Não é, em regra, muito bom sinal quando um dirigente político faz uma declaração, no calor de uma conferência de imprensa ou à margem de uma intervenção, e, depois, surge um comunicado a esclarecer o que ele quis dizer - em regra, algo diferente. Com Biden está a acontecer muito.
segunda-feira, maio 23, 2022
França
Um ministro do novo governo francês, um executivo que foi desenhado numa lógica que se pretendia impecável no terreno do politicamente correto, surge acusado de abusos sexuais. Já só se olha para a nódoa, esquecendo-se o pano. É a vida!
América
Criámos, ao longo dos anos, a ideia de que o essencial da decisão política dos eleitores americanos eram as temáticas económicas. Os últimos tempos revelam que as questões culturais, ideológicas e identitárias, se tornaram num fator mobilizador de escala similar.
Exterminador tardio?
As secretas britânicas (é prudente saber quem diz o quê) anunciam que os russos vão enviar para a Ucrânia um temível tanque de guerra, dito o “Exterminador”. Tendo ali perdido (ucranianos dixit), em três meses, mais soldados do que no Afeganistão, será um pouco tarde, não será?
Kamala
É minha impressão ou Kamala Harris anulou-se ou foi anulada, no estrelato da administração americana? Não, não vale a pena elencar-se os sítios onde ela tem ido. Estou a falar daquilo que ela (não) tem dito, para mostrar estar à altura de poder substituir Biden, se necessário.
domingo, maio 22, 2022
A Delícia do dia
Neste domingo de clima “ranhoso” (era a minha mãe quem assim qualificava este tipo de dias sem sol, em que, às vezes, até caem uns pingos de chuva, o que se torna mais pesado por ser domingo), antes de passar pela avenida D. Carlos (como republicano, nunca escrevo “D. Carlos I”, porque não vai haver “segundo”…), para ir ver os jacarandás (contudo, os do Rato estão mais bonitos, e isto não é viés político), decidi ir almoçar a Moscavide.
A Moscavide? Já estou a imaginar alguns leitores finaços a estranharem este arroubo de amesendação suburbana. Isso mesmo! A Moscavide, onde, com amigos, fui almoçar à Delícia, uma marisqueira “sem efes e erres”, nada “cheia de nove horas”, onde nunca comi mal. Como hoje, uma vez mais, aconteceu.
Estava a meio da faena gastronómica quando um simpático cliente se aproximou da mesa e me disse que, embora situado em outro quadrante ideológico, lia com regularidade e gosto este espaço mas, o que é mais “grave”, que também seguia com atenção as sugestões que, por vezes, vou dando sobre restaurantes, num meu outro blogue, o “Ponto Come”.
Ora isso é tema que fia mais fino! Mandar um bitaite sobre a Ucrânia ou sobre a Europa, vá que não vá. Uma opinião política vale o que vale, isto é, vale o que quem a lê entende que ela vale. Nem mais nem menos! Mas aconselhar alguém a ir fazer uma refeição ao restaurante “Zé dos Anzóis” (não existe, que eu saiba! É apenas um exemplo!) é um ato que se resveste de alguma responsabilidade.
Devo dizer que, cada vez mais, tenho alguma preocupação quando destaco por escrito um restaurante. É que, de um dia para outro, com a crise da pandemia, com a falta de pessoal ou com a mudança de dono, uma casa que no passado se nos ofereceu como simpática, passa a ser um sítio “inível”, isto é, que deixou de ser “ível” (onde se pode ir). Ou pode ter disparado muito nos preços, que é uma pandemia por aí muito comum (em especial nos vinhos).
Por agora, fiquem descansados. Podem ir à vontade à “Delícia”! Preços decentes. Ah! Mas não esperem luxos: a sala tem um ambiente solto, de famílias (em especial aos fins de semana), barulho qb, porque uma marisqueira popular lisboeta é isso mesmo. Por ali terão, garantidas, simpatia, comida honestíssima e uma boa carta de vinhos (desta vez, optámos por um agradável tinto de jarro da casa). Se lá forem, pela certa que sairão satisfeitos. Ah! Mas reservem sempre! Porque há mais gente que já descobriu este sítio bem comer…
Quando não sei…
Ontem, na CNN, ao ser-me colocada uma questão à qual não sabia responder, disse: “Não sei”. Senti-me bem.
A Ucrânia e a Europa
Talvez isso nunca venha a ser assumido, mas parece-me hoje óbvio que algumas vozes do Conselho da UE, como Macron, Costa e outros, diferem, em algo que excede a questão do estilo, do modo como a Comissão encara a candidatura da Ucrânia. E, a meu ver, têm plena razão.
sábado, maio 21, 2022
Turquia
E se a Turquia vier a fazer subir a parada e colocar, na grande mesa negocial que pode estar a ser desenhada, a retomada da sua própria candidatura à União Europeia?
Macron
Tudo indica que Macron vai ganhar as legislativas, em 12/19 de junho. Para isso, o governo agora nomeado tem de ser uma montra apelativa do seu “novo” projeto político. É que se uma outra maioria o viesse obrigar à “coabitação”, a sua renovada legitimidade diluir-se-ia. À suivre!
sexta-feira, maio 20, 2022
Europa, Europa
Emannuel Macron não tem a mesma perspetiva que António Costa sobre o papel do MNE na transversalidade interdepartamental dos Assuntos Europeus. Foi anunciado há pouco: “Ministre de l’Europe et des Affaires étrangères : Catherine Colonna”.
Gov 2.0
O novo governo francês, agora conhecido, é desenhado a régua e esquadro do politicamente correto mais burilado. Desde a sua diversidade à bizarria dos nomes de alguns ministérios, com “igualdade”, “transição” e “soberania” qb, está por ali tudo. Boa sorte é o que se lhe deseja.
Memória divertida
Há anos, um certo partido prometeu, na campanha eleitoral, criar um ministério para as “comunidades portuguesas”. Constituido o governo, passou a haver um “Ministro dos Negócios Estrangeiros… e das Comunidades Portuguesas”! O truque semântico foi tão ridículo que não se repetiu.
O culto do voto
É “comovente” a fé russa na via referendária. Depois de 2014, um rápido referendo na Crimeia legitimou a invasão. Em Donetsk e Luhansk foram pela mesma via. Agora, em Kherson, pode vir a surgir uma nova “república” pelo mesmo método. Imagina-se o rigor dos cadernos eleitorais!
Diplomatas & ofícios correlativos
O governo português, no início de abril, decidiu expulsar 10 funcionários da embaixada russa em Lisboa. Nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, não tinha de justificar o gesto, mas fê-lo: disse que essas pessoas estavam a atuar à margem das funções para as quais tinham sido acreditadas. E deu-lhes duas semanas para abandonar o país.
A simultaneidade da decisão portuguesa com a atitude similar por parte de outros países ocidentais, justificada pela conjuntura ucraniana, não ilude o facto de esta ação ter sempre, formalmente, uma natureza bilateral. No passado, houve ocasiões em que alguns países, parceiros ou aliados, tomaram medidas diplomáticas contra a Rússia, tendo Portugal, como outros Estados, decidido não proceder da mesma forma. É uma evidência que o tendencial tratamento similar de questões externas, no âmbito da União, tem vindo a criar uma espécie de “jurisprudência diplomática” europeia. Mas, como também se refere nos tratados, a política externa dos Estados membros pode assumir, em muitos aspetos, uma dimensão comum, mas não é única.
É muito plausível que a acusação portuguesa sobre a atividade do pessoal da embaixada russa em Lisboa, que foi divulgada, corresponda à realidade. Ao que julgo saber, os nossos serviços de “intelligence”, cuja proverbial discrição ilude bastante sobre a sua real eficácia, acompanham, com atenção, as movimentações do pessoal de algumas missões diplomáticas estrangeiras. No momento em que vivemos, imagino que devam estar particularmente atentos à embaixada da Federação Russa em Lisboa.
Os russos (mas também alguns outros países, mas nem sempre Estados que se situam do mesmo “lado” - e mais não digo!) são useiros e vezeiros neste tipo de atividades, que tanto podem configurar a clássica espionagem como a execução de ações de infiltração em determinados setores nacionais ou a criação de redes de influência. O juízo de valor sobre a eventual natureza inconveniente ou mesmo hostil dessas movimentações é, naturalmente, discutível, mas insere-se no pleno direito de um Estado, no quadro das normas internacionais, reagir, nesse domínio, da forma que melhor entende. E, repito, sem nada ter de justificar. É essa a prática internacional corrente.
Nunca houve a menor dúvida de que a Rússia iria retaliar perante o gesto tomado por nós, em abril. Fê-lo agora: a cinco funcionários da nossa embaixada em Moscovo foi dada ordem de saída, também em quinze dias. O governo português entendeu reagir, dizendo que nada justificava a expulsão dos nossos funcionários, contra os quais nada havia, que se tratava de uma mera retaliação. Também é de regra fazê-lo. É óbvio que essas pessoas são apenas um dano colateral, quase burocrático, desta guerrilha política.
Que eu saiba, neste nosso meio século de democracia, aos funcionários colocados na nossa rede diplomática e consular nunca foram dadas instruções formais para incumprirem com a lei internacional. É claro que não podemos pôr as “mãos no fogo” por eventuais iniciativas individuais que, no passado, alguns funcionários possam ter tido, à revelia do Estado. Mas essa não é a regra, nem foi este o caso. Na nossa ordem externa, talvez porque, ao contrário de outros, não temos, em geral, grandes interesses a defender, Portugal quase sempre pode dar-se ao luxo de ter grandes princípios…
E agora, o que se vai passar com Moscovo? Como o primeiro-ministro já explicou, nem Portugal cortou relações diplomáticas com a Rússia, nem a Rússia procedeu desse modo. Aliás, mesmo que as embaixadas tivessem sido encerradas - e esse é um cenário que me parece impensável - tal não significaria que as relações entre os dois Estados se rompessem. Há uma imensidão de países onde não temos nenhuma representação diplomática residente e com os quais mantemos as melhores relações.
Mas as embaixadas ficarão, para sempre, sem o pessoal que agora sai? Não estou “no segredo dos deuses” mas, a ajuizar por casos anteriores, com o tempo, outros funcionários serão discretamente ali colocados, idos das capitais ou de outros postos. Para nenhum deles (com exceção dos embaixadores, dos cônsules e dos adidos de Defesa) é necessária autorização das autoridades locais. O que não significa que os Estados recetores não se reservem o direito, também à luz da Convenção de Viena, de poderem limitar a dimensão das embaixadas. Mas, que se saiba, isso não ocorre, neste caso.
Uma última nota sobre a qualificação de “diplomatas” que é dada, na imprensa, a quem quer que atue no exterior em nome do Estado. Nesse grupo de pessoas, há quem tenha uma “acreditação” diplomática (podendo fazer parte, ou não, do corpo profissional do MNE), usufruindo das especiais garantias que o Direito Internacional lhes concede, em especial em matéria de privilégios e imunidades, e há quem exerça outras funções com um estatuto funcional diverso, a que correspondem direitos e proteção também diferentes. Mas, enfim, o esforço para tentar que haja algum rigor no tratamento mediático destes temas parece ser uma guerra perdida: até os cônsules honorários (sublinho, como a própria palavra o diz, honorários!) recebem a qualificação de “diplomatas”, à luz dos títulos garridos que regularmente, nos chega pelo correio, da manhã…
(Publicado no site da CNN Portugal)
O fim do ciclo colonial
Um dia (creio que já) de maio 2002, ao tempo em que era o representante de Portugal nas Nações Unidas, em Nova Iorque, um colaborador perguntou-me se estava interessado em ir à última reunião em que o 'Comité dos 24' iria abordar a questão de Timor.
Como a minha agenda era então um "inferno", e raramente tinha tempo para ir a comités na ONU, lembro-me de ter hesitado, por um instante. Mas a muita atenção que dávamos a tudo quanto se referisse aTimor-Leste fez-me logo dizer que sim. Porém, só um pouco depois tive a consciência do que essa reunião, na realidade, significava.
O "Comité dos 24" (até 1962 conhecido por "comité dos 17", em função do número dos países que o compunham) é uma fórmula redutora para um nome bem mais longo: "Comité especial encarregado de examinar a situação relativa à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais". É também chamado "Comité especial para a Descolonização". Foi criado em 1961, após a aprovação da referida Declaração pela Assembleia geral da ONU, em 1960.
Ainda em 1962, Portugal foi convidado a estar presente numa reunião do "Comité dos 17". (Recordo que, em fevereiro e março de 1961 tinham tido lugar os primeiros graves incidentes em Angola e que o Estado da Índia veio a cair em mãos indianas em dezembro desse mesmo ano). Considerando que, à época, na perspetiva do governo de Lisboa, não havia, sob a sua tutela, colónias ou territórios passíveis de se enquadrarem nos objetivos do Comité, o governo português veio a recusar-se, a partir de então e até 1974, a colaborar com aquela estrutura. Aquele veio a ser um dos mais ativos instrumentos internacionais de denúncia do colonialismo português.
Com a aceitação da autodeterminação e independência das suas colónias, a partir da Revolução de 25 de Abril, tudo mudou. E, desde 1975, apenas o caso de Timor-Leste, dentre os antigos territórios coloniais portugueses, permaneceu como um processo em aberto nessa instância, neste caso concentrado já na denúncia da ocupação indonésia.
Por essa altura de 2002, aproximava-se a independência de Timor-Leste, que iria ter lugar no dia 20 de maio, em Dili. A reunião do Comité para a qual eu era convocado era assim a última na qual uma questão relativa à história colonial portuguesa era evocada.
Já não me recordo do que disse na sessão, o que deve constar da respetiva ata oficial e do relato desta que terei feito para o MNE (eu não guardo cópia de documentos oficiais). Mas lembro-me bem de que, nesse momento, tive a consciência de que a presença de Portugal naquele ato culminava, de certa maneira, um tempo histórico.
Com a independência de Timor-Leste, no dia 20 de maio de 2002, fechou-se um ciclo de uma aventura imperial iniciada em 22 de agosto de 1415, com o assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta.
Na reunião do "Comité dos 24", em que eu participei em nome de Portugal, dias antes daquela independência, encerrava-se formalmente o derradeiro capítulo do longo processo que conduziu ao fim do tratamento internacional da questão colonial portuguesa, que tinha sido iniciado meio século antes. Para mim, acabou por ser um inesperado privilégio.
quinta-feira, maio 19, 2022
“A Arte da Guerra”
A necessidade de uma negociação ampla entre o ocidente e a Federação Russa sobre a Ucrânia, a questão da neutralidade no seio da Europa e as lições a tirar das eleições no Estado da Renânia Vestefália, na Alemanha, são os três temas que ocupam o podcast ”A Arte da Guerra”, do “Jornal Económico”, a minha conversa semanal com o jornalista António Freitas de Sousa.
Pode ver clicando aqui.
A guerra das palavras
Desculpem lá, mas é absolutamente ridícula esta discussão sobre se a saída de Azovstal é uma “vitória ucraniana” ou uma “vitória russa”. A única coisa que é óbvia é que a saída, com vida, de toda aquela gente foi uma vitória da diplomacia e da atenção mediática à tragédia.
Blake e Mortimer
Faço parte de uma geração que, no século passado, lia, no “Cavaleiro Andante”, em banda desenhada, as aventuras de “Blake e Mortimer”. Na versão portuguesa, Mortimer mantinha este nome, mas Blake era o “Capitão Edgar”, recordo.
O autor destas histórias, que, de início, eu achava que deveria ser inglês, porque todas as aventuras nasciam e acabavam em Londres, chamava-se Edgar P. Jacobs. Era de nacionalidade belga e, por sinal, ligado à extraordinária escola de banda desenhada ali criada, de que Hergé foi a figura maior.
Nos álbuns de Jacobs, tudo roda em torno de aventuras protagonizadas pelo militar Blake, ligado aos serviços secretos, e do seu amigo e cientista, Mortimer. Contra ambos, conspira um terceiro personagem, mas eterno sobrevivente de todas as histórias, o sinistro coronel Olrik, sempre a soldo forças do mal e que, em regra, surge sob variados disfarces.
Jacobs morreu em 1987, com 83 anos. Em vida, compôs 10 albuns, de que os dois de “O Mistério da Grande Pirâmide” são, a meu ver, do melhor que se criou no género. Após o desaparecimento de Jacobs, foi ainda editada uma sua obra póstuma, em dois albuns.
Tentando copiar a obra de Jacobs, sob diversas penas e com diferente qualidade e êxito, surgiram depois mais 18 albuns! Tenho-os todos claro!
Nas histórias originais de Jacobs, raramente apareciam mulheres. Os seus seguidores romperam com essa espécie de tabu.
Blake e Mortimer eram aquilo que antigamente se chamava “solteirões”. Mas nunca houve nenhum indício que levasse a fazer suspeitar de alguma relação carnal entre ambos.
Por isso, achei graça ao facto de, no último álbum publicado, “Le Dernier Espadon”, a certo passo, num momento em que Blake conta um segredo a Mortimer, para evitar os ouvidos indiscretos dos frequentadores do Centaur Club (um clube londrino que, claro, não existe!), os ousados autores desta história se tenham permitido inserir um comentário de dois cavalheiros, sentados em outra mesa, muito contra o “politicamente correto” de hoje - mas aceitável no tempo da história, o final dos anos 40.
Na última página do álbum, a ousadia repete-se e ainda é maior, mas agora num registo abertamente racista. Tendo Blake e Mortimer levado a almoçar o fiel Nasir, com o seu turbante, surge, da parte dos mesmos comentadores, uma graçola bem pesada. Ambas aqui ficam registadas, apenas por curiosidade.
quarta-feira, maio 18, 2022
Parabéns ao Bloco!
O Bloco de Esquerda propõe criminalizar atos ditos médicos ou de outra natureza para tentar a correção da orientação sexual de uma pessoa. Confesso que pensava que isto já era ilegal! Há um Portugal velho e relho em Portugal. É preciso acabar com ele. Parabéns ao Bloco!
Caras
Em janeiro de 2017, a imprensa internacional deu grande destaque a uma fotografia do “staff” da Casa Branca, com a tristeza marcada na cara pela saída de Barack Obama, o presidente com quem tinham trabalhado. E, talvez ainda mais, pela chegada de Donald Trump.
Das três mulheres no centro dessa fotografia, só reconheci a do meio: era Susan Rice, “Nacional Security Advisor”, antiga embaixadora na ONU. Mas recordei e fixei, para sempre, a cara sofrida da mulher de cabelo comprido.
Quatro anos passaram. Trump, embora a custo e, pelo menos, até ver, saiu da Casa Branca. Chegou Joe Biden. E a tal mulher de “cara sofrida” viria a surgir, agora quase sempre com um sorriso, como porta-voz do presidente, um dos mais exigentes cargos do interface entre a presidência americana e o exterior.
O seu nome é Jen Psaki, de origem grego-polaca. Ao longo deste ano, no número considerável de briefings que parcialmente acompanhei pela televisão, pude apreciar a sua qualidade profissional, testada nessa presença quase constante perante os jornalistas, com a necessidade de “ir a todas” e o risco de poder dizer uma palavra em falso, comprometendo a administração. Psaki, contudo, era muito experiente: tinha trabalhado na diplomacia, no “State Department” e na equipa de Obama.
Psaki aguentou mais de um ano. Fez 224 briefings, mais do que todos os porta-vozes nos quatro anos de Trump, cobrindo 91% dos dias úteis! Na memória de muitos ficaram as tensas trocas de palavras com os jornalistas da Fox News, essa constante tribuna crítica de Joe Biden. Jen Psaki parte agora para outra tarefa, no campo do jornalismo televisivo, passando para “o outro lado”, imagino que cansada deste desgastante ano.
terça-feira, maio 17, 2022
Brasil
No Brasil, as sondagens indicam uma aproximação de Bolsonaro a Lula, diferente dos dois dígitos do final de 2021. Os observadores externos devem olhar menos para os comícios de convertidos e mais para os instrumentos financeiros que o poder tem ao seu dispor em ano eleitoral.
Coitados!
O esforço que por aí vai para relativizar a importância das expetativas positivas sobre o crescimento da economia portuguesa!
Justiça salomónica
EUA e Austrália estão preocupados com o acordo militar entre as Ilhas Salomão e a China e ameaçam com reação por esta entrada de Pequim na sua esfera geopolitica de influência. Curioso! Então as Salomão não têm o mesmo direito que a Ucrânia? Só vale para um e não vale para outro?
EUA
Depois do caos do Afeganistão (muito por culpa do que Trump tinha deixado armadilhado), Biden decide, sob pressão da expansão do Al Shabab (uma espécie de Al Qaeda), mandar tropas para a Somália, revertendo atitude do antigo presidente. Os EUA vivem um tempo apenas reativo.
Turquia
Erdogan segue uma estratégia de afirmação internacional que tem um ponto em comum com Putin: dá mostras de preferir ser temido do que respeitado.
Azovstal
Daqui a umas semanas, ninguém mais falará em Azovstal. Os militares radicais ucranianos que lá estavam, agora prisioneiros da Rússia, devem a sua vida à atenção internacional criada em torno de Mariupol. Guterres teve algum papel nisso.
França
Primeira-ministra francesa: mulher, oriunda da esquerda moderada, com experiência em áreas políticas críticas. Sinal político de Macron para tentar ganhar as legislativas de 12/19 de junho. O que deve acontecer.
segunda-feira, maio 16, 2022
A desneutralização europeia
Finlândia e Suécia estão prestes a apresentar o seu pedido formal de adesão à NATO. Foi a Finlândia que primeiro anunciou essa predisposição. O governo sueco necessitava do argumento de um possível isolamento, caso não seguisse o seu vizinho a Leste, para dar mais força à sua vontade de adesão. Mas foi óbvio que o “tandem” foi estudado.
Os dois países têm, como se sabe, uma história muito diferente no que respeita ao seu não alinhamento.
A Finlândia viveu o pós-Segunda Guerra sob uma neutralidade forçada pela URSS, assumindo, como consequência, uma atitude internacional a que o mundo exterior chamava, de forma injustamente depreciativa, a “finlandização”.
Já a Suécia tinha a neutralidade nos seus genes estratégicos, há dois séculos, usando-a para criar uma imagem de “potência moral”, singularidade que, sem dúvida, lhe rendeu alguns ganhos de prestígio.
Com o fim da Guerra Fria e a implosão da União Soviética, e de certo modo sob impacto da discussão que então teve lugar, em torno da eventual mudança de qualidade do projeto da NATO, nas opiniões públicas de ambos os Estados ter-se-á firmado a ideia de que, reduzidos que pareciam estar os riscos de segurança, em especial pelo enfraquecimento e aparente nova natureza do poder em Moscovo, a adesão ao projeto de defesa transatlântico não se justificava. Pelo contrário: aderir à NATO era chamar os fantasmas. Contudo, esse tempo idílico do “fim da História” não ia durar muito.
Com a entrada da Suécia e Finlândia, em conjunto com a Áustria, na União Europeia, ficou notório, desde o primeiro momento, que a mensagem que, de Helsínquia, chegava a Bruxelas, em matéria de segurança e defesa, era muito mais acomodatícia de um cenário de aproximação à cultura NATO do que aquilo que soava de Estocolmo. Mas sempre pareceu óbvio que, a acontecer um dia tal adesão, ela seria feita em conjunto.
Da Áustria, o terceiro parceiro desse grupo de países neutrais, numa União onde, à época, só a Irlanda se mantinha com esse estatuto, sendo membros da NATO todos os restantes “onze”, chegava um sinal flagrantemente contrário: a sua Constituição, feita sob os equilíbrios do pós-Segunda Guerra, impedia formalmente o seu alinhamento pela aliança ocidental.
O caso irlandês é um pouco diferente. Dublin foi sempre, muito claramente, um parceiro “do lado de cá”, com forte cumplicidade com os EUA, que não escondeu nunca as suas preferências na trincheira da Guerra Fria. A Irlanda, que tem forças militares incipientes, parece deliberadamente querer fugir ao debate, assente na blindagem legal que, nos tratados europeus, garantiu para essa sua excecionalização.
Há que notar que a NATO teve, entretanto, uma evolução, em termos securitários, que se tem mostrado bastante abrangente. A organização fez parcerias, assente num conjunto de valores altamente consensual, com as democracias do espaço ocidental. A luta contra o terrorismo, depois do 11 de setembro, veio a densificar ainda mais essa filosofia comum em matéria de segurança, que passou a ser crescentemente consagrada e desenvolvida no seio da União Europeia. As Forças Armadas de muitos desses países, da NATO e fora dela, têm vindo a ser envolvidas em exercícios militares conjuntos, para além do usufruto de uma crescente (embora raramente assumida) cumplicidade em termos de “intelligence”, que hoje aproxima, da cultura NATO, todos os membros da União.
Entretanto, é uma evidência que a deriva autocrática ocorrida dentro da Rússia, particularmente sentida pelos países bálticos (os únicos novos aderentes que tinham feito parte da União Soviética), com os quais os Estados nórdicos que são membros da União Europeia têm grande afinidade, ajudou a Suécia e a Finlândia a encurtar o seu caminho face à Aliança Atlântica. Caminho que agora fica percorrido, sob o trauma ucraniano.
Restará apenas saber se a Suécia irá apresentar algumas condicionantes à sua entrada na NATO, nomeadamente sobre a proibição da presença regular de forças militares estrangeiras e a colocação de armas nucleares no seu território. A futura contribuição da marinha de guerra sueca, que tem tido uma expressão de grande eficácia no Báltico, bem como os seus aviões de combate, são ativos tidos por relevantes nesta adesão, aos olhos de Bruxelas.
A Finlândia, que traz à NATO uma nova fronteira de 1300 km com a Rússia, dispõe, ao que se sabe, de uma equipadíssima guarda de fronteira e de modelos sofisticados de “intelligence”. Não tendo umas Forças Armadas muito fortes, é, porém, um dos países europeus que alimenta uma cultura nacional de segurança mais aprofundada, com importantes números em matéria de reservistas.
É inegável que a presença conjunta da Suécia e da Finlândia, a somar-se a um país fundador da NATO, a Noruega, vai permitir dar maior coerência ao espaço nórdico da organização, geografia onde hoje reside um dos desafios de segurança do futuro, o espaço do Ártico.
Nos anos 50, dizia-se, a brincar, por essa Europa, face ao receio que a URSS tinha criado do lado ocidental da “cortina de ferro”, que era justo que Stalin, juntamente com Schumann e Monnet, fosse também reconhecido como um dos “pais” da unidade europeia, mais tarde plasmada do Tratado de Roma. Hoje, ao observar-se o “boost” que acabou por imprimir à NATO, com o terramoto estratégico que produziu com a invasão da Ucrânia, Putin surge como mais um “construtor”, involuntário e irónico, da unidade ocidental.
E agora? Onde ficam a Áustria e a Irlanda? E Chipre? E Malta? Ficam a ser, na União Europeia, os únicos Estados ausentes da NATO. E agora? Colocar-se-á, no seu seio, a discussão sobre as vantagens e inconvenientes de virem a aderir à Aliança Atlântica, num tempo em que, cada vez mais, a União Europeia dá passos para o reforço intenso de uma dimensão de segurança, com consequências óbvias na sua defesa? Atenta a imprevisibilidade do “amigo americano” - Trump foi um interlúdio ou Biden é que o será? -, que, no entender de muitos, parece justificar que a Europa tente saber tratar de si própria, vai ser interessante perceber se o debate da “desneutralização” europeia continuará.
domingo, maio 15, 2022
Ainda o Procópio e o seu sossego
A minha amiga Alice Pinto Coelho, numa das entrevistas que deu, por ocasião das comemorações dos 50 anos do Procópio, de que é proprietária, referiu que, quando foi criado, aquele passou a ser o primeiro bar que, em Lisboa, uma mulher sozinha podia frequentar. Até então, isso era inconcebível.
Há já mais de uma década, num evento no nosso consulado-geral em S. Paulo, no Brasil, eu estava à conversa com a cantora Eugénia de Melo e Castro e com uma amiga dela, brasileira, que em breve ia visitar, pela primeira vez, Portugal. A sua estada não ia ser longa, pelo que procurava referências sobre lugares que, em Lisboa, não podia deixar de conhecer. Falei-lhe então do Procópio.
A Eugénia, naturalmente, conhecia o bar e concordou logo comigo, na recomendação. Para tornar mais apelativa a referência feita, notei então que Procópio era um local onde qualquer mulher podia entrar desacompanhada, sem que ninguém a incomodasse. Para uma bebida ou apenas para tomar um chá.
A amiga da Eugénia olhou para mim, com um sorriso que me pareceu equívoco, e tentou esclarecer: “Você diz que, se eu entrar sozinha nesse tal de Procópio, ninguém se mete comigo, é?”. Confirmei. O sorriso, dessa brasileira que recordo bonita, abriu-se mais, ao dizer-me: “Se ninguém se mete comigo, não vou gostar do sítio!”. E acabámos os três às gargalhadas.
Eurobrincadeiras
A Ucrânia, no passado, provou que tinha qualidade musical para não necessitar destes ridículos fretes políticos na Eurovisão.
sábado, maio 14, 2022
Ucrânia, claro! E a Palestina?
O que se passa na Palestina é um escândalo. De Washington, nada de novo: a exigência em matéria de direitos humanos é sempre “à la carte” dos seus interesses estratégicos. E da UE? Os mesmos “double standards”? A assim ser, não deve queixar-se ao ver muito “Sul” abster-se na ONU na questão da Ucrânia.
Wembley
E, agora, ai de quem me interromper as duas horas seguintes, com o Chelsea-Liverpool, para a final da taça de Inglaterra!
João Rendeiro
Ao longo dos anos, cruzei-me algumas vezes com João Rendeiro, em diversas circunstâncias. Transmitia auto-suficiência, uma quase condescendência para com os outros, numa afirmação agressiva da sua inegável inteligência. Talvez por isso, nunca projetou em mim uma imagem simpática, e acho também que ele nunca se esforçou muito por isso - embora admita que possa ser eu quem tenha visto mal como as coisas se passaram. Hoje, confesso, tenho pena de João Rendeiro. Tenho pena de alguém que concluiu ser incapaz de enfrentar aquilo que a vida lhe trouxe, como decorrência das suas ações. Contrariamente a muitas outras pessoas, ele tinha sabido conquistar, com o seu trabalho e inegável talento, o direito a ter várias e excelentes opções na vida. E, no entanto, nas escolhas que eram decisivas, fez exatamente as que estavam erradas. Logo ele, que era óbvio admirador da sua própria racionalidade e perspicácia, afinal qualidades que viriam a ser, em absoluto, desmentidas pelo seu comportamento. Não há hoje espaço para nenhum relativizador “isto ainda está mal contado”, no que respeita à sua atividade delituosa, que se constatou conflitual com a ordem da sociedade em que ele pretendia ser reconhecido pelos seus méritos. Rendeiro foi amplamente culpado, como a justiça provou à saciedade, e, no entanto, teimava em agir em negação, como se o não fosse. Isso era chocante e chegava a ser ofensivo, em especial para quantos por ele foram lesados. João Rendeiro pareceu querer manter essa atitude até ao fim, mas, a certo ponto, terá perdido a coragem e decidiu apressar esse mesmo fim. Ou, orgulhoso como era, decidiu ser ele próprio a determiná-lo, num gesto derradeiro de suprema soberba. Afinal, de banal fraqueza humana.
Notícias de Tskhinvali
Parece que a Ossétia do Sul vai fazer um referendo para determinar se o auto-proclamado Estado passará (ou não!) a integrar a Federação Russa. Imagino o "frisson" que vai em Tskhinvali com as imensas dúvidas sobre o sentido do resultado desse voto!
sexta-feira, maio 13, 2022
… e Doinel
A revista "Visão" lembra, no seu número de hoje, que o Maio 68 parou a França. E traz uma página com uma conhecida fotografia com os realizadores que, em Cannes, no dia 10 desse mês único, anunciaram também terem entrado em greve: por ali se veem Claude Lelouche, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Louis Malle, Roman Polansky e Jean-Claude Carrière.
Apenas uma nota, que a revista não refere (não podia referir tudo, claro): a cara que se vê do lado direito, a meio da fotografia, olhando em direção ao público, é o clássico ator que François Truffaut utilizou em vários dos seus filmes, Jean-Pierre Léaud. Nas películas de Truffaut, Léaud é "Antoine Doinel". Foi descoberto em 1958, entre seis dezenas de miúdos que apareceram na resposta a um anúncio colocado pelo realizador no “France-Soir”.
Quem gosta dos filmes de Truffaut - e eu gosto imenso e julgo ter visto todos - guardou para sempre no seu imaginário a figura de “Antoine Doinel”. Numa inesquecível série de cinco filmes, iniciada com os "Quatre-cents coups", "Doinel" foi crescendo (fisicamente, mesmo, embora não muito: tem a minha altura) aos nossos olhos, a partir dos 15 anos, evoluindo num modelo que, contudo, fixou algumas linhas comportamentais comuns. Sempre agitado, com um rosto de gravidade assustada, misto de timidez e indecisão, mas capaz de rasgos atrevidos de surpresa, "Doinel" foi uma figura, em parte autobiográfica, que Truffaut utilizou, com o seu imenso génio, para nos retratar uma França em mudança acelerada de costumes.
Uma vez, em 1992, numa ida em turismo a Nova Iorque, aconteceu-me ficar num mesa ao lado daquela onde estava Léaud. Foi no "Michael's Pub", onde ambos, e muita mais gente, tínhamos ido ver Woody Allen tocar clarinete, nessas celebradas segundas-feiras (Allen mudou-se depois para o Carlyle).
Como tínhamos um sobrinho que estava então a estudar cinema, a minha mulher insistiu em que eu fosse pedir-lhe um autógrafo. Em toda a minha vida, fui sempre incapaz de uma iniciativa desse género (nem nos lançamentos de livros peço dedicatórias!), pelo que lhe deleguei esse encargo. Mas havia um problema, que nos era comum: não nos conseguíamos lembrar-me do nome do ator, só nos vindo à memória "Antoine Doinel". Hoje, com o “tio” Google, tudo seria mais fácil. Mas ela lá foi, contornando o embaraço. Tenho de perguntar ao meu sobrinho se guarda o autógrafo.
Jean-Pierre Léaud teve uma longa carreira no cinema francês. Para além de Truffaut, foi utilizado por Jean-Luc Godard, tendo, ele próprio, dirigido alguns filmes. A meu ver - mas esta é uma opinião que vale o que vale - nunca foi um ator excecional e jamais ultrapassou uma aceitável mediania. Porém, há que reconhecer nele um dos nomes emblemáticos da "Nouvelle Vague" francesa, em cuja história tem um indiscutível lugar.
Há tempos, numa madrugada televisiva, surgiu-me uma comédia romântica de 1996, intitulada "Pour rir!", na qual Léaud contracena com Ornela Mutti. Por uma imensa curiosidade, muito centrada na evolução artística de Léaud, vi o filme até ao fim. A opção iria revelar-se quase masoquista: tive de suportar a inenarrável prestação de Mutti. Machistamente, devo dizer que ela perdeu muitos dos atributos que, durante anos, nos faziam esquecer a sua mediocridade como atriz. Enfim, não ganhei muito para a minha cultura cinematográfica. Para o que aqui me interessa, foi quase patético ver um Léaud de 60 anos assumir os trejeitos e a "coreografia" típicos de um "Doinel" adolescente.
Há atores que guardam uma imagem que acaba por se impor nas diferentes figuras que interpretam, por mais diversas que estas sejam. São "characters" - e isso pode ser uma coisa positiva ou tornar-se pesada e desinteressante, particularmente quando os filmes e as personagens têm de ser desenhados em função dessas suas conhecidas peculiaridades. Foi o que me pareceu, neste triste, embora "Pour rir!", com Jean-Pierre Léaud.
Turquia
Ontem na CNN Portugal, referi que a cultura de segurança e de valores que hoje prevalece em países como a Finlândia e da Suécia, dada a sua aculturação no seio da União Europeia, estavam mais próximas da NATO do que da de alguns dos atuais membros da organização. E, de passagem, mencionei a Turquia e a Hungria.
Hoje, Erdogan, não desiludiu. Com o sentido de “solidariedade” de que já tinha dado mostras aquando da crise dos refugiados, anunciou a sua oposição a este alargamento da NATO. E, claro, deixou um cheiro a chantagem no ar, revelando que o tema do “separatismo violento” (uso aqui uma expressão que é conhecida de quem conhece aquilo de que ele pretende falar), que lhe é tão caro, é uma excelente arma.
A polémica transferiu-se assim, para o seio da NATO. E Putin vai-se rindo.
“A Arte da Guerra”
Desde há bem mais de um ano, o jornalista António Freitas de Sousa e eu mantemos, com uma regularidade semanal, o podcast “A Arte da Guerra”. De que se trata? De uma conversa de cerca de meia hora (verdade seja que costumamos ultrapassar esse tempo) sobre três temas da vida internacional.
Esta semana, o programa, que pode ser visto clicando no link abaixo, trata (como não podia deixar de ser, não é?) a situação na Ucrânia, a crise e as eleições no Líbano, bem como a inquietação na Austrália e nos EUA pelo facto das Ilhas Salomão (um arquipélago no Pacífico) terem decidido fazer um acordo militar com a China.
Pode ver o programa aqui: https://www.youtube.com/watch?v=UPogx803MDw
quarta-feira, maio 11, 2022
Ucrânia - é imperioso sair da caixa
Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.
Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.
António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.
É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.
O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.
O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.
Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.
A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.
Comparar
Em 2010, o presidente pró-russo Viktor Yanukovych ganhou as eleições presidenciais na Ucrânia a Yulya Tymoshenko, candidata pró-ocidental.
Vale a pena comparar o mapa dos votos de cada um com a evolução da atual situação militar, para aferir das eventuais ambições russas.
Os novos federalistas
Há por aí alguma inocência, uma súbita “descoberta da pólvora”, na ideia salvífica do fim da unanimidade em certas decisões dentro da União Europeia. É fácil dizer isso a quem está protegido pelo padrão médio de interesses que se projeta em Bruxelas. Mas há quem esteja fora dele.
Com a recusa da Hungria em se juntar ao consenso sobre o petróleo, o tema passou a “sexy”. Ora não é por mero acaso ou por teimosia soberanista que umas decisões são tomadas por maioria (e noto que, nesse voto, uns têm mais peso do que os outros) e outras requerem a unanimidade.
Quando se é alemão, francês ou italiano, ou se vive no mundo do Benelux ou no conforto nórdico, com interesses similares, pode-se aceitar com facilidade o voto por maioria qualificada. Mas experimentem defender legítimas posições marginais sem a unanimidade! E esqueçam a Hungria!
Lembro apenas que, se a unanimidade não tivesse sido obrigatória para certas decisões europeias em matéria de política externa, Portugal não teria conseguido evitar concessões em favor da Indonésia, promovidas por “amigos de Peniche”, que protegeram os direitos do povo de Timor.
terça-feira, maio 10, 2022
A Ucrânia que aí vem (em mil carateres)
Nenhum cenário aponta para que a Ucrânia, no termo da guerra, venha a recuperar a geografia que tinha antes de 2014. A Rússia nunca desocupará a Crimeia. Além disso, vai, com toda a certeza, manter, sob o seu controlo, as áreas separatistas do Donbass. Pode mesmo vir a integrá-las na Federação Russa, o que, formalmente, as protegeria mais. Nessa região, contudo, pelo modo com conduz a guerra, a Rússia mostra que pretende ir mais longe, por forma a criar uma “buffer zone” permanente bastante mais alargada do que a que existia a 24 de fevereiro. Outros ganhos que a Rússia alvejará estão a sul, na tentativa de criar um corredor que impeça o acesso da Ucrânia ao Mar Negro, tornando-o num país “encravado”, que dessa forma ficaria sufocado economicamente. A Ucrânia, que, a cada dia, recebe mais ajuda militar ocidental, o que lhe está a permitir “empatar” o conflito, terá como objetivo existencial quebrar esse corredor russo pelo sul. Ambos vão perder a guerra. Só falta saber “por quantos”.
Rainha de Inglaterra
Acumulam-se sinais no sentido da rainha Isabel II estar a iniciar a sua saída da cena oficial, com a próxima abdicação em favor do seu filho. Se isso for feito de forma serena e adequada, a monarquia britânica pode ter ganho uns bons anos mais. Para tal, também é necessário que o novo rei tenha bom senso e, em especial, extrema contenção opinativa, limitando-se, publicamente, a mostrar sorrisos e dizer platitudes - isto é, a ser, constitucionalmente, uma verdadeira “rainha de Inglaterra”. Uma outra variável é, contudo, menos controlável, mas não menos importante para a sobrevivência do sistema: que a restante família se não envolva em mais escândalos e polémicas, que possam dar ao cidadão comum a ideia de que o erário público britânico contribui para alimentar uma cada vez menos aceitável excecionalidade social, num tempo em que as aristocracias e as elites só ganham em não se expor demasiado. O tempo do “glamour” e da atração fascinada pela vidas das princesas e coisas do género, muito reluzente nas revistas do género, parece que já lá vai.
A lei dos números
Ao ocupar a Crimeia e ao promover a secessão de parte do Donbass, em 2014, a Rússia como que ajudou a reforçar a identidade de uma “nova” Ucrânia. O país, por essa nova geografia política, passou a ter muito menos ucranianos russos, pelo que prevalência eleitoral de figuras anti-russas ocorreu com naturalidade. A Ucrânia em que um presidente pró-russo como Víktor Yanukóvytch pôde ser eleito deixou assim de existir.
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Olhar os dias em quinze notas
1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Puti...