segunda-feira, novembro 18, 2024

Olhar os dias em quinze notas

1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Putin também podia dizer isso, mas querendo significar que gostaria de transformar a Ucrânia num país tão "independente" como é a Bielorrússia.

2. A Ucrânia, nos dias de hoje, só formalmente é um país independente. Um Estado que necessita da ajuda de outros para existir, é um país altamente dependente, qualquer que seja a razão por que isso acontece - neste caso, porque está a ser invadido por outro.

3. Não há uma forma apenas da Ucrânia ser independente. Aquela que o governo de Kiev desejaria é, muito provavelmente, inviável: ser simultaneamente membro da NATO e da UE. Mas não está provado que seja impossível, por exemplo, preservar a independência de uma Ucrânia neutral.

4. Uma Ucrânia neutral seria uma solução injusta, na perspetiva de Kiev. De facto, a neutralidade não faria jus à luta de quem, desde há mais de uma década, perdeu muita gente na batalha por outro modelo. E teria o "defeito" de agradar a Moscovo. Só que, às vezes, a vida é o que é.

5. Se a Ucrânia, em 1991, tivesse mostrado vontade constitucional para acomodar a minoria russa, tudo teria sido diferente? Ou se, mais tarde, tivesse aceitado Minsk II? Ou a tentação de Moscovo, em 2014, já com a Crimeia "no bolso" e a humilhação de Maiden, seria intravável?

6. Quem não deseja uma Ucrânia neutral é também a Europa. A Ucrânia, para além dos sentimentos e da retórica, é vista por muitos na UE/NATO como uma conveniente "almofada" de proteção face aos humores futuros da Rússia autocrática de Putin ou de quem lhe suceder no mesmo registo.

7. Para essa Europa, alguma russófoba, uma Ucrânia sob a proteção do "artigo 5°" seria o cenário ideal, na presunção de que os "donos" da NATO, isto é, os EUA, mantivessem as suas garantias, o que hoje está longe de estar assegurado. Trump não durará sempre, mas ainda pode vir pior.

8. A Europa evita falar do assunto, mas talvez não seja por acaso que não se ouve uma única palavra sobre a hipótese da Áustria entrar para a NATO. É que, ao contrário da Suécia e Finlândia, a neutralidade de Viena ficou gravada na sua constituição. É oportuno agora recordar isto.

9. Os dias estão e, por algum tempo, vão continuar tensos entre Moscovo e o lado de cá. Mas lembraria o óbvio: a Rússia vai ficar sempre por ali e, como se sabe, com os vizinhos, por mais desagradáveis que eles sejam, há que saber encontrar um "modus vivendi".

10. Se um poder "absoluto" como o de Trump tivesse alguma racionalidade, para além da desbragada afirmação egoísta dos interesses americanos, esta seria uma oportunidade de ouro para pilotar uma nova arquitetura de segurança europeia - com UE, NATO, Ucrânia e Rússia. Mas não tem.

11. Não sendo expectável que sejam os EUA a empenharem-se numa nova "détente", neste caso no (eventual) termo de uma Guerra Quente, restará à Europa fazer pela vida, se, como tudo o indica, Trump lhe impuser uma solução desagradável, à custa da soberania ucraniana.

12. Mas, na narrativa eufórica e jingoísta, a Europa "va-t-en guerre". Pois isso! A Europa não é um país, são 27 vontades, umas raivosas, outras cansadas, outras declaratórias, como a senhora Von der Lyen, armada de balas de papel e de papel para comprar balas para outros dispararem.

13. Quando o telefone toca no Kremlin e é de Berlim, Putin deve ter achado graça. Scholz telefonou para dizer nada. Macron atrasou-se e vai agora inventar qualquer coisa para lembrar a sua "force de frappe". Até na coreografia díspar a Europa mostra que não sabe o que há-de fazer.

14. Surgem as armas de longo alcance. O estertor das presidências americanas é mau conselheiro. Em 2008, Saakashvili caiu num engodo saído de Washington e foi o que se viu na Geórgia. Veremos se Zelensky tem uma noção minimamente realista das coisas. O seu país tem já muitos mortos.

15. Há muito que os dias não estavam tão perigosos. Este é o tempo dos líderes serem responsáveis, talvez mais do que as suas opiniões públicas, prenhes de emoções e de "dever ser". Recorda-se por aí o início da Segunda Guerra. Tenham juízo! Nessa altura ainda não havia bomba atómica.

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