Os diplomatas, enquanto carreira profissional, são frequente alvo de alguns preconceitos, o mais das vezes expressos sob a forma de graças, muito mais raramente com base em quaisquer fundamentos sólidos. A psicologia da inveja explicará muito isso.
Quem, como eu, passou quase quatro décadas nessa área e várias vezes decidiu ir a jogo, na comunicação social, em defesa da dignidade da carreira diplomática, dando o corpo às balas da crítica, conhece há muito esse débil argumentário adverso.
Hoje, a pretexto de uma hipótese de atualização salarial de que se fala para a carreira diplomática - e que não abrange os embaixadores aposentados, esclareço -, carreira que não é minimamente equilibrada com outras similares desde 1998, ressurgiram logo a terreiro esses tais preconceitos. Nada que fosse de estranhar e a que a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (de que, no passado, tive o gosto de ser vice-presidente da direção e presidente da Assembleia Geral) já deu devida e serena resposta.
Também no dia de hoje, soube-se que, no tocante ao lugar de secretário-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), que tem um papel charneira entre os serviços de informação interna e externa, o governo decidiu cessar as funções da embaixadora Graça Mira Gomes e nomear para o seu lugar o embaixador Vitor Sereno.
Graça Mira Gomes estava com o destino marcado desde o dia em que o então líder da oposição e agora primeiro-ministro, Luís Montenegro, com uma lamentável ligeireza, decidiu pôr o nome daquela qualificada diplomata em causa, em público, atribuindo-lhe eventuais responsabilidades, por um qualquer ato ou omissão, no caricato episódio do computador do assessor do ministro das Infraestruturas do anterior governo, em que houve uma intervenção do SIS. A justiça, como é sabido, entendeu entretanto não dar a menor sequência ao ridículo assunto, mas o gesto político ficou feito e Luís Montenegro entendeu agora dar sequência ao arbítrio e concretizou mais este óbvio saneamento.
Para substitir Graça Mira Gomes, o governo foi buscar Vitor Sereno, atual chefe de missão em Tóquio, um quadro diplomático com provas dadas, um excelente profissional da nova geração, que, ao que sei, fez um belíssimo trabalho em todos os cargos e postos diplomáticos por onde tem passado. Sereno é um "doer", com sentido de Estado e dotado de uma reconhecida energia profissional, que lhe tem grangeado merecida visibilidade pública. Estou certo de que vai investir toda essa sua dinâmica pessoal no cargo que irá agora exercer, embora, neste caso, forçosamente de forma muitíssimo mais discreta. Com a sinceridade de quem há muito é seu amigo, só lhe posso desejar felicidades, antecipando um excelente trabalho.
Não nos admiremos, no entanto, se, nas próximas horas, surgirem por aí vozes a pôr em causa a preferência por diplomatas para exercer este tipo de funções.
Com escassas e infelizes exceções, que o bom gosto não me deixa recordar, os diplomatas portugueses demonstram, em regra, um sentido de serviço público que os levam a trabalhar, com lealdade e sem viés funcional, com os diversos governos que o voto dos portugueses regularmente vão colocando em São Bento.
E isso passa-se independentemente das legítimas ideias políticas de cada um, porque os diplomatas não são eunucos cívicos e têm o pleno direito a ter simpatia pelas diferentes ideologias que se expressam no espetro democrático. Não têm é o direito de, no exercício de funções diplomáticas, deixar que essas ideias poluam o seu exercício. Sabemos que Graça Mira Gomes se comportou exemplarmente dessa forma e estou certo de que Vitor Sereno o fará de forma similar.
Aliás, se algum dúvida houvesse sobre a adequação dos diplomatas portugueses ao exercício de cargos na delicadíssima área que é a dos serviços de "intelligence", basta lembrar a já extensa lista desses profissionais que, talvez não por acaso, têm vindo a ser chamados a responsabilidades de chefia na dimensão externa desse setor, começando com António Monteiro Portugal, indo depois de Vasco Bramão Ramos a Joaquim Caimoto Duarte, de Paulo Vizeu Pinheiro a João da Câmara, de Helena Paiva a Carlos Pires - e espero não me estar a esquecer de qualquer nome.
Não é assim, com certeza, por um mero acaso ou coincidência, que aos diplomatas são, com regularidade, reconhecidas as competências indispensáveis para titular esta sensível área.
Posso perceber que a algumas pessoas, situadas em determinados setores profissionais, isso possa não agradar, mas essa é já uma outra questão. E para essas dores existem analgésicos.
2 comentários:
... Rennie's ?
05:26 - I must stand corrected : o Sereno foi chefe de gabinete do Miguel (vai estudar ó) Relvas... sem sombra de dúvida uma personagem muito mal frequentada...!
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