sexta-feira, janeiro 06, 2023

Expresso - 50 anos


Nesse mês de janeiro de 1973, a notícia de que vinha aí um novo jornal estava a abalar a modorra dos dias lisboetas e fazia parte das nossas conversas, ao final da tarde e à noite, pelas mesas do Montecarlo. Todos tínhamos a noção de que o tal “Expresso” resultava, em linha quase direta, de setores da Ala Liberal que, dois anos antes, se afastara de Marcelo Caetano. Presumia-se, assim, ser uma dissidência morna do regime, meramente reformista, palavra com conotação pouco prestigiante, à luz do nosso radicalismo de então. 

Dávamo-lo como titulado por um certo “social set” lisboeta, gente “bem”, advogados e outros quadros liberais, com alguns nomes de família sonantes, em quem o regime não ousava tocar. Dizia-se pretenderem desencadear, por cá, uma onda económica modernizante, idêntica à que, em Espanha, Franco deixara surgir e prosperar sob a bênção da Opus Dei. A Sedes, que animava a reflexão de muita dessa gente, parte dela de extração católica, era a expressão organizada dessas ideias e eu, que em algumas noites tinha passado por lá, com discreta curiosidade, como “voyeur” de alguns dos seus debates, olhava para tudo aquilo com uma displicente sobranceria ideológica.

O jornal que então lia era o “Diário de Lisboa”, mas, todos os dias, na Tabacaria Martins, no Calhariz, ao sair do meu emprego na Caixa Geral de Depósitos, comprava também “A Capital”. Só muito raramente o “República”. Chegado a casa de familiares onde vivia, e onde jantava, ainda passava os olhos pelo “Diário de Notícias” dessa manhã e pelo vespertino “Diário Popular”, jornais que o meu tio preferia. Semanalmente, adquiria também a “Vida Mundial” e assinava o róseo “Comércio do Funchal”. De quando em quando, saíam “O Tempo e o Modo” e a “Seara Nova”. Lá de fora, reinava o “Nouvel Observateur”, comprado na Brasileira, que eu passara a preferir ao “L’Express”. Por essa altura, a imprensa anglo-saxónica não era, de todo, a minha praia.

O “Expresso”, surgido nesse mês de janeiro de 1973, não sendo um deslumbre, foi uma bela lufada de ar fresco. Abordava, com prudência mas numa linguagem nova, a política caseira, ousava alguma opinião que se sentia heterodoxa, até no estilo, abria-nos uma janela diferente para a leitura do regime. A forma como tratava a economia era, em absoluto, inédita entre nós, alguns temas sociais eram ali abordados com inegável coragem. Desde cedo, soube-se que a Censura atacava o jornal - e isso só o dignificava mais aos nossos olhos. 

Poucos meses passados, em março de 1973, fui para a tropa. Um ano e tal depois, comigo fardado, aconteceu um certo dia do mês de abril. Nunca deixei de comprar o “Expresso”, tenho quase a certeza de que não perdi um único dos seus número, dos 2619 que foram publicados até hoje, onde quer que eu estivesse a viver. O “Expresso” dos dias que correm promove uma orientação da qual, frequentemente, me sinto - aliás, cada vez mais - distante. Mas, por muito paradoxal que isso possa parecer, o "Expresso" não deixa de ser um dos meus jornais de vida.

Parabéns ao “Expresso” por este seu meio século. E um abraço, de gratidão cívica, a Francisco Pinto Balsemão.

7 comentários:

manuel campos disse...


Tenho uns 10 anos da "Vida Mundial" completos, aí entre 1965 e 1975, naquelas "encadernações" próprias que havia, de enfiar a zona central da revista numa espécie de fio grosso (ou de cordel fino), com o nome em letras grandes na lombada e que levavam cada uma já não me lembro quantas revistas (não as tenho em Lisboa, estão numa estante de um sótão algures no país).
Ainda aguentei o "vício" uns bons tempos depois de Abril mas a revista foi sendo tomada de assalto por ideias cada vez mais radicais e pessoas cada vez mais paranóicas (para o meu gosto).
Para gente dessa já me bastavam os que me queriam sanear de braço no ar cada vez que abria a boca, só não o faziam porque eu era "Alferes de Abril" para alguém na mesa da AG de Trabalhadores e alguns deles ainda eram graduados da Mocidade Portuguesa a 24 de Abril de 1974.

De vez em quando vou buscar uma pasta ao calhas e fico ali uma tarde inteira, os artigos de política internacional, muitas vezes traduzidos de grandes jornais da época, com a leitura da época e sem os anacronismos com que hoje querem que a gente interprete a época, são um valioso contributo para a interpretação do mundo em que estamos, a chave está quase sempre nos
últimos 50 anos.

Unknown disse...

Deixei de comprar o Expresso. As notícias velhas não interessam e as novas deixaram de ser atractivas. Não tenho qualquer interesse pelos artigos de opinião, alguns radicais de esquerda. Embirro com as opiniões do MST sobretudo em relação à guerra da Ucrânia. A revista tem pouco interesse. No entanto, e de repente, comecei a ver os jornalistas de política do Expresso, sobretudo na SIC, a desancar no governo. E isso não é bom para António Costa!

Manuel Pacheco disse...

Quando são divulgados os nomes que o Expresso há anos dizia que ia divulgar? Mexia com gente graúda? Os defeitos que vemos nos outros nos nossos são virtudes!

manuel campos disse...


Senti o mesmo que o "Unknown" nos últimos tempos.
O Grupo Impresa está muito mudado.
O Grupo Sonae já não é o mesmo.
Os outros todos vão na nova onda e mudam aos poucos.
A leitura é simples: os "Senhores do Mundo" leram Lampedusa.
E disseram "Faites vos jeux", um dia destes dirão "Rien ne va plus".

Anónimo disse...

Fernando Neves
A queda em qualidade do Expresso é triste. Se não foseem os bons artigos e críticas das artes da Revista não sei se continuaria a compra-lo

manuel campos disse...


Este é o blogue certo para postar este texto, aqui se têm levantado questões relacionadas com o que segue, o texto estava em parte escrito.
Acabo de ler no Expresso que os acidentes com trotinetes levaram 70 pessoas ao hospital em 2021 e 995 em 2022.
Ora esta média diária de 2.7 pessoas parece-me muito razoável, direi mesmo aceitável, até mesmo para o modesto e passo a explicar porquê.
Os médicos começam a encarar a situação como um caso de “saúde pública” pois muitas vezes não são só uns arranhões (esses muitas vezes tratam-se em casa ou na farmácia) mas situações bastante graves com sequelas duradouras ou permanentes (soube de um caso gravíssimo destas últimas).
Li também que muitos países começam a pensar em tornar obrigatório o capacete (alguns já o fizeram) mas que têm receio que essa imposição leve a um menor uso das ditas, o que poria em causa os esforços na transição energética e na libertação dos combustíveis fósseis e mais não sei o quê.
Conversa da treta porque o problema para mim está na quase impossibilidade em fiscalizar e na estranha incapacidade em se legislar no sentido em que muitas cidades por essa Europa fora (e não só) já o fazem ou já o pensam.
Basta viver aqui onde vivo ou andar por aí pela cidade para se ver que, na sua enorme maioria, os utilizadores das trotinetes não são pessoas que tenham trocado o carro por elas.
Moro num bairro antigo, já não digo que é velho porque, à medida que deitam abaixo os prédios bastante feios e com pouco a preservar, com mais de 100 anos, vão construindo prédios modernos, alguns deles não menos feios, com andares bem “minúsculos” ao preço de andares bem “maiúsculos” aí na periferia mais próxima.
A renda de um T1 chega fácilmente a 2 SMN, consta que 25% da população não é portuguesa, como está sempre cheio de turistas não se distingue o turista ocasional do turista residente.
Há uns anos eliminaram muitos lugares de estacionamento, o que achei muito bem, reforçaram as zonas pedonais, o que achei ainda melhor.
A primeira achei bem porque posso alugar 2 lugares aí numa garagem de recolha, optei em devido tempo por isso, o que nem toda a gente pode fazer.
A segunda é que é mais complicada, as zonas pedonais são agora pistas de corrida de trotinetes e bicicletas, como são largas os peões têm a suprema sorte de ter mais espaço para fugirem e mais locais para se abrigarem.
A rua onde fica a garagem é estreita (bairro antigo), tem só um sentido e, quando saio de carro tenho que olhar para a esquerda para ver se vem algum carro, bicicleta ou trotinete, mas também e não com menos cuidado para a direita, que bicicletas e trotinetes estão todo o dia a acelerar por ali fora como se o sentido não fosse proibido.
Trotinetes em cima dos passeios estreitos chegam a ser 6 ou 7 em cima umas das outras ou postadas nas esquinas, com o tal largo espaço pedonal ali a 10 mts, idosos e menos idosos que mal conseguem andar e pessoas com carrinhos de bébé que passem pela rua, o civismo nunca foi um dom nacional mas não vai ser ainda com as próximas gerações que ele vai despontar.
À porta do liceu mais próximo, à hora do almoço, miudagem de 11, 12, 13 anos faz provas de slalom entre os carros e os passantes, com aquele cuidado que a todos nos caracterizou nessas idades, até “cavalinhos” com trotinetes (!) já vi, algumas tangentes que sofri levam-me a crer que ou chego antes a casa ou ao hospital , o que acontecer logo se verá.
E assim limito-me a sorrir quando algum conhecido que mora aí num condomínio fechado ou numa rua onde não acontece nada me vem falar de como acha bonito ver tanta gente nova de trotinete.
Eu considero é que com regras claras era capaz de ser melhor para todos, os votos dos que se sentissem incomodados com as regras era capaz de ser mais que compensado pelos votos do que se sentiriam aliviados com elas.
Fica para outra altura a visão do problema de quem também anda ao volante e que nos últimos 57 anos só “bateu” uma vez, há uns anos, uma grelha nova e um para-choques pintado de novo, nada de grave (e foi noutro carro).




manuel campos disse...


Estou banzado!
Ainda há 2 dias aqui postei sobre zonas históricas, passeios e velocidade e hoje deparo-me com isto:

https://www.publico.pt/2023/01/09/local/noticia/trotinetes-lisboa-vao-menos-estacionamento-proprio-velocidade-reduzida-2034312

Até estou com receio de postar sobre o que quer que seja, pode-me dar para alguma maluqueira e no dia seguinte estar feita.

"Quem quer regueifas?"

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