A América é uma terra de oportunidades. Mas, quando elas escapam das mãos, transforma-se num país cruel.
Rudy Giuliani, como mostra este tweet de há dias, vive um tempo de desespero. Advogado de Trump aquando da contestação das eleições presidenciais de 2020, Giuliani deixou-se enredar, ele próprio, em conflitos judiciais que o arruinaram. Trump afastou-se dele. Foi expulso da Ordem dos Advogados e, a acreditar naquele texto, a sua vida é hoje muito difícil.
Há minutos, a CNN americana apresentou uma reportagem sobre a "descida aos infernos" de Giuliani.
Quando fui viver para Nova Iorque, em 2001, eu apenas sabia que Rudy Giuliani era o presidente da Câmara da cidade. A sua política de "tolerância zero" com o crime tinham-no tornado popular em muitos setores, mas também convocava fortes críticas por ter aberto as portas a ações repressivas da polícia, algumas à margem da legalidade. Era essa imagem dual que eu tinha dele.
Numa das minhas primeiras noites em Nova Iorque, fui passear com a minha mulher pela vizinhança da nossa residência e, a certa altura, deparei com um ambiente estilo Hollywood: focos luminosos sobre uma moradia no meio de um jardim, carros da polícia a "flashar", cordões de segurança, imensas câmaras a filmar.
A casa à volta da qual estava montado todo aquele aparato era a Gracie Mansion, a residência oficial do presidente do Município de Nova Iorque. Onde vivia Giuliani? Não, onde vivia a mulher de Giuliani e os filhos. O autarca tinha-se tranferido para outro lugar com uma namorada e a mulher recusava-se a deixá-lo reentrar na casa, onde ele queria levar a sua nova companheira e visitar os filhos.
Nessa noite, ao que apurei, Giuliani teria feito uma nova incursão, apoiado numa decisão judicial, mas fora mantido fora de casa. À distância, embora sem ver a figura de Giuliani, eu apreciava toda aquela movimentação, muito cinematográfica, muito nova-iorquina.
A sorte de Giuliani ia mudar. Com a ocorrência dos atentados em 11 de setembro de 2001, Rudy Giuliani surgiu publicamente como um verdadeiro herói. A sua extraordinária capacidade de decisão, no centro de uma cidade em estado de choque, fez toda a diferença. Conheci-o pessoalmente por essa altura, em ocasiões oficiais e sociais em que era uma vedeta. Giuliani era um bom comunicador e tinha um trato amável.
Rudy Giuliani ganhou então uma notoriedade, não apenas local, mas também de dimensão nacional e mesmo internacional, sendo por alguns anos um orador requestado pelo mundo. Voltei a estar com ele numa sessão em Viena, dois anos depois.
O seu prestígio não parou de crescer e, a certa altura, o seu nome começou a surgir como um forte candidato à eleição presidencial de 2008, pelo Partido Republicano. Não obteve essa designação, mas manteve-se por bastante tempo na crista da onda política, mediática e judicial americana.
Terá sido a sua associação a Donald Trump, de cujo governo, em 2016, chegou a dizer-se que iria fazer parte, que terá sido o início do seu fim. A sua intervenção mediática, embora um tanto caricata e polémica, como advogado de Trump, na contestação dos resultados eleitorais que deram a vitória a Jo Biden, terão contribuído para a sua queda em desgraça, condenado que foi em diversos processos. Tendo mais tarde declarado falência, vive por estas horas sob o processo de arresto dos seus bens, mesmo os mais pessoais, em condições financeiras quase limite.
Nos interventores na peça da CNN americana em que, há horas, foi abordada a tragédia de Giuliani, observei sorrisos e até graçolas, como se o seu comportamento ao longo destes últimos anos autorizasse essa expressão de alguma crueldade. Foi triste ver isto, mas isto é verdadeiramente a América.
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