sexta-feira, novembro 08, 2024

Caras da diplomacia


Os diplomatas, enquanto carreira profissional, são regularmente objeto de alguns preconceitos, o mais das vezes expressos em forma de graças, muito mais raramente com base em quaisquer fundamentos. A psicologia da inveja explica muito isso. Quem, como eu, passou quase quatro décadas por lá e várias vezes decidiu ir a jogo, na comunicação social, em defesa da dignidade da carreira diplomática, dando o corpo à balas da crítica, conhece há muito esse argumentário adverso.

Hoje, a pretexto de uma hipótese de atualização salarial de que se fala para a carreira diplomática - e que não abrange os embaixadores aposentados, esclareço -, carreira que não é minimamente equilibrada com outras desde 1998, surgiram logo a terreiro esses tais preconceitos. Nada que fosse de estranhar e a que a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (de que no passado tive o gosto de ser vice-presidente da direção e presidente da Assembleia Geral) já deu devida e serena resposta.

No dia de hoje, soube-se que, no tocante ao lugar de secretário-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), que tem um papel charneira entre os serviços de informação interna e externa, o governo decidiu cessar as funções da embaixadora Graça Mira Gomes e nomear para o seu lugar o embaixador Vitor Sereno. 

Graça Mira Gomes estava com o destino marcado desde o dia em que o então líder da oposição e agora primeiro-ministro, Luís Montenegro, com uma lamentável ligeireza, decidiu pôr o nome daquela qualificada diplomata em causa, em público, atribuindo-lhe responsabilidades num qualquer ato ou omissão no caricato episódio do computador do assessor do ministro das Infraestruturas do anterior governo, em que houve uma intervenção do SIS. A justiça, como é sabido, entendeu entretanto não dar a menor sequência ao assunto, mas o gesto ficou feito e Luís Montenegro entendeu aproveitar para levar agora à prática este saneamento.

Para substitir Graça Mira Gomes, o governo foi buscar Vitor Sereno, atual chefe de missão em Tóquio, um quadro diplomático com provas dadas, um excelente profissional da nova geração, que fez um belíssimo trabalho em todos os cargos e postos diplomáticos por onde tem passado. Sereno é um "doer", com sentido de Estado e dotado de uma reconhecida energia profissional, que lhe tem grangeado merecida visibilidade pública. Estou certo de que vai investir toda essa sua dinâmica pessoal no cargo, forçosamente muitíssimo mais discreto, que irá agora exercer e, com a sinceridade de quem há muito é seu amigo, só lhe posso desejar felicidades e um excelente trabalho.

Não nos admiremos se, nas próximas horas surgirem por aí vozes a pôr em causa a preferência por diplomatas para este tipo de funções.

Com escassas e infelizes exceções, que o bom gosto não me deixa recordar, os diplomatas portugueses demonstram, em regra, um sentido de Estado e de serviço público que os levam a trabalhar, com lealdade e sem viés funcional, com os governos que o voto dos portugueses regularmente colocam em São Bento. E isso passa-se independentemente das legítimas ideias políticas de cada um, porque os diplomatas não são "eunucos" cívicos e têm direito a ter simpatia pelas diferentes ideologias do espetro democrático. Não têm é o direito de, no exercício de funções diplomáticas, deixar que essas ideias poluam o seu exercício. Graça Mira Gomes comportou-se exemplarmente assim e estou certo que Vitor Sereno fá-lo-á de forma exatamente idêntica.

Aliás, se algum dúvida houvesse sobre a exemplaridade da neutralidade dos diplomatas portugueses no exercício de cargos, na delicadíssima área dos serviços de "intelligence" externa, basta lembrar a já extensa lista de colegas que, talvez não por acaso, foram chamados a responsabilidades de chefia nesse setor, desde Vasco Bramão Ramos a António Monteiro Portugal, de Joaquim Caimoto Duarte a João da Câmara, de Paulo Vizeu Pinheiro a Carlos Pires - e espero não me estar a esquecer de qualquer nome. Não é, com certeza, por um mero acaso ou coincidência que aos diplomatas são, com regularidade, reconhecidas as competências indispensáveis para titular esta sensível área. Que a algumas pessoas isso não agrade - essa é uma outra questão. Mas há medicamentos para essas dores.

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