deliberadamente não usar vocabulário ou adjetivação que anda em voga. 

Cada um é como é e eu respeito o modo como cada qual é. Eu sou assim e não mudo. Quem não gostar, pode mudar de canal. Se o canal não gostar, pode sempre mudar de comentador, claro. Todos somos livres.

Entendo que não me pagam para que eu vá para ali expor as minhas preferências ideológicas ou as minhas simpatias políticas ou mesmo geopolíticas. Sou contratado para, através da minha opinião, tentar explicar as situações, não para fazer proselitismo, para diabolizar ou endeusar. 

Tento tratar equitativamente os diversos lados das questões, explicando, com o máximo rigor e o melhor que sei, a perspectiva de cada um, não escamoteando ou dando ênfase, positivo ou negativo, a certos factos ou figuras. Mas sempre chamando “os bois pelos nomes”.

Em artigos ou nas redes sociais o caso muda de figura: quando me apetece, posso tomar partido. Num comentário profissional, tento, o máximo possível, evitar que isso aconteça.

É verdade que estas regras de que sou tão cioso, às vezes, acabam por ter exceções. Tal como já tinha sucedido aquando da saída de Trump, ontem, na intervenção que fiz na CNN Portugal sobre o Brasil, não consegui deixar de transparecer um sentimento de agrado pela saída de Bolsonaro. São as fraquezas humanas…

Já?

E agora, já se pode saber quem mandou matar Marielle?

Dois Brasis



Belém bem

Parece que há quem não tenha gostado da mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Eu gostei.

Lula cá


A presença de Lula em Portugal no próximo 25 de Abril é uma excelente notícia dada por Marcelo Rebelo de Sousa.

O suicídio político de Bolsonaro


Ao ter-se "suicidado" democraticamente, recusando-se a passar o poder institucional para Lula, Bolsonaro abriu espaço a esta habilíssima consagração popular.

Alegres trópicos


Um menu apresentado num jantar oficial, de natureza internacional, ajuda muito a perceber a imagem que um país deseja projetar de si próprio, à luz dos olhos estrangeiros. 

A gastronomia francesa foi, por muitos anos, o paradigma que a generalidade dos poderes nacionais europeus seguiu nas suas escolhas para a mesa. Diz-se que, em grande parte, isso se ficou a dever ao facto de ter havido uma “colonização” do gosto pelos sofisticados padrões da faustosa monarquia e da aristocracia gaulesas, facilitada pelo espalhar, pelas cortes europeias, dos cozinheiros fugidos à Revolução Francesa. Como é sabido, não apenas a gastronomia sofreu essa influência. Várias outras áreas da cultura da França, nomeadamente nas artes, se espalharam então pelo mundo - inclusivamente pelo Brasil, neste caso levadas pela corte portuguesa em fuga.

Os próprios menus eram, por muito tempo, escritos exclusivamente em francês, língua oficial de algumas cortes, numa prática que também era seguida, no plano interno, quando eram convidadas figuras da realeza doméstica. 

O surgimento de pratos nacionais nos menus oficiais, já dentro do século XX, representou, assim, como que o orgulho na afirmação de elementos da cultura gastronómica própria dos vários países, os quais, progressivamente, iam ousando competir com a gastronomia francesa.

Este menu da receção oferecida por Lula da Silva aos dignitários estrangeiros é, a meu ver, digno de uma tese de Claude Lévy-Strauss.

O último bolo-rei


Há minutos, numa das minhas tradicionais incursões noturnas pela cozinha, à cata de vitualhas sobejantes, feita pé-ante-pé, para não ser objeto de remoques matrimoniais, deparei com duas fatias de bolo-rei. Marcharam de imediato, como é óbvio. Fiz desaparecer o celofane em que estavam envolvidas, lavei o prato e acho que eliminei os vestígios do “crime”. (Em regra, não consigo. A empregada, no dia seguinte a estas expedições aos hidratos de carbono no andar de cima, denuncia-me, com um sorriso: “Deixou muitas migalhas na ida às bolachas e ao pão…” Até hoje, arrependo-me de ter acedido a que o chão da cozinha fosse em cerâmica preta).

Há muito que tenho a imagem do bolo-rei ligada à ideia de culpa. Sempre que olho para aquela bomba calórica, lembro-me de ouvir dizer: “Faz mal”. Um dia, era muito miúdo, perguntei ao meu pai: “Se faz mal, por que é que deixam vender?” Tenho na memória que me respondeu que se pode comer bolo-rei, mas não demasiado. Mas qual é a grossura da fatia que a faz cair no conceito culposo de demasiado? Insondável mistério.

Em criança, era vidrado nas frutas cristalizadas que ornamentam os bolos-rei. As cascas de laranja e de limão eram a minha perdição, tendo sido algumas vezes apanhado a deixar “carecas” alguns bolos-rei, por ir sacando discretamente, uma a uma, essas frutas coloridas, sempre hiper-doces. Em Viana, em casa da minha avó, fazia isso aos bolos-rei que vinham do Dantas. Em Vila Real, aos da Gomes. Ainda hoje resisto dificilmente a essa tentação. Quando resisto.

Com o Natal, este ano, passado em Lisboa, tomei a iniciativa, há semanas, de comprar um bolo-rei, numa ida à Versailles. (Chegado a casa, ouvi: “É muito cedo, vai secar”. Não secou, comi-o em poucos dias, com vinho do Porto a acompanhar). Não era mau, mas o que foi depois comprado no “senhor José”, na rua da Lapa, não lhe ficava atrás. Acabei há minutos de reconstatar isso. Ah! Noto que nunca comi o histórico bolo-rei da Nacional, que parece ser um “benchmark” da cidade. Mas, sempre que calha lá passar, nunca é Natal. Verdade seja que, como diz o outro, “Natal é quando um homem quiser”. Vou pensar nisso.

Uma última palavra para uma questão magna. Metade da graça em torno da coreografia do corte de fatias do bolo-rei, noutros anos, tinha a ver com o “suspense” da descoberta da fava e da prenda. Esta última era a que, em miúdo, verdadeiramente me interessava. E ainda sou do tempo em que a prenda era um artefacto metálico, de pôr ao peito, com uma agulha soldada. Vinha embrulhada em papel e detetávamo-lo ao mastigar. (“Horror dos horrores”, devem pensar os paizinhos contemporâneos, à luz dos hipercuidados de hoje!) Nunca ouvi dizer que alguém tivesse morrido por ter “engolido a prenda”, mas a ASAE já se encarregou, há muito, de nos proteger do arriscado prazer de nos “sair a prenda”.

Sem fava nem prenda, os bolos-rei, cá por casa, este ano, acabaram. Se se cumprirem os calendários, só lá para dezembro é que regressarão. E aí voltarei a sentir-me alegremente culpado.

25 de novembro