Amigos estrangeiros não europeus com quem jantei no início desta semana, chegados a Portugal há breves dias, mostravam-se verdadeiramente espantados com a quantidade de tempo que a guerra na Ucrânia ocupa nas nossas televisões. E porque entendem português, notaram também que a nossa comunicação social, de forma clara e sem disfarce, tomou partido nesta guerra, não escondendo estar ao lado da Ucrânia, mantendo, ao mesmo tempo, uma forte acrimónia no tocante à Rússia. Expliquei-lhes que esse era também, à evidência, um sentimento maioritário no país. Mas também lhe disse que há por cá quem não goste da causa da Ucrânia, quem simpatize com os russos ou, muito simplesmente, esteja sempre do lado contrário àquele em que estão os americanos. Um deles perguntou-me então se, no passado, em outros grandes conflitos internacionais, sem envolvimento direto de Portugal, o país, mediático e não só, também ficara tão fortemente inclinado para um dos lados. Disse-lhes que, ao que me recordava, nunca tal tinha acontecido em tempo de democracia (o outro não conta para o que aqui conta). Esta parece ser, de facto, a primeira vez em que os portugueses acabam por fazer sua uma guerra de outros.
20 comentários:
As linhas editoriais e os jornalistas que as desenvolvem, são o que os capitalistas, donos dos média, autorizam…e pagam! E os telespectadores, falta de cultura política e de diversificação dos media, são o resultado do que lhes servem. E não vou buscar mais longe, a 1917 por exemplo, a uma certa mensagem, servida na missa, três vezes por dia, o ano inteiro.Quando vejo os portugueses rezar nas praças publicas pelos nazis de Bandera, os algozes dos "progroms" e campos de concentraçao nazis...
Quando os media pertencem a uma só facção politica, que esperar doutro? Qual outro “continente” proibiu RT e Spoutnick, senão a Europa de Úrsula Van der Leyen?
Em França, vindos da indústria da construção, armamento, luxo ou telefonia, dez bilionários assumiram o controle de grande parte da mídia francesa. Com a chave, conflitos de interesse, censura, pressão, demissões, interferência doentia. Como garantir a liberdade de informação e o pluralismo da imprensa nestas condições.
Tudo pode ser comprado, tudo pode ser vendido, jornais, TVs, rádios. Alguns bilionários dividem o bolo. Resultado: 90% dos diários nacionais vendidos todos os dias pertencem a 10 oligarcas!Os mesmas possuem televisões e rádios que somam respectivamente 55% e 40% das quotas de audiência Portanto, hà uma grande probabilidade de ler, assistir ou ouvir mídias pertencentes a esse pequeno círculo de bilionários todos os dias.
Em Portugal, não sei !
Pergunto: mas não será a situação a mesma em muitos outros países europeus?
Em todos os países europeus está-se cortado dos meios de informação (e propaganda) russos e está-se abundantemente ligado aos meios de informação (e propaganda) americanos e ucranianos. Será que nos outros países europeus esses meios de informação (e propaganda) são usados com mais parcimónia do que cá?
Não me parece que esteja a ver bem a realidade. Não sei qual a nacionalidade dos seus amigos, mas duvido que sejam cidadãos da Europa Ocidental. Para esses, a globalidade dos média corporativos demitiu-se completamente do seu papel informativo e passou a ser meramente uma câmara de eco da mais rasca das propagandas, vinda de Kiev e aceite como factual, ou vinda dos departamentos de propaganda dos serviços de informação britânicos e do mesmo modo aceite como factual, sem qualquer contraditório. Exemplos, encontra-os em toda a imprensa britânica e na esmagadora maioria dos outlets televisivos do Ocidente, ingleses, franceses e americanos. Sobre a noção de a opinião pública portuguesa estar barricada em campos antagónicos, também não me parece verdadeiro; é certo que as televisões (efeito trickle down dos grandes media corporativos) estão recheadas de “especialistas” (algo que diz muito da falta de qualidade do ensino das Humanidades) em belicismo e em propaganda da fezada. (continuo no comentário seguinte)
(Continuação) Representam a voz do dono, e são o partido da guerra. Esses pundits influenciam um grande número de pessoas, porque são omnipresentes, como por exemplo zelenski é omnipresente diariamente nas nossas televisões (caramba, o senhor tem mais tempo de antena do que muitos líderes partidários nacionais). É preciso associar a esse facto a questão da censura brutal dos meios de informação do outro lado e do ostracismo a que são votados os ocidentais que não concordam, imediatamente qualificados como “putinistas” ou membros do “PZP”. O cidadão comum embarca nestas golpadas, é bombardeado todos os dias com a justeza das mesmas mas, parece-me, ficaria muito mais satisfeito com uma solução negociada do que com o prolongamento ad infinitum do conflito. O cidadão comum está a sentir no bolso forte e feio as consequências das arengas dos pundits que os lideram e começa a duvidar. Na prática, podemos dizer que existe um esmagador partido da guerra mediático e que vão existindo meia dúzia de indivíduos, entre os quais me incluo, que representam o partido da paz. O problema do partido da guerra é que não tem qualquer visão para além das considerações morais sobre o conflito e da necessidade, em virtude desses considerações, de só parar a guerra com uma vitória total da Ucrânia sobre a Rússia.
(E última tranche). É uma visão profundamente superficial e maniqueísta: Ucrânia e nós bons, Rússia (e eventualmente China maus). Já o partido da paz, não tem essa visão. O que considera poderá ser resumido nos seguintes pontos: 1 – É impossível derrotar militarmente a Rússia. 2 – A Rússia não está isolada, tem do seu lado a esmagadora maioria do que se tem vindo a designar, erroneamente, por sul global (África, América do Sul, Índia, Países Árabes e China). 3 – Esta não é uma guerra entre Ucrânia e Rússia, é uma guerra por procuração entre a Europa Ocidental/EUA e a Rússia, com a Ucrânia como palco de batalha. 4 – Esperanças na queda do regime do “diabólico” Putin são infundadas e mesmo que tal acontecesse nada nos garante que não surgisse uma liderança ainda pior. 5 – Para além do povo ucraniano, os maiores derrotados desta guerra são os cidadãos da Europa Ocidental e a própria relevância da UE, que rapidamente está a perder a importância económico-política global que tinha antes do conflito. 6 – Quem mais tem lucrado – claro, por isso a continuação da guerra – são os amigos americanos. 7 – A Europa Ocidental está convertida num vassalo dócil dos EUA. 8 – Os fabricantes de armas, Raytheon e afins, estão felicíssimos. 9 – A estratégia de mandar armamento aos bochecos em nada altera a situação no terreno, só acaba com os stocks de armas da Europa Ocidental e remete para a necessidade imperiosa de repor os mesmos, o que só causará mais pobreza. 10 – Desenganem-se os que julgam que a prazo o conflito terá uma solução como a do Vietname ou do Afeganistão (retirada russa humilhante). Será necessário recordar que a esmagadora maioria das populações dos territórios presentemente ocupados pela Rússia são cidadãos russófonos?
Dados estes pontos e mais se poderiam acrescentar, a resposta apresentada pelo partido da guerra (os enxames de especialistas da fezada que referi) é invariavelmente irracional, porque assente num duvidoso critério moral: Rússia má, Ucrânia e Ocidente bons. Tudo o resto passa para segundo plano e o objetivo do partido da guerra é só um: escalar o conflito “no matter what it takes” ou quais as consequências, até uma vitória decisiva sobre os russos. Já o partido da paz (ou pelo menos eu) vê para além disso e considera que, face à impossibilidade de uma vitória militar (a não ser num cenário de 3ª guerra mundial, de onde eventualmente nenhum partido sairia vencedor), face à impossibilidade de efetuar um “regime change” (que poderia ter consequências ainda piores, imagine-se um belicista como Medvedev à frente dos Russos), o que sobra é negociar. Claro que, se Ocidente não confia nos russos, o que dizer destes, quando têm sido enganados a torto e a direito (ver as recentes declarações de Merkel e de Hollande sobre os acordos Minsk) pelo Ocidente? Portanto, está tudo muito complicado. Talvez uma solução coreana, com um estabelecimento de zonas desmilitarizadas, seja o caminho. Certo, certo, é que é impossível bater os russos, é impossível dissuadir os chineses de os continuarem a apoiar (sabem que se a Rússia fosse derrotada seriam os próximos na calha) e é impossível vencer a guerra sem que esta se transforme na 3ª e potencialmente última. Assim, desanuviar, eventualmente remover Zelenski e a sua clique corrupta por uma mais razoável seja o caminho. Infelizmente, não há sinais disso, pelo contrário, parece que a loucura que deu origem à 1ª guerra mundial se apossou dos líderes medíocres que dominam o Ocidente. Um bom dia, Espero que esta minha reflexão o ajude a velhor melhor o que está e a agir em conformidade.
Ainda bem que a guerra na Ucrânia ocupa as nossas televisões. É sinal de que não andamos a dormir na forma e que estamos alinhados com os valores correctos (o que nem sempre acontece).
A propósito, vi ontem na CNN um debate entre os majores-generais Isidro Moreira e Agostinho Costa, que têm visões diferentes sobre o conflito. Embora não partilhe as opiniões do último, deu para entender que as ajudas à Ucrânia são ainda muito insuficientes.
"estamos alinhados com os valores correctos " Boa, eu também estou alinhado com os valores corretos. São é diferentes dos dominantes nos media.
Zeca
Senhor embaixador, também foi assim durante as guerras do Golfo e da Jugoslávia. Apenas não havia canais só de informação como agora, que têm de encher horas de emissão. Mas o mesmo tipo de "parcialidade" também já se tinha verificado com Trump e Bolsonaro, por exemplo, ou durante a pandemia, acusando-se qualquer opinião divergente de ser negacionista. E ainda hoje, em certos contextos, até parece mal criticar certos partidos, como sejam o PCP e o BE, é-se logo fascista. É estar atento.
Tragicamente para os ucranianos, esta guerra, que ainda teve uns assomos de possível Paz antes da visita de Boris Johnson a Kiev, onde deu instruções a quem por lá pontifica no papel formal de presidente, explicando que era preciso ir até ao fim e que a vitória estava ali mesmo ao virar da esquina, parece que está mesmo fadada a terminar no campo de batalha. É evidente que o poder político ucraniano não tem vontade própria nem autonomia, mas é evidente também que os russos estão em posição de levar o conflito para um desfecho que lhes será favorável, lançando uma ofensiva definitiva com esse objectivo já no final de Janeiro. Em certo tempo, trouxe aqui à liça uma pergunta que agora recupero: sendo certo que os conflitos terminam com a rendição de um dos contendores ou com o estabelecimento da paz por via diplomática, seria talvez altura de recapitular todo o comentarismo oficial do regime (não se preocupe Francisco, que não o incluo no grupo) e ver qual o grau de coerência de razoabilidade e de verdadeira sustentação de tanto quanto foi dito. Por outro lado e em contraponto, temos a hipótese alternativa de um escalar do conflito para além da racionalidade. Julgo que quanto a isso, me dispensarão seguramente de comentários adicionais. Deste modo, é talvez tempo de explicar a muita gente quem nos trouxe até aqui, porque razões o fez e quem com isso beneficiou e espera beneficiar. O resto, está sobremaneira clarificado em vários comentários que por aqui li.
Hoje tive que acompanhar alguém a um hospital para fazer análises, exames, consultas, passei quase todo o dia em salas de espera, o que me acontece com bastante frequência.
Como a parte do transporte não foi feita por mim, andei de metro e de autocarro, estou farto do carro e dos 20 kms dentro de Lisboa que não posso deixar de fazer todos os dias, há percursos que só o carro encurta em tempo.
Continuo a considerar que a gente "da rua" não está assim tão motivada para defender ou atacar quem quer que seja, isto tudo está lá longe e o complicado dia-a-dia está aqui mesmo junto a cada um, aquilo são mais "problemas" de quem não tem que andar a correr para ganhar a vida.
Agora que ninguém quer ter chatices com o vizinho do lado e evita tomar posições contra a corrente é um facto que baralha os inquéritos.
Parece que os saudosistas da URSS e partidários da Rússia se mostram mais animaditos com as últimos desenvolvimentos da guerra (e com o melhor ar do Putin). É vê-los agora (e por aqui também) a meter a cabecinha de fora e a tentar procurar na realidade legitimação para as suas desarrazoadas ideias. Mas, como é óbvio, a vitória que sonham, se não acontecer a curto prazo, vai ser impossível.
Não sei, não compreendo, como podem os portugueses ouvir, sem um arrepio na espinha, certas declarações de responsáveis europeus, como a do presidente polaco a dizer que se a Ucrânia perder a guerra será um passo a caminho da 3.ª guerra mundial. É que, não estará aquele senhor a ver as coisas precisamente ao contrário?!
Bons argumentos do Lúcio Ferro, a quem agradeço os três posts.São esclarecedores e partilho da mesma opinião. Presumo que a resposta do Francisco é a do autor do blog. É uma proposta equilibrada, sensata e realista. Que venha a paz, que se lute pela paz e se olhe para o que aconteceu no século XX. Olhinhos atentos ao desenrolar da Grande Guerra (14-18)que começou de mansinho e com grande entusiasmo de ambas as partes. O meu avô paterno ficou prisioneiro em La Liz. Passou o resto da guerra num campo de prisioneiros na Alemanha e regressou a Portugal em 1919. Ele foi voluntário, tão voluntário que até mentiu na data de nascimento, para ir combater (o facto de ter nascido em Espanha, ajudou na marosca). Regressado, seguiu a carreira militar e foi até Timor. Foi saneado em 1936, naquela grande purga promovida pela gente do beato António de Sta.Comba. Em 1974 fizeram-lhe justiça - recebeu todos os vencimentos desde a data da demissão - e foi promovido a coronel, recebendo a partir daí a pensão de oficial.
Rui Esteves. O autor do blogue não é o “Francisco”.
Lúcio Ferro. Comecei por escrever “Amigos estrangeiros não europeus”. Não leu?
Um conjunto de opiniões muito interessante e enriquecedor de um possível diálogo veio este seu texto suscitar, ainda que haja sempre quem não o veja assim e alguém para quem os "diálogos" só se resolvem à "porrada", desde que não tenham que ser eles nem a ter que a dar e muito menos a ter que a levar.
Como não sei qual era a nacionalidade dos seus amigos atrevo-me a descrever um cartoon que encontrei por aí.
Era um mapa do mundo a branco mas com a UE e os EUA em tons escuros e o título "A comunidade mundial segundo os meios de comunicação social ocidentais".
Não há dúvida que a imagem da Sra Merkel na praça de Kiev não se esquece e foi uma provocação, mas fico admirado com o número dos que ainda alinham com essa conversa do Espaço Vital.
A leitura de ‘Guns of August’ de Tuchman e de ‘The Sleepwalkers’ de Clark, sobre o início da I Grande Guerra, faz-me pensar nalguns paralelismos preocupantes com esta guerra, sobretudo com o que Clark caracterizou como o sonambulismo da liderança na Europa da altura.
Caro Francisco Seixas da Costa, obrigado pela correcção; terá sido um lapso freudiano da minha parte, quando estava a editar o meu texto; penso que inicialmente escrevi: "Não admira que os seus amigos não sejam da Europa Ocidental". sobre a substância, o meu caro tem algo a acrescentar, ou genericamente concorda?
A propósito do que disse o Anónimo das 02.07, faço a ligação para um artigo de Ferreira Fernandes de 27 de fevereiro de 2014.
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/ferreira-fernandes/o-espaco-vital-alemao-e-nos-mortal-3709667.html
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